Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
06/07/2012 | 01/01/1970 | 2 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Sony | |||
Duração do filme | |||
136 minuto(s) |
Dirigido por Marc Webb. Com: Andrew Garfield, Emma Stone, Rhys Ifans, Martin Sheen, Sally Field, Denis Leary, Irrfan Khan, Campbell Scott, Embeth Davidtz, C. Thomas Howell.
Dez anos. Foi esse o tempo necessário para que o Homem-Aranha chegasse aos cinemas, rendesse três filmes, esgotasse a fórmula decepcionando com um terceiro capítulo patético e finalmente ganhasse uma “reimaginação” nas mãos de outro realizador e estrelada por outro ator. Mesmo numa época dominada pelo déficit absoluto de atenção dos espectadores, chega a assustar que uma obra seja descartada pelo próprio estúdio com tamanha rapidez – e pior do que isso é só perceber que a nova versão acaba cometendo alguns dos mesmos erros que condenaram Homem-Aranha 3 ao fracasso, potencializando o lado “emo” de Peter Parker e criando uma historinha de amor que poderia facilmente render ao longa o rótulo de “Homem-Aranha para crepusculetes”.
Escrito pelos experientes James Vanderbilt (Zodíaco), Alvin Sargent (O Homem-Aranha 2) e Steve Kloves (a série Harry Potter), o roteiro demonstra claramente ter sofrido graças aos diferentes tratamentos dos três profissionais e se mostra uma colcha de retalhos que raramente consegue definir o tom ou mesmo a abordagem da narrativa. Aparentemente julgando ser necessário recontar toda a origem do herói, mesmo que já tenhamos visto tudo isso há apenas uma década, o trio gasta metade do filme nesta empreitada, acrescentando ou mudando detalhes para conferir algum ar de novidade a algo que já nasceu envelhecido. Para piorar, até mesmo a dinâmica estabelecida para alguns personagens do original é reutilizada aqui – e se o Duende Verde de Willem Dafoe mantinha discussões esquizofrênicas com seu alter-ego, o mesmo ocorre aqui com o Lagarto/Curt Connors encarnado por Rhys Ifans. Da mesma maneira, o jantar com Norman Osborne ganha uma versão familiar com a refeição feita ao lado da família Stacy, o que se torna ainda mais curioso quando consideramos as semelhanças físicas entre Dafoe e Denis Leary. E se em 2002 Parker parecia saltar de uma figura paterna a outra, aqui isto volta a ocorrer sem qualquer sutileza, demonstrando que esta “reimaginação” está mais para a velha e batida “refilmagem”.
Apelando com frequência para coincidências que ajudam a tornar a narrativa inverossímil mesmo se considerarmos os personagens fantásticos, o filme coloca Peter Parker como centro de todos os acontecimentos - e, assim, Gwen não é apenas seu interesse amoroso, mas também filha do hostil capitão Stacy e estagiária do vilão Connors – que, por sua vez, foi parceiro do pai do herói. Se todas estas ligações vieram dos quadrinhos, não sei dizer (e não importa), mas aqui soam implausíveis e tornam o herói não uma figura humana diante de situações incríveis (o que o aproximava do espectador), mas em uma espécie de “Escolhido” pelo destino para lidar com tudo aquilo. Enquanto isso, a morte de tio Ben (Sheen) é praticamente castrada de qualquer potencial dramático graças à encenação distante e fria do diretor Marc Webb, o que se revela um erro grave.
Mais irritante, porém, é constatar a falta de preocupação dos realizadores em criar uma trama minimamente coesa ou lógica: de estudantes do ensino médio sendo contratados como estagiários de uma empresa que lida com complexa biotecnologia (e que assumem grandes responsabilidades no trabalho) até a informação de que um importante equipamento capaz de disseminar gases na atmosfera encontra-se acumulando poeira no meio do laboratório, em vez de ser desmontado e guardado depois de mais de uma década sem utilização, O Espetacular Homem-Aranha parece desafiar o espectador a aceitar seus absurdos. Isto, claro, quando não está tratando o público como imbecil completo ao incluir animaçõezinhas que trazem vários Lagartos surgindo em uma tela para ilustrar o plano do vilão ou quando vemos uma aranha desenhada no quadro negro do pai de Peter Parker para entendermos a ligação entre o sujeito e o que ocorrerá ao filho anos depois. E o que dizer da recepcionista que pergunta duas vezes se o protagonista está “tentando se achar”, numa metáfora pedestre que se torna ainda mais podre ao ser repetida? (A repetição, aliás, parece estratégia do roteiro, já que o capitão Stacy logo depois fará duas piadas comparando a aparição do Lagarto aos ataques de Godzilla em Tóquio.)
Assim, considerando o imenso tempo gasto para recontar a origem do Aranha e para repetir piadas e metáforas vazias, é incrível como o filme jamais consegue tornar os personagens minimamente complexos. Quem, por exemplo, é o doutor Connors? Trata-se de um cientista íntegro ou de um maluco sádico? Por que ele ataca Parker em um instante para protegê-lo em outro? O Lagarto, afinal, é apenas um monstro descontrolado ou Connors consegue pensar sob suas escamas? Estas perguntas, porém, empalidecem diante daquelas despertadas pelo herói: perdendo a aura de adolescente comum, tímido e inseguro que o tornava tão intrigante, Peter Parker aqui é um sujeito que já surge definido e decidido – e se antes apanhava do Flash apenas por ser uma vítima fácil, aqui ganha contornos de estoicismo desde o princípio ao se ofertar para uma surra ao defender um garoto menor. Dono de uma personalidade obviamente deprimida desde sua primeira aparição no filme, quando, ainda criança, protagoniza a brincadeira de esconde-esconde mais triste e desanimada da história do planeta, Parker oscila entre o choro e a chatice – a não ser, claro, quando veste a máscara de herói, quando subitamente se revela um piadista nato (embora até mesmo as piadas sejam descartadas depois de um tempo).
Dirigido por Webb com um ritmo terrivelmente irregular, O Espetacular Homem-Aranha é uma experiência aborrecida como seu personagem-título: em vários momentos, paramos para ver Parker e Gwen (Stone, linda, mas no piloto automático) conversando desajeitadamente em meio a longas e entediantes pausas; em outros, somos mergulhados em batalhas burocráticas dominadas por efeitos digitais e que poderiam perfeitamente ter saído do clímax de qualquer um dos demais capítulos da série. E se o 3D empregado pela produção é autêntico em vez de convertido, isso acaba não fazendo diferença alguma, já que é mal utilizado por Webb, que se limita no máximo a incluir alguns planos subjetivos que, além de destoarem de todo o restante de sua abordagem narrativa, ainda soam como protótipos da inevitável atração a ser construída em algum parque temático da Marvel.
Com uma trilha sonora pouco inspirada de James Horner (ouçam as pancadas no piano quando o Lagarto procura Gwen e sintam o embaraço), O Espetacular Homem-Aranha ainda comete o mesmo erro do recente Prometheus ao deixar uma série de pontas soltas que supostamente serão amarradas apenas em uma eventual continuação – incluindo a história dos pais de Parker. Como se não bastasse, o filme segue a lógica do “meu sacrifício só vale a pena se for reconhecido” (que discuti na segunda parte de meu texto sobre Batman Begins), o que leva o herói a ter sua verdadeira identidade reconhecida por praticamente todos os demais personagens com certa relevância – e até mesmo a promessa feita por Parker é logo adivinhada por alguém a fim de validar a dor de seu esforço.
Ocasionalmente oferecendo alguma imagem mais surpreendente (como a teia que o Aranha tece no esgoto) e divertindo graças a uma ou outra tirada, O Espetacular Homem-Aranha falha ao não se diferenciar de seus antecessores (algo que Nolan fez com seus Batmans), revelando-se, assim, apenas um caça-níqueis feito sob encomenda para atender as necessidades consumistas de fãs que já se mostravam determinados a amá-lo e defendê-lo antes mesmo de entrarem no cinema.
E estimulando, com isso, que o estúdio continue a não fazer o menor esforço para fazer jus ao excelente personagem que tem em mãos.
Observação: Há uma cena adicional durante os créditos finais.
10 de Julho de 2012