Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
24/08/2006 | 30/11/2005 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
81 minuto(s) |
Dirigido por François Ozon. Com: Melvil Poupaud, Jeanne Moreau, Valeria Bruni Tedeschi, Christian Sengewald, Louise-Anne Hippeau, Daniel Duval, Marie Rivière, Henrie de Lorme, Ugo Soussan Trabelsi.
Romain é um jovem e respeitado fotógrafo de 31 anos de idade que, certo dia, descobre ter um tumor no cérebro que já se espalhou para outras áreas do corpo. Com pouquíssimas chances de cura, ele se recusa a fazer qualquer tipo de tratamento e dá início a uma jornada pessoal meio sem objetivo em busca de qualquer coisa que lhe pareça fazer algum sentido, o que envolve dizer adeus a certos lugares ou pessoas que marcaram sua infância. A princípio, é claro que este tipo de narrativa soa desgastado, já tendo aparecido, com maior ou menor importância, em ótimos filmes recentes como Minha Vida Sem Mim, As Invasões Bárbaras e Minha Vida – no entanto, se pensarmos com um pouco mais de cuidado sobre o que a situação imposta por uma doença terminal implica, veremos que jornadas deste tipo são tragicamente lógicas: quando não se tem mais um futuro, é apenas natural que se mergulhe no passado.
A diferença é que, aqui, o protagonista desta viagem é um sujeito inegavelmente desagradável: arrogante, agressivo, frio, inconseqüente e cocainômano, Romain surge, inicialmente, como um idiota que não fará falta ao mundo. Negando-se a contar sua condição aos pais, ele chega a ponto de insultar a irmã naquele que pode ter sido seu último jantar em família, numa prova inconteste de que nem mesmo a constatação da própria finitude tornou-o mais tolerante ou compreensivo – e sua brutal honestidade ao explicar para a avó (Moreau, numa participação pequena, mas marcante) por que esta é a única pessoa para quem revelou a doença é algo que assusta pela crueldade, mesmo que provoque um riso de surpresa no espectador.
Escrito e dirigido por François Ozon (dos excelentes 8 Mulheres e Swimming Pool – À Beira da Piscina), este O Tempo que Resta evita ao máximo o melodrama barato, apesar da temática propícia para uma exploração neste sentido. Cenas potencialmente dramáticas, como aquela em Romain conta para a avó sobre sua doença, acontecem fora da tela – e qualquer expectativa que o público tenha de ver um conflito entre o protagonista e seu pai acerca de sua dependência química (ou mesmo de sua homossexualidade) é frustrada pela forma franca e aberta com que os dois homens lidam com tudo. Assim, liberto do desejo de provocar lágrimas no espectador (embora estas eventualmente surjam), Ozon dedica-se apenas ao curioso propósito de acompanhar a viagem particular e solitária de um egoísta rumo à própria morte.
E não é uma viagem agradável: quando não está mergulhado em um exercício isolado e deprimente de auto-piedade, Romain é obrigado a encarar a própria solidão em público: observem, por exemplo, como Ozon enquadra o protagonista sentado solitariamente em uma praia enquanto, ao fundo, vemos várias atividades simultâneas envolvendo famílias inteiras – uma forma econômica e elegante de ilustrar a amarga condição do fotógrafo. Da mesma forma, percebam que jamais ouvimos as palavras trocadas entre a garçonete vivida por Valeria Bruni Tedeschi e seu marido em várias cenas do longa – e o grau de intimidade do casal atua como contraponto ao fato de que Romain não tem o mesmo tipo de cumplicidade com quem quer que seja; não escutamos aquelas conversas porque vivenciamos, assim, o isolamento emocional do protagonista.
Mas o cineasta vai além em seus esforços de caracterizar o personagem como uma figura deslocada e sozinha: ao longo de toda a projeção, Romain insiste em fotografar paisagens e pessoas de maneira compulsiva, como se quisesse deixar registrados aqueles momentos de sua vida – o que poderia funcionar como mais um clichê irritante. No entanto, Ozon utiliza estas ações como uma janela para compreendermos não a nostalgia antecipada de alguém que vai morrer, mas sim para demonstrar que Romain permanece inalterado em sua essência de observador passivo: ele vê o mundo, julga-o belo (ou torna-o belo com sua câmera), mas não participa dele. Além disso, seu eterno posicionamento atrás da câmera atua como uma barreira a isolá-lo de qualquer interação com seus “modelos”. Assim, mais do que um vício de profissão, o ato de fotografar torna-se, para Romain, um vício de solidão.
Evitando qualquer exagero em sua caracterização, o ator Melvil Poupaud é hábil ao retratar a introspecção amargurada de seu personagem, merecendo aplausos, ainda, pela transformação física impressionante que sofre durante o filme. É lamentável, apenas, que sua performance acabe sendo prejudicada por alguns tropeços graves do roteiro, que interrompe a jornada pessoal de Romain para incluir uma subtrama implausível envolvendo um casal que não pode ter filhos – algo que, apesar de engraçadinho, parece pertencer a outro filme. Da mesma forma, Ozon exagera em seu propósito de ilustrar a busca do protagonista pela paz de espírito da infância, quando era um indivíduo visivelmente mais feliz, relaxado e integrado à família: depois de um tempo, as “visões” que Romain tem de sua versão infantil tornam-se cansativas e desnecessárias, tendo cumprido seu objetivo na segunda ou terceira vez que ocorreram.
Ainda assim, O Tempo que Resta é uma produção ambiciosa que substitui o drama fácil por um estudo de personagem que, embora não tão “satisfatório” do ponto de vista emocional, convence pela coragem e pela sensibilidade.
25 de Agosto de 2006
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