Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
24/11/2006 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
96 minuto(s)

O Crocodilo
Il Caimano

Dirigido Nanni Moretti. Com: Silvio Orlando, Margherita Buy, Jasmine Trinca, Michele Placido, Giuliano Montaldo, Jerzy Stuhr, Nanni Moretti.

Derrotado nas últimas eleições depois de quase cinco anos no poder, o ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi teve uma gestão marcada por denúncias de corrupção e, talvez mais importante, por acusações constantes de utilizar seu império da mídia para difamar seus opositores e abafar investigações sobre seus próprios atos. Espécie de William Randolph Hearst contemporâneo, Berlusconi deteve tanto poder em suas mãos (graças, em grande parte, à sua influência sobre a imprensa) que poucas vezes alguém conseguiu realmente incomodá-lo publicamente – ou por receio de retaliações ou simplesmente porque tais protestos recebiam pouquíssima cobertura por parte da mídia. Em 2005, depois de ter seu programa de tevê cancelado em função das críticas que fazia ao primeiro-ministro, a comediante Sabina Guzzanti conseguiu gerar repercussão com seu divertido documentário Viva Zapatero, mas faltava a manifestação de algum cineasta realmente consagrado para conferir peso a estas iniciativas do Cinema de esquerda.

Entra Nanni Moretti, diretor de obras como O Quarto do Filho e Caro Diário, que faz, neste O Crocodilo, uma pesada crítica a Berlusconi no momento de maior fragilidade política do sujeito, já que o longa foi lançado pouco antes das eleições que definiriam sua derrota. Contudo, o filme não é apenas um manifesto político, mas também uma pequena declaração de amor ao Cinema e uma reafirmação da responsabilidade social que este assume em épocas mais conturbadas: escrito por Moretti ao lado de Francesco Piccolo e Federica Pontremoli, o roteiro gira em torno de Bruno Bonomo (Orlando), produtor de filmes B que se encontra à beira da falência. Depois de ver seu novo projeto naufragar, ele decide apostar suas últimas fichas em um roteiro que recebeu de uma jovem mãe solteira e que aborda as falcatruas de um político obviamente inspirado em Silvio Berlusconi. Enquanto tenta viabilizar o projeto, Bruno é obrigado a lidar com uma grave crise em seu casamento.

Desta forma, O Crocodilo revela-se, na realidade, três filmes em um – e o problema é que, embora funcione bem ao lidar com as atribulações de seu protagonista, acaba falhando no campo que talvez seja mais importante para seu realizador: o político. Ainda assim, ele traz algumas boas críticas à pasteurização temática do Cinema italiano recente (aliás, do Cinema ocidental, de modo geral), o que se torna ainda mais triste se considerarmos a riqueza do neo-realismo representado por Rosselini, De Sica e Visconti, entre outros – e não é à toa que O Crocodilo conta com pontas de tantos cineastas daquele país, que conferem às suas participações um verdadeiro caráter de “abaixo-assinado”. Esta alienação de realizadores contemporâneos, diga-se de passagem, é resumida na figura do protagonista, que, em certo instante, manifesta seu repúdio a qualquer tipo de “filme de esquerda.

Assim, é uma pena constatar que o longa só ganha vida e ritmo ao enfocar os problemas pessoais e profissionais de Bruno: quase um discípulo de Ed Wood em suas soluções capengas para os dilemas apresentados pelos  diretores com quem trabalha, o produtor está sempre buscando alternativas inacreditáveis para viabilizar um projeto com orçamento cada vez menor; para Bruno, a qualidade do filme é um detalhe insignificante se comparada à pura necessidade de finalizá-lo – e é divertido acompanhar a pré-produção daquele longa e perceber como os cenários grandiosos inicialmente planejados acabam se convertendo em quase miniaturas ao longo do processo. Por outro lado, alguns dos obstáculos enfrentados pelo produtor são excessivamente implausíveis, expondo o esforço de Moretti para provocar o riso (é difícil acreditar, por exemplo, que um profissional experiente como Bruno não exija que seu elenco assine contratos.

Carismático e com bom timing cômico, Silvio Orlando consegue segurar o filme praticamente sozinho ao levar o público a se interessar pelos erros e acertos de seu personagem: carinhoso com os filhos e visivelmente apaixonado pela esposa, Bruno é um homem essencialmente bom, apesar de falho, e ficamos comovidos ao testemunhar seu sofrimento. Da mesma forma, há algo de profundamente humano em seu ato patético de descontar sua frustração em uma peça de roupa – e sua honestidade ao admitir que a destruiu por saber que era a favorita de sua esposa é algo que o torna, paradoxalmente, ainda mais querido para o espectador.

Infelizmente, O Crocodilo parece acreditar que Bruno é figura secundária da narrativa, voltando a se concentrar em Berlusconi em seus minutos finais, que trazem a esperada participação do próprio Moretti como ator (e ele é, sem dúvida, um excelente intérprete). Porém, em vez de funcionar como clímax do longa, este ato final decepciona pela forma proselitista e panfletária com que martela sua mensagem na cabeça do público, abandonando qualquer esforço de sutileza. Com isso, o filme de Moretti permite que sua raiva seja exposta sem máscaras, o que, apesar de honesto, frustra pela obviedade.

24 de Novembro de 2006

Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!