Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
06/10/2011 | 30/09/2011 | 2 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
88 minuto(s) |
Dirigido por Kevin Smith. Com: Michael Parks, John Goodman, Melissa Leo, Kyle Gallner, Michael Angarano, Nicholas Braun, Stephen Root, Kevin Pollak, Kerry Bishé, Marc Blucas, Patrick Fischler.
É até bonitinho ver Kevin Smith tentando se tornar diretor depois de construir uma carreira toda calcada em roteiros engraçadinhos que teriam se beneficiado caso houvessem sido realizados por cineastas com mais talento (e jamais o perdoarei por ter comprometido o belo roteiro de Dogma ao insistir em dirigi-lo). Infelizmente, mesmo depois de quase 20 anos atrás das câmeras, Smith demonstra não ter aprendido o básico da profissão, falhando aqui até mesmo em estabelecer a geografia básica das cenas ou mesmo em criar um ponto narrativo central no qual possa ancorar sua história. Red State pode até representar um esforço do sujeito para se afastar das comédias adolescentes que o popularizaram, mas, em sua essência, nada mais é do que um O Balconista disfarçado de terror.
Tentando se estabelecer como uma versão de O Massacre da Serra Elétrica ou de O Albergue, mas com fanáticos religiosos no lugar de Leatherface e de empresários europeus, Red State gira em torno da família Cooper, que, liderada pelo pastor Abin (Parks), ganha destaque na mídia ao realizar protestos homofóbicos em enterros de homossexuais. Eventualmente, porém, descobrimos que a pequena igreja já não se contenta mais em condenar os pecadores, dedicando-se também a caçá-los – e o ponto de partida do filme é justamente o sequestro de três rapazes que, depois de atraídos por uma suposta prostituta, são sedados e levados para o altar dos Cooper a fim de serem sacrificados.
E aí reside o primeiro grande problema de Red State: na covardia de seu roteirista e diretor. Ainda que claramente sinta-se corajoso e polêmico ao lidar com o fundamentalismo religioso e com o preconceito despertado pelos dogmas, Smith acaba prejudicando a causa que supostamente defende ao transformar os Cooper em caricaturas impossíveis de se levar a sério (“Até os neonazistas se distanciaram deles”, diz alguém em certo momento). Assim, como são absurdos em sua artificialidade, aqueles personagens terminam por empalidecer a autêntica crueldade de suas inspirações reais – e o próprio cineasta contribui para isto ao citar o desprezível “pastor” batista Fred Phelps ao longo de Red State e classificá-lo como “apenas irritante” ao compará-lo com seu fictício Abin Cooper (quando, na realidade, os danos provocados por Phelps e sua corja são profundamente devastadores).
Porém, Smith não falha apenas do ponto de vista moral, mas também narrativo: sem conseguir se desvencilhar de seu velho hábito de escrever longos diálogos, ele não resiste à tentação de criar monólogos extensos para o pastor Cooper sem perceber que estes não fazem o menor sentido dentro da lógica do filme. Ora, se a pequena família de Abin se reúne constantemente para ouvir seus sermões, o discurso proferido pelo sujeito em ataque à homossexualidade e justificando a violência certamente já teria sido pronunciado em inúmeras ocasiões – e, assim, embora o espectador esteja testemunhando aquela fala pela primeira vez, a congregação diante de Abin obviamente já deveria conhecê-la de cor (e, portanto, a cena só faria sentido se todos ali reconhecessem o caráter repetitivo do que está sendo dito, o que não ocorre, já que a lógica presente é a de um discurso novo e impactante). Para piorar, o cineasta mostra-se incapaz de objetividade – e cada pergunta feita a alguém, por mais direta que seja, é recebida não com respostas, mas com longos casos (“Por que não atirou?”, “Que som foi aquele?”, “Quem está falando?”).
Como se não bastasse, Smith parece ignorar a natureza essencialmente visual do Cinema, que privilegia a ação sobre o diálogo – e, assim, constantemente os personagens narram o que farão ou o que aconteceu em vez de permitir que vejamos os incidentes, algo que fica claro no instante em que um personagem sugere que usem um pedaço de osso para cortar as amarras e, logo em seguida, diz que a ideia foi implementada sem que jamais tenhamos testemunhado a ação em si. Além disso, a própria construção temática de Red State é equivocada, já que Kevin Smith, dono de uma mentalidade obviamente adolescente, tenta desenvolver questões políticas sem estofo intelectual para tanto, criando uma salada de frutas indigesta que cita a Lei Patriótica sem compreendê-la e igualando de forma pavorosa a ação dos fundamentalistas religiosos à do governo, aqui representado por uma agência de segurança.
Beneficiado por duas ótimas atuações de John Goodman e Michael Parks, Red State é prejudicado, por outro lado, pela falta de um protagonista claro que ancore a narrativa e a partir do qual a trama seja desenvolvida – e o próprio Smith parece inseguro a este respeito, já que nos apresenta inicialmente a Travis (Angarano) e aos seus pais apenas para eventualmente substituí-lo por Jarod (Gallner), que, por sua vez, é subjugado por Cheyenne (Bishé). No entanto, em vez de criar uma estrutura surpreendente justamente ao manter o espectador incerto com relação à identidade central do longa (o que funcionou maravilhosamente para Hitchcock em Psicose, por exemplo), Smith apenas falha em estabelecer um foco para o filme, que assim atira para todos os lados e cria personagens cujas ações soam simplesmente inverossímeis.
Mas o mais assustador é mesmo perceber como o diretor, depois de tanto tempo, demonstra a mais absoluta incapacidade em criar uma coerência visual mínima: sem ter a menor ideia de como filmar uma sequência de ação, Smith apela para uma montagem caótica que busca disfarçar o fato de que o diretor não sabe o que está fazendo – e, para constatar isso, basta observar o longo tiroteio final. Para começo de conversa, o cineasta falha em estabelecer o básico: quem está onde e em que posição com relação aos demais. Sim, vemos Abin e a filha Sara (Leo) lado a lado em uma janela, disparando para fora, mas logo em seguida acompanhamos outra devota surgindo sob o batente de uma porta e disparando em direção à câmera. Ora, ela está atrás de Abin e Sara? Ou em outro ponto da casa? E os demais religiosos armados, onde se encontram? Sabemos que estão atirando para fora, mas em direção a quê, exatamente? A confusão é tamanha que, em certo momento, quando a polícia rompe a barreira em frente à casa dos Cooper, não sabemos quem está diante dos oficiais ou mesmo se alguém está cobrindo os fundos da residência – embora um único policial pareça estar plantado ali, o que seria absurdo.
E mais: como Cheyenne e Jarod podem simplesmente caminhar para fora da residência e abordar o líder tático do esquadrão, ao final da sequência, se a casa se encontrava totalmente cercada? E como exatamente o pastor Abin pode sair com seus asseclas de um edifício secundário, naquele momento, se aparentemente até então se encontravam no prédio central enfrentando a invasão da polícia? E por que, oh, Céus, Kevin Smith decide incluir um letreiro indicando um determinado horário (“4:47 da manhã”) em certo ponto da projeção se isto é absolutamente descartável e jamais estabelece uma lógica que se repete posteriormente?
Mas o mais revelador é perceber que, embora tentando criar uma narrativa “séria” e impactante, Red State acabou sendo recebido com risadas e aplausos pela platéia repleta de fãs de Kevin Smith no Festival do Rio – e até mesmo algumas das falas mais repugnantes e das mortes mais violentas foram vistas com júbilo por aqueles indivíduos.
Aparentemente, Kevin Smith tem os fãs que merece.
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio de 2011.
19 de Outubro de 2011