Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/10/2005 | 23/09/2005 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
115 minuto(s) |
Dirigido por Marcelo Piñeyro. Com: Eduardo Noriega, Najwa Nimri, Pablo Echarri, Eduard Fernández, Ernesto Alterio, Natalia Verbeke, Adriana Ozores, Carmelo Gómez.
Não é segredo que a competição no mundo das grandes corporações é, na maior parte do tempo, intensa e até mesmo cruel. Porém, esta disputa não se dá apenas entre poderosas pessoas jurídicas, mas também entre aqueles que servem às empresas: num mercado impiedoso que valoriza o resultado, qualquer executivo sabe que seu destino pode ser definido por um único negócio bem fechado ou por uma transação que fracassou no último momento. E “recolocar-se no mercado” (eufemismo politicamente correto de “preciso conseguir um novo emprego, pelo amor de Deus!”) pode ser tarefa árdua, já que, para cada boa vaga, há dezenas de competidores igualmente qualificados. Um programa como O Aprendiz (do qual sou fã) fascina justamente por retratar uma disputa não entre caras malhados e futuras modelos da Playboy por um dinheiro conquistado através de fofocas e intrigas adolescentes, mas sim entre adultos inteligentes e pós-graduados que, por uma chance de trabalhar em um grupo influente, não hesitam em participar de uma série de testes exigentes que, embaraço dos embaraços, ainda são exibidos em rede nacional como entretenimento de massa (ou quase).
No entanto, se a “demissão” diante das câmeras de um reality show pode ser uma experiência traumática, esta certamente não se compara à crueldade dos testes aos quais se submetem os personagem de O Que Você Faria?, escrito por Mateo Gil (colaborador de Alejandro Amenábar nos ótimos Thesis – Morte ao Vivo e Preso na Escuridão) e Marcelo Piñeyro a partir da peça de Jordi Galcerán. Reunidos em uma impessoal sala de reuniões em um prédio luxuoso de Madri, sete executivos de idades diferentes se preparam para uma rodada de entrevistas que pode garantir um cobiçado emprego na alta hierarquia da empresa. Enquanto um intenso protesto contra a globalização toma conta das ruas da cidade (uma reunião do FMI está acontecendo perto dali), os sete candidatos são submetidos a estranhos jogos psicológicos que vão desde a obrigatoriedade em preencher o mesmo formulário pela enésima vez até a elaboração de cenários hipotéticos sobre as funções que cada um exerceria em um mundo pós-holocausto nuclear. Aos poucos, eles vão percebendo que tudo pode fazer parte do teste – até mesmo a péssima comida servida durante o intervalo para almoço.
A origem teatral de O Que Você Faria? é óbvia, já que o filme se passa praticamente todo em um único ambiente. Isto, no entanto, não representa necessariamente um problema, como Sidney Lumet demonstrou em seu brilhante 12 Homens e uma Sentença, de 1957 – e, ainda que o diretor Marcelo Piñeyro não seja dos mais regulares (seu Plata Quemada é um exercício de excessos, enquanto Kamchatka é bem mais eficaz), o trabalho desempenhado pelo argentino
Mas o maior prazer de O Que Você Faria? é mesmo acompanhar a guerra de nervos entre os sete personagens, que vão se conhecendo um pouco melhor ao mesmo tempo em que o espectador tem a chance de descobrir mais sobre cada um. Para tornar tudo mais interessante, logo somos informados de que há um “espião” entre os candidatos: um funcionário da empresa que tem a função de avaliá-los de perto enquanto reagem aos testes propostos pelo misterioso “método Grönholm”. A partir daí, a tensão entre os competidores rapidamente se torna palpável, dando origem a ótimos embates verbais, a confrontos entre lógicas opostas e mesmo a provocações baratas.
É claro que, sob a fachada de estudo de personagens, o filme esconde uma crítica nada sutil à globalização e à filosofia de gestão das grandes corporações, em que o mais importante é o bem da empresa, mesmo que isto signifique o sacrifício do indivíduo; um universo no qual os conceitos de “certo” e “errado” perdem lugar para os interesses do capital – algo ilustrado pela racionalização feita sobre a atitude de um dos candidatos, que, no passado, denunciou seus antigos empregadores por poluírem um rio. Do ponto de vista ético e humanitário, ele certamente agiu bem; mas, como funcionário, foi o agente responsável por um escândalo que prejudicou a empresa – e, assim, talvez não seja o mais indicado para uma função de importância dentro de uma outra corporação. Da mesma forma, há o caso de Ricardo (Pablo Echarri, sem dúvida alguma, o grande destaque do filme), que, como antigo líder sindical, pode representar um risco em potencial para seus patrões, o que o leva a esconder seu passado de sindicalista dos concorrentes e até mesmo de seus possíveis futuros empregadores.
O curioso é que o longa jamais faz a pergunta mais importante, permitindo que o espectador faça, sozinho, a indagação: valeria a pena trabalhar num lugar como aquele? Um ambiente que estimula a competição e a traição de forma tão aberta? Mais uma vez, a racionalização é complexa: por um lado, há algo de profundamente desumano naqueles testes; por outro, o fato é que o lado pessoal, humano, dos empregados talvez não deva ser levado em consideração nestas circunstâncias, já que o objetivo é puramente profissional (conseguir uma posição muito bem remunerada em uma empresa que permite a ascensão de seus funcionários). Neste sentido, é fascinante perceber que jamais descobrimos qual é a área de atuação da tal corporação – que produtos fabrica ou que interesses representa. Com isso, ela se torna um símbolo da globalização e da lógica de mercado (e quando dois personagens conversam sobre os planos que fizeram num encontro passado, esta idealização de um tempo antigo é imediatamente contraposta ao jogo no qual se enfrentam no presente).
Porém, talvez um dos grandes trunfos de O Que Você Faria? resida em sua inesperada capacidade de levar o espectador a torcer por um ou outro candidato, chegando a ficar ansioso com todo o processo: afinal, por que deveríamos desejar que alguém consiga um emprego num lugar como aqueles? E, no fim das contas, estamos falando apenas de uma vaga – aqueles que forem desclassificados certamente poderão disputar outras possibilidades. Mas não adianta: mesmo cientes destes fatos, somos levados por Piñeyro a encarar toda a situação como um caso de vida ou morte. Em contrapartida, justamente por ter, como foco, o confronto entre os vários personagens, o longa acaba se enfraquecendo à medida que os candidatos vão sendo eliminados e vamos caminhando rumo ao ato final – precisamente o oposto do que um filme deveria fazer. Com isso, a conclusão da narrativa acaba soando anti-climática, o que não deixa de ser decepcionante.
Para compensar, o cineasta nos oferece um plano final emblemático que merece aplausos; afinal, há algo de tristemente poético em ver a solidão e a decepção do desempregado em um cenário caótico e de (literal) destruição provocada pelo mundo globalizado. Ideais à parte (e não sou um oponente da globalização, que considero inevitável e já consumada), é sempre prazeroso testemunhar um artista manifestando sua visão com tamanha competência.
17 de Agosto de 2006
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