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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
12/07/2013 01/01/1970 3 / 5 3 / 5
Distribuidora
Warner

O Homem de Aço
Man of Steel

Dirigido por Zack Snyder. Com: Henry Cavill, Amy Adams, Russell Crowe, Kevin Costner, Diane Lane, Michael Shannon, Laurence Fishburne, Richard Schiff, Christopher Meloni, Ayelet Zurer.

Uma das coisas irritantes acerca dos constantes reboots produzidos por Hollywood é a necessidade que os realizadores das novas versões têm de se apropriar das franquias e dos personagens – o que se reflete na insistência em recomeçar todo o universo em vez de simplesmente continuá-lo com uma nova abordagem. Assim, apenas sete anos depois que Bryan Singer comandou seu romântico, melodramático e entediante Superman – O Retorno, o cineasta Zack Snyder (300, Madrugada dos Mortos, Watchmen, Sucker Punch) nos reapresenta a Kal-El/Clark Kent, desde seu nascimento no condenado planeta Krypton até seu encontro com Lois Lane (Adams) e o estabelecimento de sua icônica identidade de super-herói na Terra.

Escrito por David S. Goyer, roteirista experiente em adaptações de histórias protagonizadas por super-heróis (Blade, Batman Begins, Motoqueiro Fantasma – cof-cof!), O Homem de Aço tem início quando o sábio Jor-El (Crowe) alerta os líderes de Krypton para a destruição iminente do planeta justamente quando o perigoso general Zod (Shannon) tenta depô-los como vingança por terem provocado a catástrofe. Em meio ao confronto entre os dois homens, o bebê é enviado para a Terra, onde é encontrado e criado pelo casal Jonathan e Martha Kent (Costner e Lane) – e, jovem adulto e agora com o nome Clark (Cavill), passa a viajar pelo mundo enquanto tenta encontrar respostas sobre sua verdadeira identidade. É então que Zod e seu exército atacam Metrópolis, exigindo que os terráqueos entreguem Kal-El a fim de evitarem um desastre maior.

Em outras palavras: nada de Lex Luthor, o que é um alívio imenso, já que ao menos foge do lugar-comum (embora sua corporação, a LexCorp, tenha o nome claramente exibido em certo ponto da projeção). Assim, em vez de focar no embate que já víramos em Superman – O Filme e Superman – O Retorno, Snyder... bom, foca naquele que víramos em Superman II. Por outro lado, se soa redundante sermos obrigados a mais uma vez testemunharmos a destruição de Krypton, a juventude de Clark e sua relação com os pais adotivos e o início de sua relação com Lois Lane, ao menos o filme se beneficia da impecável seleção de elenco: vivendo Zod como um homem que, embora revoltado por motivos justos, manifesta um racismo inequívoco em sua obsessão pelas “linhagens” de Krypton, Michael Shannon cria um vilão à beira da psicose e mergulhado em ódio e ressentimento – o que se contrapõe de maneira perfeita ao tom de voz controlado e à postura sempre rígida do Jor-El de Russell Crowe. Enquanto isso, Kevin Costner, numa sacada fabulosa de casting, traz à narrativa sua persona de homem comum, tão bem estabelecida em obras como Campo dos Sonhos e mesmo Os Intocáveis, e que aqui desempenha papel imprescindível ao evocar os valores que o jovem Clark absorve de seus pais terráqueos – bem como os traumas que moldarão seu futuro.

E se Laurence Fishburne pouco pode fazer como o editor Perry White – por mais que, no terceiro ato, Snyder tente apresentá-lo em contornos quase épicos, com direito a travellings que se aproximam de seu rosto em ângulos baixos -, Diane Lane vive talvez a primeira “matrona” de sua carreira e confere calor humano e doçura a Martha. Já Amy Adams, como Lois Lane, deixa de lado boa parte do humor que caracterizou a versão de Margot Kidder e também a melancolia da versão de Kate Bosworth e transforma a jornalista em uma mulher determinada e completamente focada na carreira e em suas investigações – e, assim, é natural que inicialmente Superman surja como um interesse puramente profissional, levando o ocasional envolvimento amoroso entre os dois a se estabelecer numa progressão natural. (O quê? Spoiler alert? Ah, façam-me o favor.)

Mas é claro que, num filme intitulado O Homem de Aço, é mesmo o responsável por viver o protagonista que se torna capaz de afundar ou salvar o projeto – e Henry Cavill se revela, aqui, um herói infinitamente mais interessante e multifacetado que o inexpressivo Brandon Routh, que vestiu o uniforme azul na versão comandada por Singer. Exibindo personalidade e peso dramático, o ator é especialmente bem sucedido ao oscilar entre os momentos de confusão e frustração do personagem e aqueles no quais, já mais maduro, surge como um ser inteligente, sereno e dotado de sabedoria natural. E se falta a ele um pouco da leveza divertida de Christopher Reeve e mesmo do carisma imbatível daquele que ainda se mantém como o intérprete definitivo do super-herói, Cavill ao menos terá a oportunidade de trabalhar estes aspectos nas possíveis continuações, que certamente contarão com uma presença maior do alter ego jornalista de Superman.

Impressionando do ponto de vista técnico, O Homem de Aço é particularmente eficaz ao estabelecer Krypton como um planeta convincente, expandindo-o bem mais que os filmes anteriores – e mesmo que não faça muito sentido que animais voadores convivam com naves obviamente sofisticadíssimas do ponto de vista tecnológico (como se nossas ruas tivessem presença similar de cavalos e carros), Zack Snyder ao menos é  hábil ao tornar aquele cenário digital mais verossímil através de zooms rápidos, planos que entram e saem de foco, flares (lição apreendida com J.J. Abrams) e até mesmo simulação de condensação nas lentes das câmeras virtuais, levando o espectador a uma impressão inconsciente de estar testemunhando algo filmado em um espaço real.

Infelizmente, porém, todas estas virtudes técnicas e mesmo o excelente elenco acabam sendo sabotados não só pelo roteiro previsível e inchado, mas também – e especialmente – pela estrutura narrativa equivocada adotada por Snyder e pelo montador David Brenner. Talvez preocupados em evitar que a primeira metade da projeção se tornasse excessivamente expositiva e lenta, eles já saltam para uma sequência de ação assim que Kal-El chega à Terra, criando uma elipse de décadas que suprime momentaneamente a formação do protagonista e o traz resgatando um grupo que se encontra preso em uma plataforma em chamas. A partir daí, o filme passa a saltar no tempo constantemente, o que quebra o ritmo de forma pouco natural e – o pior – praticamente elimina o impacto dramático de um incidente importantíssimo da juventude de Clark.

Como se não bastasse, Zack Snyder aposta no simbolismo mais óbvio que Superman poderia despertar e que, inclusive (e justamente por isso), se encontrava presente em vários dos capítulos passados: a comparação entre Kal-El e Jesus Cristo – e, sem demonstrar qualquer sutileza, o cineasta traz o sujeito se confessando enquanto a figura de Cristo surge ao fundo, inclui a informação de que Clark tem 33 anos de idade e enfoca-o num contra-plongé no mar que o traz de braços abertos. Além disso, há o espelhamento de seu nascimento: enquanto Jesus surgiu de uma concepção imaculada em um mundo de sexo, Kal-El foi concebido através do sexo em um planeta no qual os bebês eram produzidos in vitro. Assim, depois de um tempo O Homem de Aço se torna quase um jogo do tipo “encontre a referência bíblica”, o que é tolo, nada original e denuncia uma insegurança temática por parte dos realizadores, que parecem sentir a necessidade de estabelecer a importância de Superman de alguma maneira.

Reprovável também ao acovardar-se diante das consequências da batalha que ocupa o terceiro ato do longa e durante o qual Zack Snyder tenta ignorar o óbvio – o fato de que certamente algumas centenas de milhares de pessoas morreram em função das ações de Superman e de Zod (percebam que o super-herói casualmente atira o vilão em prédios e ruas) -, O Homem de Aço é uma boa releitura do personagem. Se era necessária, porém, é outra história.

25 de Julho de 2013

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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