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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
25/12/2008 01/01/1970 2 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
118 minuto(s)

Sete Vidas
Seven Pounds

Dirigido por Gabriele Muccino. Com: Will Smith, Rosario Dawson, Woody Harrelson, Barry Pepper, Michael Ely, Elpidia Carrillo, Joe Nunez, Gina Hecht.

 

Will Smith é um cara simpático. Dito isso, creio que o sucesso absurdo que ele conquistou nos últimos anos subiu-lhe à cabeça e ocupou o espaço antes destinado ao seu bom senso: só isto poderia explicar por que ele vem manifestando interesse pela Cientologia (vide o estrago na carreira de Tom Cruise) e, claro, o “complexo de Jesus Cristo” que ele passou a exibir em seus filmes mais recentes e no qual viveu personagens que, de um modo ou de outro, se submetem a grandes sacrifícios pessoais em prol de terceiros. Mas se isto ao menos parecia servir à história em Eu Sou a Lenda e Hancock, desta vez Smith usa seu poder como produtor para bancar uma produção cujo único propósito é pintá-lo como um mártir, um quase anjo encarnado.

 

Escrito pelo estreante Grant Nieporte (que até então escrevera apenas para sitcoms do segundo escalão), Sete Vidas começa com uma cena claramente plagiada de Morto ao Chegar (o original e a refilmagem de 1988) ao trazer Ben Thomas (Smith), um funcionário da Receita Federal, ligando para a polícia a fim de comunicar um suicídio – o dele mesmo. A partir daí, ouvimos uma narração em off através da qual Ben explica que, “assim como Deus criou o mundo em sete dias”, ele destruiu o seu próprio em “apenas sete segundos” – o que nos leva a dois problemas: a história “oficial” afirma que o mundo foi feito em seis dias (Deus descansou no sétimo) e não haveria como o protagonista saber exatamente a fração de tempo necessária para que ele “destruísse” sua vida. Em outras palavras: já em seus primeiros minutos, Sete Vidas deixa claro que, em prol do efeito dramático, a verossimilhança e a lógica serão sempre atiradas pela janela. E ao menos nisso o filme é coerente, já que é exatamente isto que faz durante toda a projeção.

 

Não que a trama concebida por Nieporte não tenha seus atrativos: o primeiro ato, em particular, é bastante intrigante em sua montagem fragmentada e na maneira dispersa com que apresenta as informações ao espectador. Assim, vemos Ben agredindo verbalmente um atendente cego de um call center; reparamos como o protagonista oscila entre um comportamento agressivo e outros momentos nos quais surge bem mais doce; e descobrimos que, no passado, ele tinha um casamento feliz e uma carreira de sucesso. Além disso – e mais importante – constatamos sua obsessão com sete nomes específicos e percebemos que seus atuais relacionamentos parecem se focar em pessoas com algum problema de saúde – entre estas, a bela Emily (Dawson), que, sofrendo de uma cardiopatia congestiva, encontra-se à beira da morte e logo se vê encantada pelo novo “amigo”, chegando a telefonar para o rapaz, do hospital, para que este lhe “conte uma história”.

 

Sim, “contar uma história”. Uma mulher adulta, madura, decide ligar para um homem que ela mal conhece para solicitar que este a faça dormir com uma história. Este é o tipo de incidente artificial ao qual alguns roteiristas menos talentosos simplesmente não conseguem resistir, trocando a plausibilidade pelas lágrimas que julgam conquistar com cenas similares. Desta forma, Seve Vidas logo se entrega ao água-com-açúcar – algo que o cineasta italiano Gabriele Muccino ressalta com um prazer vergonhoso, chegando a incluir uma música cuja letra ressalta, através de versos como “I’m feeling good”, o sentimento do personagem em um raro momento de felicidade (e nem vou comentar a melosa “Have no Fear”). Esta abordagem terrivelmente óbvia, aliás, representa uma decepção ainda maior se considerarmos os esforços que Muccino e Smith fizeram para evitar o melodrama em sua colaboração anterior, o belo À Procura da Felicidade.

 

Encarnando Ben como um homem amargo que abre um sorriso largo apenas quando está diante de outras pessoas, voltando a fechar a expressão sempre que sozinho, Will Smith continua a exibir uma presença intensa e carismática, mas o fato é que, ao contrário de sua total entrega em filmes como Ali ou o já citado À Procura da Felicidade, ele não se vê movido nem mesmo a adequar seu físico ao personagem, neste Sete Vidas – algo que pode ser facilmente comprovado na cena em que Ben afirma não “ter se tratado bem nos últimos anos” embora exiba um corpo musculoso e claramente saudável (ou seja: mais um exemplo do efeito dramático sobrepujando a lógica da história). Em contrapartida, Rosario Dawson surge cansada e empalidecida como a frágil Emily, convencendo plenamente como uma jovem gravemente enferma, ao passo que o sempre subestimado Barry Pepper, em suas poucas cenas, cria um personagem bem mais interessante e intrigante que o protagonista (embora o roteiro não se preocupe em explicar por que ele ajuda Ben em seus projetos absurdos). Finalmente, Woody Harrelson também aproveita sua quase ponta para comprovar sua facilidade em criar tipos imensamente simpáticos.

 

Infelizmente, Sete Vidas se preocupa mais com sua traminha estúpida do que em desenvolver seus personagens – e embora o filme se esforce bastante para manter sua “reviravolta” em segredo, confesso que matei a charada na metade da projeção. (E talvez seja melhor não ler o restante deste texto antes de assistir ao filme.) Com isso, em vez do “choque” da revelação provocar um certo impacto que me talvez me anestesiasse parcialmente com relação à sua natureza absurda, pude pensar longamente sobre os planos de Ben enquanto este ainda os colocava em prática – o que me alertou, entre outras coisas, para o caráter absolutamente ridículo, risível, do “teste” ao qual ele submete Harrelson pelo telefone. O que ele queria provar, afinal de contas? Que o sujeito é um profissional competente, já que não trocou insultos com um cliente pelo telefone? Ou que o rapaz tem um bom auto-controle? Porque o fato é que há assassinos impiedosos que sabem perfeitamente conter a própria fúria quando isto se faz necessário – e, assim, ofender alguém para avaliar se este é um “bom homem” é um plano infantil e estúpido. Tão estúpido, diga-se de passagem, quanto confundir córnea e íris, já que, aparentemente, o personagem de Harrelson não recebe apenas uma córnea nova, mas um globo ocular inteiro de seu doador.

 

Ainda assim, Gabriele Muccino cria alguns planos interessantes, como ao sobrepor a imagem da água-viva ao cansado Ben, que se encontra sentado em seu apartamento (numa alusão sutil a eventos futuros) ou mesmo ao optar, ao lado do compositor Angelo Milli, por uma melodia em piano que, aqui e ali, traz um acorde claramente dissonante que ganha relevo especialmente na seqüência em que Ben e Emily se entregam um ao outro pela primeira vez (mais uma vez indicando sutilmente o que irá acontecer). Por outro lado, o belo plano no qual o rapaz observa a pulsação da carótida da moça é arruinado pela falta de confiança do diretor em seu público, já que opta por frisar a cena com o som dos batimentos cardíacos de Emily.

 

Dividindo com o excepcional Feliz Natal o protagonista que carrega a culpa por um acidente fatal, Sete Vidas abandona qualquer pretensão de seriedade ao apostar (e repito isto pela milésima vez neste texto, já que este é o maior pecado do longa) num efeito dramático bobo, julgando que o fato do personagem se revelar obcecado pelo número sete não apenas fortaleceria o significado do título (que remete a O Mercador de Veneza), mas também sua estrutura artificial. Pois não apenas não fortalece como ainda me leva a questionar as boas intenções do protagonista: já que estava disposto a se tornar uma horta ambulante de órgãos para doação, por que beneficiar apenas sete pessoas? Por que não doar suas córneas para dois cegos, que certamente ficariam bastante satisfeitos em poder voltar a enxergar mesmo com um olho só? E por que atirar seu outro rim na lata de lixo em vez de doá-lo para mais uma pessoa?

 

Aparentemente, para Ben Thomas é mais importante respeitar um tolo jogo dramático do que realmente ajudar o próximo. E, para Will Smith, ganhar uma indicação ao Oscar e se pintar como um Cristo moderno é motivação suficiente para jogar sua reputação no triturador.

 

25 de Dezembro de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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