Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
22/08/2008 | 01/01/1970 | 1 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
92 minuto(s) |
Dirigido por Tommy O’Haver. Com: Catherine Keener, Ellen Page, Hayley McFarland, Ari Graynor, Scout Taylor-Compton, Tristan Jarred, Jeremy Sumpter, Evan Peters, James Franco, Bradley Whitford.
Há poucos meses, uma empresária de Goiânia foi presa depois que a polícia recebeu a denúncia de que ela torturava uma garota de 12 anos cujos pais a haviam deixado sob seus cuidados. Para piorar, ela contara com a ajuda de sua empregada nos atos de violência – e até mesmo alguns de seus familiares foram acusados de cumplicidade. Infelizmente, porém, este tipo de ocorrência é mais comum do que se imagina, tendo um dos casos mais chocantes do tipo ocorrido nos Estados Unidos em 1965, quando uma mulher de 36 anos, Gertrude Baniszewski, manteve Sylvia Likens, uma adolescente de 15 anos, aprisionada em seu porão durante várias semanas, torturando-a até a morte com a ajuda dos filhos adolescentes e até mesmo de garotos da vizinhança. Mas que tipo de desvio psicológico ou fenômeno comportamental poderia levar a um ato coletivo de tamanha brutalidade?
Esta é uma pergunta, lamentavelmente, com a qual Um Crime Americano não parece se preocupar, utilizando a trágica história de Sylvia apenas como desculpa para criar um filme sensacionalista e melodramático que, oscilando entre cenas de tribunal e flashbacks que revelam as circunstâncias do crime de Gertrude, mais parece uma produção barata rodada diretamente para a televisão. Apelando para a desonestidade numa tentativa de tornar sua narrativa mais “interessante” e surpreendente, o longa ainda investe numa pavorosa narração em off feita pela vítima com o propósito claro de levar o espectador a acreditar que esta escapara com vida apenas para provocar um choque barato no terceiro ato ao revelar sua morte – e se normalmente tenho o maior respeito por “reviravoltas” e detalhes das tramas que analiso, antecipando qualquer spoiler com um aviso ao leitor, desta vez me recuso a ser cúmplice da trapaça repugnante de um projeto que encara a desgraça alheia como mero trampolim para o entretenimento.
Escrito pelo diretor Tommy O’Haver ao lado da estreante Irene Turner, o roteiro esquemático nos apresenta a Gertrude (Keener), uma mulher frágil e adoentada que, endividada e com seis filhos para criar, oferece-se para hospedar as irmãs Sylvia (Page) e Jennie (McFarland) Likens por algumas semanas enquanto os pais das garotas viajam com o parque no qual trabalham. Porém, quando os vinte dólares prometidos semanalmente pela hospedagem atrasam alguns dias, Gertrude pune suas hóspede com alguns golpes de correia, iniciando uma jornada de agressão que vai se tornando cada vez mais brutal à medida em que se concentra na mais velha das irmãs – que é acusada injustamente de espalhar mentiras sobre Paula (Graynor), a primogênita da família Baniszewski.
Dono de uma carreira concentrada em filmes leves (como Volta por Cima e o bom Uma Garota Encantada), o cineasta Tommy O’Haver se revela completamente inadequado para lidar com a seriedade do tema aqui abordado – e já nos minutos iniciais de projeção, quando o julgamento de Gertrude está prestes a começar e vemos fotos que revelam as lesões no corpo de Sylvia, O’Haver prova sua inaptidão ao embalar a seqüência de forma absurda com a canção “Tell the World About This”. Já mais tarde, o diretor erra no sentido oposto ao mostrar Sylvia brincando no quarto com suas novas amigas ao som de “Downtown” enquanto a câmera se afasta e... a porta do aposento se fecha sozinha, numa tentativa ridícula de estabelecer uma atmosfera agourenta. Além disso, O’Haver se mostra absolutamente incapaz de estabelecer a passagem do tempo de maneira fluida, ao passo que a fotografia sem personalidade de Byron Shah em nada contribui para a narrativa, limitando-se a adotar um tom levemente mais escuro e sombrio a partir da metade da projeção.
Dedicando-se com vontade às cenas que retratam Sylvia sendo torturada pela família Baniszewski, Um Crime Americano não responde, no entanto, as perguntas mais importantes: por que a garota pouco reage às agressões, mesmo quando percebe que aquilo deixou de representar uma simples punição? Por que ela ou a irmã não pedem a ajuda de terceiros? E por que os jovens da vizinhança mergulham com tamanha naturalidade na rotina de tortura? Em vez de buscar respostas para estes mistérios, O’Haver se limita a apresentar simplificações ofensivas que tornam os personagens ainda mais unidimensionais, como na cena em que a mais jovem das filhas de Gertrude, ao ser interrogada pelo promotor (Whitford), diz: “(Sylvia) pedia desculpas como se tivesse feito algo de errado, mas... ela não havia feito nada de errado!” – uma fala estúpida que revela claramente a intenção do roteiro em martelar, na cabeça do espectador, uma aura de santidade em torno da jovem assassinada. Aliás, igualmente esquemático é o instante em que os vizinhos de Gertrude, ao ouvirem os gritos de Sylvia, comentam: “Acho melhor ficarmos longe disso.”, comprovando que O’Haver não tem mesmo a menor confiança na capacidade de seu público de compreender as implicações da omissão de todos que poderiam ter resgatado a garota.
Empregando as cenas de julgamento como uma forma clara de preencher as lacunas entre os flashbacks episódicos e de expor artificialmente as motivações dos personagens, o filme desperdiça até mesmo a talentosa Ellen Page, que, embora retrate bem o medo crescente de Sylvia, é basicamente convertida em um mero objeto de cena a partir da segunda metade da narrativa. Além disso, a decisão do roteiro em retratar a jovem como uma criatura sem a menor malícia não apenas a transforma numa personagem unidimensional como ainda trai a história real, já que a verdadeira Sylvia realmente espalhou boatos sobre Paula e chegou a roubar um uniforme de ginástica – embora nada disso justificasse, obviamente, a violência que viria a sofrer. Aliás, Paula é convertida,
Com isso, o único aspecto positivo do filme reside na atuação de Catherine Keener, que consegue a proeza de retratar Gertrude como uma figura que foge de caracterizações simplistas: com o olhar sempre cansado e uma tosse insistente, a mulher parece enxergar, em Sylvia, uma válvula de escape para suas frustrações – o que não a impede de, ao menos inicialmente, estabelecer uma dinâmica que oscila entre extremos numa questão de segundos: num momento, ela agride a garota para, no instante seguinte, encará-la com uma compaixão aparentemente autêntica, tentando convencê-la de estar agindo apenas com a mais nobre das intenções. Neste sentido, Gertrude é a única personagem tridimensional de Um Crime Americano, mantendo sua complexidade do início ao fim. O que, infelizmente, não se mostra suficiente para redimir os inúmeros e graves problemas do filme.
E, entre estes, o mais estúpido, ofensivo e desonesto é, sem dúvida alguma, a seqüência que, no terceiro ato, retrata a tentativa de fuga de Sylvia: embalada numa trilha de suspense e ação que aborda a tragédia da garota como uma mera desculpa para divertir o público, a cena ainda converte Gertrude num monstro de filme de terror – e o fato de tudo isso não passar de uma mera fantasia ao estilo Ghost (repito: não compactuarei com a banalização da morte de Sylvia Likens) não apenas não justifica os exageros como ainda leva Um Crime Americano a cruzar a fronteira entre o medíocre e o repulsivo.
Como se não bastassem todas as indignidades que sofreu em vida, a pobre moça ainda foi transformada por O’Haver em instrumento para diversão alheia. Vergonhoso.
22 de Agosto de 2008
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