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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
10/12/2010 01/01/1970 1 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
115 minuto(s)

As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada
The Chronicles of Narnia: Voyage of the Dawn Treader

Dirigido por Michael Apted. Com: Georgie Henley, Skandar Keynes, Ben Barnes, Will Poulter, Gary Sweet, Anna Popplewell, William Moseley, Tilda Swinton e as vozes de Simon Pegg e Liam Neeson.

Que o autor C.S. Lewis concebeu sua série de livros sobre o mundo de Nárnia como uma alegoria cristã é algo que ficou claro, para quem não leu as obras originais, desde a primeira adaptação dirigida por Andrew Adamson em 2005, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa – e se alguma dúvida ainda pairava na mente dos espectadores, esta foi dissipada de vez no filme seguinte, Príncipe Caspian. Assim, quando neste terceiro longa o leão Aslam explica para os jovens Edmundo e Lúcia que, em nosso mundo, ele é conhecido “por outro nome”, a impressão que fica é a de que os realizadores estão simplesmente dando marretadas de obviedade na cabeça do público – e, neste sentido, eu não ficaria espantado caso tivessem até mesmo cogitado a possibilidade de alterar o título da obra para As Crônicas de Nárnia: A Volta do Menino Jesus. Infelizmente, se no capítulo anterior o simbolismo religioso servia como base para uma interessante discussão sobre a natureza da Fé, desta vez é desperdiçado em cenas nas quais Aslam ressurge apenas para resolver situações extremas (ao melhor estilo deus ex machina) ou para recitar clichês de auto-ajuda (“Não duvide de seu valor, de quem você é”), o que, claro, poderia originar um novo subtítulo: “Quem Mexeu no Meu Leão?”.

Adaptado por Christopher Markus, Stephen McFeely e Michael Petroni, o roteiro desta vez foca apenas nos dois mais jovens integrantes da família Pevensie, Edmundo (Keynes) e Lúcia (Henley), já que Susana e Pedro, agora adultos, não podem mais voltar a Nárnia. Acompanhados pelo aborrecido (não; insuportável) primo Eustáquio (Poulter), eles retornam ao mundo no qual são a realeza a fim de ajudar Caspian em diversas missões despertadas pela necessidade de destruir um novo Mal – e se não estou sendo muito claro ao descrever o que precisamente envolve esta jornada, é porque o filme tampouco consegue fazê-lo. Assim, acompanhamos os heróis numa espécie de ocean movie que os leva a vários pontos de Nárnia enquanto superam os obstáculos que surgem em seu caminho.

A falta de estrutura de A Viagem do Peregrino da Alvorada, aliás, representa um dos principais problemas da narrativa: desenvolvendo a história num aparente improviso, o roteiro (repito: não li o livro de Lewis) parece conduzir os personagens de um lugar a outro sem planejar o que virá a seguir, criando novos objetivos à medida que a história se desenrola e sem se preocupar em criar uma coesão interna que justifique cada etapa. Quando Lúcia é capturada por criaturas invisíveis que a obrigam a invadir uma fortaleza igualmente invisível, por exemplo, a natureza dos tais seres e a razão por trás da rivalidade entre eles e o dono da mansão jamais são esclarecidas – e assim que os Pezudos (como os batizei) cumprem sua função de levar a garota a encontrar um “manual do bruxo” (como o batizei) e, conseqüentemente, de fazer com que o grupo passe de fase, indo para o nível 7, são prontamente esquecidos pelo filme. Com isso, a impressão é a de que Nárnia 3 usa os cenários fantásticos e os efeitos visuais para disfarçar o fato de que não tem uma boa história a contar. E não tem.

Tecnicamente, no entanto, a produção se sai bem melhor. A fotografia do veterano Dante Spinotti consegue contornar o excesso de greenscreen ao investir em uma luz que explora a artificialidade do universo digital de maneira eficaz, criando uma atmosfera que se equilibra com delicadeza entre o fabulesco e o naturalista. Por outro lado, o montador Rick Shaine e a própria decupagem do diretor Michael Apted (que não faz um filme que presta há 16 anos, desde Nell) transformam todas as seqüências de ação em uma sucessão de planos minúsculos que impedem o espectador de compreender exatamente o que está ocorrendo, desperdiçando até mesmo as impecáveis criaturas digitais concebidas pela equipe de efeitos visuais (aliás, é fascinante perceber como os personagens virtuais reagem aos diferentes tipos de luz ao longo da projeção, jamais deixando de soar totalmente convincentes) – e é igualmente curioso notar como eles acabam sendo mais verossímeis do que seus unidimensionais companheiros de carne-e-osso, que são sempre definidos por uma ou duas características.

Mas é sempre no âmbito moral e ideológico que a série Crônicas de Nárnia tropeça, seja ao trazer Papai Noel presenteando crianças com armas, ao mostrar os jovens heróis usando a violência de forma “justificada” ou, como ocorre aqui, ao associar a desculpa do antipaticíssimo Eustáquio sobre “ser pacifista” ao seu caráter covarde. Além disso, ao tentar criar arcos dramáticos para os personagens, o filme apela para lições baratas: depois de passar boa parte do tempo demonstrando imenso desejo de ser bela como a irmã mais velha, Lúcia passa por uma breve experiência de como o mundo seria caso não houvesse nascido (ecos de A Felicidade Não se Compra) e imediatamente resolve seu conflito interno, passando a repetir o que aprendeu para a garotinha que parece admirá-la incondicionalmente. Além disso, o próprio universo fantasioso visto no filme parece se limitar a requentar figuras mitológicas como sereias, dragões, minotauros, Moisés e os Caça-Fantasmas** em uma colagem mal feita de ficções infinitamente mais interessantes.

E isto, claro, reflete negativamente no próprio material de origem – a menos que, como passei a acreditar ao longo deste projeto, tudo o que vemos durante as duas horas de projeção nada mais seja do que alucinações concebidas pelos irmãos Pevensie para escaparem da triste realidade que os cerca. Afinal, afastados da família e humilhados pela falta de recursos, não deixa de ser sintomático que acabem se transportando magicamente para um mundo repleto de construções clássicas da mitologia e no qual são vistos não só como heróis, mas como Rei e Rainha (além, claro, de serem chapas de Deus).

Taí: caso o título desta continuação fosse As Crônicas de Nárnia: Eu, Eu Mesmo e Aslam, provavelmente o filme automaticamente se tornasse um dos melhores do ano. Como está, porém, é apenas uma imensa bobagem.

** Sim, o livro de C.S. Lewis precede Os Caça-Fantasmas em três décadas. Porém, considerando a maneira como a cena em que Edmundo pensa em algo que teme é apresentada pelo filme, é impossível não pensar no instante em que o Dr. Stantz (Dan Aykroyd) invoca o Homem de Marshmallow naquela comédia de 1984.

11 de Dezembro de 2010

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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