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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
21/04/2006 22/02/2006 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
106 minuto(s)

Retratos de Família
Junebug

Dirigido por Phil Morrison. Com: Embeth Davidtz, Amy Adams, Celia Weston, Alessandro Nivola, Benjamin McKenzie, Scott Wilson, Frank Hoyt Taylor.

 

Em vários momentos de Retratos de Família, longa-metragem de estréia do norte-americano Phil Morrison, os membros da família citada no título brasileiro podem ser vistos espalhados pelos cômodos da casa, cada um entregue aos seus próprios afazeres – e o fato é que esta falta de intimidade entre aquelas pessoas resume perfeitamente a dinâmica retratada por este belíssimo estudo de personagens escrito por Angus MacLachlan. Emocionalmente reprimidos, são indivíduos complexos que jamais permitem que os conheçamos um pouco melhor (com exceção da adorável Ashley, sobre a qual falarei daqui a pouco) – algo comprovado pelos momentos e diálogos finais do filme, que podem ser interpretados de diversas formas diferentes. Da mesma maneira, há uma seqüência que, embora um pouco mais longa do que o ideal, ilustra o vácuo emocional e a tristeza daquele lar apenas ao mostrar os aposentos vazios, abandonados.

           

Narrada através do ponto de vista de Madeleine (Davidtz), marchand de uma galeria de arte de porte médio de Chicago, o filme acompanha a moça enquanto esta viaja para conhecer os sogros, já que se casou com George (Nivola) depois de um brevíssimo namoro. Na realidade, Madeleine quer aproveitar a viagem para visitar um artista excêntrico cujas obras pretende representar e, ao mesmo tempo em que tenta convencê-lo a lhe ceder os quadros, a protagonista é obrigada a lidar com a família do marido, que não se adapta com facilidade à sofisticação e aos modos da recém-chegada. Aliás, há uma exceção: a jovem Ashley, casada com o irmão de George, se encanta imediatamente com a nova parenta, inundando-a de perguntas e tratando-a como se fossem velhas e grandes amigas.

           

Assim como em Três Enterros, que estréia nos cinemas brasileiros no mesmo dia que este longa, o roteiro de Retratos de Família jamais apela para explosões emocionais ou incidentes grandiosos para estabelecer a personalidade daquelas figuras: quando Madeleine toma uma decisão que desagrada George, por exemplo, o máximo que este diz é um recriminador “Se você acha que isto é o certo a fazer...” – uma frase que qualquer pessoa que já teve um relacionamento mais longo reconhece como enlouquecedora. Em vez disso, temos a oportunidade de entrar um pouco na mente dos personagens através de elementos mais sutis, como o isolamento auto-imposto de George, que se entrega ao sono como forma clara de evitar a convivência com a família.

           

Aliás, somente o fato de percebermos esta fuga de George já nos coloca à frente de sua própria esposa, já que Madeleine também não parece conhecer bem o marido – e quando este revela traços de uma religiosidade adormecida, ela se surpreende mais do que o espectador. Não é à toa que o casal transa com freqüência; esta é a forma que usam para se comunicar um com o outro. Infelizmente, a intimidade física não se traduz em intimidade emocional ou mesmo social, já que eles desconhecem até mesmo os vícios do parceiro (ambos fumam escondidos). Para Madeleine, então, a dificuldade se torna ainda maior por sua incapacidade de compreender as relações familiares e o senso de comunidade que impera entre aquelas pessoas, já que jamais morou por muito tempo no mesmo lugar.

           

Como em toda obra focada principalmente em seus personagens, o elenco de Retratos de Família carrega a grande responsabilidade de fazer com que o filme se sustente – e todos desempenham a função com brilhantismo: Celia Weston, atriz veterana e talentosa, finalmente tem a oportunidade de viver um papel de destaque (você já a viu em longas como Os Últimos Passos de um Homem, O Talentoso Ripley, Entre Quatro Paredes, Hulk, O Júri, A Vila, entre vários outros) e não a desperdiça, retratando Peg como uma mulher simplória e conservadora que, com seu olhar sempre reprovador, é capaz de intimidar todos os membros de sua família, inclusive o marido (Wilson), que está sempre buscando alguma desculpa para permanecer trancado em sua oficina no porão. Enquanto isso, Benjamin McKenzie faz uma bela estréia no Cinema como o jovem Johnny, marido de Ashley, um sujeito particularmente frustrado com a própria vida e que, inseguro sobre si mesmo, conversa de forma retraída, pronunciando as palavras com dificuldade e sem jamais abrir a boca direito (um elemento que também fez parte da composição de Heath Ledger em O Segredo de Brokeback Mountain). Insatisfeito com tudo que o cerca, Johnny vê, na alegria constante de sua esposa, um incômodo indescritível, o que o leva a tratá-la com uma rispidez lamentável. Ainda assim, seria injusto (embora fácil) classificá-lo como um sujeito cruel ou egoísta, já que seu carinho por Ashley fica patente em outro momento de sutileza do filme, quando ele se esforça para gravar um documentário que a agradará (e sua reação ao falhar revela bastante sobre a raiva que sente de si mesmo).

           

E chegamos, enfim, a Ashley, a personagem mais adorável de Retratos de Família. Vivida com grande intensidade por Amy Adams, a garota, que se encontra nos últimos dias de gravidez, recebe a concunhada com uma felicidade alarmante – e seu jeito falante e seu sorriso sempre à mostra podem, em um primeiro momento, levar o espectador a considerá-la uma pessoa extremamente satisfeita e bem-resolvida. Porém, basta observarmos seus olhos para percebermos a tristeza e o desespero que ali se encontram. Presa em um lar infeliz, Ashley jamais encontra uma válvula de escape para sua personalidade naturalmente calorosa – e é compreensível que seja tratada quase como uma criança por seus parentes, que não possuem os recursos internos para compreender a vivacidade da moça. Bela e inocente, ela é simplesmente encantadora; e é comovente perceber que, ao se masturbar, ela olha para uma foto que, sem qualquer característica erótica, ilustra apenas um raro momento de felicidade ao lado de seu marido.

           

Sem oferecer respostas fáceis para o espectador (por que Eugene esconde o passarinho de madeira que pretendia oferecer a Madeleine?), Retratos de Família é um filme que exige ser visto mais de uma vez, no mínimo para que possamos ter o prazer de rever atuações tão ricas em detalhes, construídas através de pequenas mudanças de expressão ou de olhares desviados. E, é claro, para que nos encontremos mais uma vez com a apaixonante Ashley.
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20 de Abril de 2006

 

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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