Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
30/04/2008 | 01/01/1970 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
108 minuto(s) |
Dirigido por Woody Allen. Com: Ewan McGregor, Colin Farrell, Tom Wilkinson, Hayley Atwell, Sally Hawkins, John Benfield, Clare Higgins, Philip Davis.
Em 2003, os videomakers Kiko Goifman e Jurandir Müller lançaram o documentário Morte Densa, que, apesar de falho, fascinava por colocar o espectador diante de indivíduos responsáveis por aquele que é o crime máximo que um ser humano pode cometer: o assassinato de um semelhante. Pois quando cheguei ao fim de O Sonho de Cassandra, novo trabalho de Woody Allen, eu não apenas não conseguia tirar aquele documentário da mente, como ainda fui remetido mais uma vez ao brilhantismo do clássico Crime e Castigo, de Doistoievski – que, não por acaso, desempenha papel importante em Match Point, que Allen comandou em 2005.
O fato é que, escrito e dirigido pelo veterano cineasta, O Sonho de Cassandra é um thriller com toques dramáticos, mas, antes disso, um estudo sobre o impacto provocado pela culpa insuportável que um indivíduo pode experimentar ao se tornar responsável pela morte de alguém. Aqui, os irmãos Ian (McGregor) e Terry (Farrell) Blaine são levados pelo tio, o rico cirurgião plástico Howard (Wilkinson), a eliminar um sujeito que está prestes a denunciar crimes cometidos por este último. Sentindo-se forçados à ação por lealdade familiar e por suas próprias necessidades financeiras (Ian está apaixonado por uma atriz cheia de pretendentes e Terry deve uma fortuna a agiotas), os irmãos enfrentam uma terrível crise de consciência que eventualmente se coloca entre os dois.
Com um título que inclui mais uma referência à mitologia grega entre tantas outras já presentes na filmografia de Allen (Cassandra, aliás, faz uma aparição em Poderosa Afrodite), O Sonho de Cassandra é também o nome do barco pertencente aos dois irmãos – o que não deixa de representar uma grande ironia do roteiro, já que estes se mostram simplesmente incapazes de prever os mais óbvios desdobramentos de suas ações. Porém, o mais importante é que o filme representa um bom esforço do diretor, que nos últimos anos vem acertando muito mais em seus dramas do que nas comédias que ajudaram a consagrá-lo; e mesmo que não chegue aos pés do excepcional Match Point, o longa é claramente superior ao horroroso Scoop – O Grande Furo, o que já representa um alívio para os fãs de Allen.
Adotando uma abordagem sempre direta ao criar planos que se limitam a observar sem firulas os personagens, mantendo-os isolados ou em conjunto dependendo do momento dramático no qual se encontram, o cineasta faz um trabalho discreto como de costume, arriscando-se apenas no bom travelling que, numa cena chuvosa, tenta encontrar os rostos dos irmãos e de tio Howard enquanto estes se encontram, em clima conspiratório, apropriadamente semi-ocultos pelas folhas de uma árvore. Mas o mais curioso não é o que Woody Allen mostra, mas sim o que oculta: observem, por exemplo, como jamais vemos Terry vencendo suas apostas, embora ele normalmente revele ter ganhado grandes somas. Com isso, o diretor mantém o personagem como um perdedor mesmo em seus poucos momentos vitoriosos, o que é um recurso inteligente e importante do ponto de vista narrativo. Além disso, o filme também jamais nos mostra as conseqüências das ações de Ian e Terry, já que a câmera se recusa a encarar até mesmo os efeitos de seus disparos em sacos de areia – e, assim, Allen expõe sua reprovação (e a nossa) aos atos dos protagonistas sem se rebaixar a fazer sermões moralistas.
Por outro lado, nada poderia ser mais eficaz para retratar os resultados psicológicos de um crime cometido com frieza do que a performance intensamente angustiada de Colin Farrell, que cria um personagem imaturo e inseguro que, levado pelo irmão que considera seu superior intelectual, assume um papel que sabe ser reprovável. Sempre olhando para Ian com um olhar suplicante (algo que fica óbvio na já citada cena sob a chuva), Terry é consumido pela culpa e pela enorme necessidade de ser punido por seus atos, o que não apenas remete ao Raskolnikov de Crime e Castigo, mas expõe também a subserviência do indivíduo perante ao julgamento de seus pares – o que, em Morte Densa, é ilustrado de maneira fascinante pela moça que, depois de matar o namorado que a agredia, diz estar ansiosa para ir a julgamento a fim de descobrir “se é culpada ou inocente”.
Já Ewan McGregor transforma Ian em um sujeito mais complexo: bom filho e irmão, ele sacrifica vários anos para ajudar o pai adoentado, embora tenha sonhos grandiosos de sucesso profissional e riqueza. Inicialmente inseguro até mesmo ao convidar uma das garçonetes de seu restaurante para um passeio, ele gradualmente se torna mais confiante graças à maneira com que lida com sua bizarra tarefa, o que não deixa de ser intrigante. Ainda assim, a rapidez com que ele toma uma decisão particularmente difícil no terceiro ato soa inverossímil, o que é uma pena.
Porém, por melhor que retrate a trajetória emocional e psicológica de dois sujeitos fundamentalmente bons depois de um ato de fria crueldade, O Sonho de Cassandra acaba se boicotando graças ao desfecho simplista e artificial. Com isso, o filme de Woody Allen se torna uma pálida sombra diante do similar, mas infinitamente mais complexo e impactante, Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto, também dirigido por um veterano (Sidney Lumet) no ano passado. De todo modo, o longa é eficaz o bastante para nos levar a desejar que Allen se atenha ao drama e ao thriller, já que seu pessimismo cada vez maior vem funcionando bem melhor em seus roteiros “sérios” do que em suas fracassadas incursões cômicas.
Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!