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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
15/12/2006 01/01/1970 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
97 minuto(s)

Direção

Kim Ki-duk

Elenco

Ha Jung-woo , Park Ji-Yeon , Kiki Sugino , Seong Hyeon-a

Roteiro

Kim Ki-duk

Produção

Kim Ki-duk

Fotografia

Jong-moo Sung

Música

Hyung-woo Noh

Montagem

Kim Ki-duk

Design de Produção

Keun-woo Choi

Time - O Amor Contra a Passagem do Tempo
Shi gan

Dirigido por Kim Ki-duk. Com: Ha Jung-woo, Park Ji-Yeon, Seo Yeong-hwa, Seong Hyeon-a.

A obsessão com a beleza e a “perfeição” estética é um fenômeno mundial. Todos os dias, milhares de pessoas perfeitamente saudáveis se submetem a cirurgias em todo o planeta a fim de corrigirem aquilo que julgam desagradável em seus próprios corpos ou (o que é inaceitável) com o objetivo de aperfeiçoarem traços que já são naturalmente harmoniosos. Como todo procedimento cirúrgico é arriscado por natureza, inevitavelmente várias vidas são jogadas na lata de lixo, desperdiçando todo o potencial daquilo que poderia ser uma longa e produtiva existência em prol de um mero capricho: quantas lipoaspirações “corriqueiras” resultaram em coma e morte? E o mais espantoso é que até mesmo alguns membros de uma profissão destinada a salvar vidas têm contribuído para tornar este fenômeno ainda mais absurdo: há algum tempo, conheci uma garota cujo médico mentiu para obter autorização de um plano de saúde a fim de submetê-la a uma cirurgia de redução de estômago, embora ela estivesse muito longe de ser realmente candidata a uma intervenção deste nível. É compreensível (ainda que de uma estupidez alarmante) que a moça em questão quisesse uma solução “instantânea” para seu problema, mas um profissional da saúde jamais poderia se tornar cúmplice de uma insanidade como esta. Ninguém quer ser feio, é claro; mas entre viver na feiúra ou arriscar-se a ser um cadáver atraente, a primeira opção deveria sempre sair vencedora – e o fato de muitos optarem pela segunda alternativa é um sinal claro de que o mundo passou a aceitar praticamente tudo em nome da “beleza”.

Se esta tendência se tornou alarmante no Ocidente, a situação nos países orientais é ainda pior – e na Coréia do Sul, em particular, as cirurgias plásticas se tornaram verdadeira epidemia. Em 2004, a péssima produção japonesa Kirei buscou, com resultados desastrosos, retratar esta obsessão através de uma narrativa que misturava desajeitadamente o drama e o terror, mas coube ao talentoso cineasta sul-coreano Kim Ki-duk realizar um filme capaz de abordar a questão com sensibilidade e um senso de humor atípico. Mas, mais do que isso, Time (ignore o ridículo subtítulo brasileiro) é um longa que procurar analisar a fragilidade humana – física e emocional – diante da própria passagem do tempo, resultando em uma obra que revela muito sobre nós mesmos.

Escrito pelo próprio diretor, o filme acompanha o conturbado relacionamento entre o fotógrafo Ji-woo (Jung-woo) e a bela Seh-hee (Ji-Yeon): extremamente ciumenta, a garota inicia discussões em público com o namorado sempre que este parece prestar atenção em qualquer outra mulher – e sua insegurança chega ao ponto de levá-la a acreditar que o rapaz já enjoou de sua aparência. Assim, Seh-hee decide submeter-se a uma cirurgia a fim de ganhar um rosto novo, capaz de “esquentar” seu relacionamento: depois de desaparecer por seis meses (período de cicatrização exigido pela operação), ela ressurge na vida de Ji-woo como a garçonete See-hee (Hyeon-a), cujo novo nome é justamente uma aproximação fonética daquele que ela usava anteriormente. Sem saber que agora está envolvido com sua antiga namorada, o fotógrafo não consegue compreender o comportamento cada vez mais errático da moça – até que a situação se torna insuportavelmente complicada, resultando em conseqüências absurdas para ambos.

A princípio, Time parece estar fazendo uma simples condenação da banalização das cirurgias estéticas e da transformação da Medicina em mercado: apesar de alertar Seh-hee para a brutalidade da operação e aconselhá-la a desistir do procedimento, o médico abordado pela garota acaba aceitando a tarefa, embora seja claro que a moça é emocionalmente instável e que a cirurgia é completamente desnecessária. Ao mesmo tempo, Ki-duk inclui uma cena em que Ji-woo sai com uma mulher que, inegavelmente feia, revela-se uma companhia agradável e sensível – e a pergunta que o filme parece fazer é: quem, de fato, é a mais bela entre as duas moças? É uma mensagem óbvia e bobinha, claro, mas sempre pertinente.

Felizmente, o cineasta não insiste em bater nesta tecla, reconhecendo que, uma vez apontada a questão, torna-se desnecessário repeti-la. Em vez disso, ele se concentra em desenvolver a história com o propósito de apresentar outros dilemas para suas criações e para o espectador. Com isso, Time se revela um interessante estudo de personagens que leva o público a refletir sobre aspectos intrigantes da natureza humana. Inicialmente, por exemplo, nos surpreendemos com a paciência de Ji-woo diante da agressividade histérica e desnecessária da namorada, mas acabamos compreendendo que, ao longo do tempo, o casal já havia estabelecido uma dinâmica que, mesmo pouco saudável, se adequava à personalidade de cada um (e creio que, em um momento ou outro, todos já vivemos experiências similares). Porém, quando se apaixona novamente pela mesma mulher julgando tratar-se de outra pessoa – uma referência a Um Corpo que Cai -, Ji-woo já não demonstra a mesma complacência diante de um comportamento idêntico àquele que aceitava anteriormente, o que, é claro, não é facilmente compreendido por See-hee, que acredita ter dado continuidade ao velho namoro.

A partir de conflitos como este, Kim Ki-duk leva o espectador a considerar aspectos filosóficos sobre a natureza de nossas identidades: afinal, até que ponto nossas “cascas” definem quem somos? É óbvio que ganhar um novo rosto não elimina a instabilidade psicológica e emocional de Seh (ou See)-hee, por mais que esta acredite ter assumido uma nova identidade (em todos os sentidos). Em contrapartida, para Ji-woo, See-hee e Seh-hee são duas mulheres completamente diferentes – e o que ele aceitava em uma torna-se insuportável na outra. E quando See-hee busca uma nova cirurgia, o que está querendo, na realidade, é uma nova identidade, uma fuga de si mesma – algo que não compreende ser impossível. Revelador, também, é constatar que a personagem, a partir de certo instante, procura identificar o amado através daquilo que ele tem de imutável: suas mãos – o que revela que, apesar de todas as alterações físicas experimentadas pelo casal, ela se sente confortável justamente quando encontra algo que lhe é familiar. Em outras palavras: ambos sacrificaram tudo o que tinham em nome de uma novidade que não queriam ou precisavam, exatamente como tantas pessoas fazem diariamente ao se deitarem em uma mesa de cirurgia.

Mas as indagações do diretor e roteirista sul-coreano não param por aí: ao longo da projeção, vemos os personagens em uma fascinante “ilha de esculturas” em vários momentos diferentes, sempre observando com intensidade as obras expostas – e finalmente percebemos que o que atrai o casal àquele lugar não são necessariamente as esculturas, mas o que estas representam: a permanência, a imutabilidade diante da passagem do tempo. E, com isso, Ki-duk introduz o tema que funciona como núcleo temático de seu filme: frágeis e efêmeros, somos pequenos demais frente à capacidade destrutiva do tempo. Não são apenas nossos corpos que sucumbem aos anos; nossos sentimentos também. Um amor que hoje surge profundo e intenso provavelmente se transformará, em uma década, em algo morno que, ao perder o sabor da novidade, deixa de ser apreciado e valorizado como antes. Quando Ji-woo e (meses mais tarde) See-hee chutam uma imensa árvore, não estão agredindo uma planta; estão descontando a frustração por perceberem que a árvore permanece exatamente a mesma depois de tanto tempo, ao passo que ambos já atravessaram tantas mudanças cruéis e sofridas.

Conferindo uma estrutura circular à narrativa, Kim Ki-duk reforça não apenas esta inconstância provocada pelo passar do tempo como ainda leva o espectador a compreender que a história que contou aborda questões que atingem a todos nós, e não apenas aos seus personagens. Desta maneira, ele cria uma obra que, ao lado do ótimo Bad Guy (Nabbeun namja), estabelece seu lugar entre os grandes realizadores do Cinema contemporâneo.

14 de Dezembro de 2006

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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