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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
17/06/2011 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
100 minuto(s)

Meia-Noite em Paris
Midnight in Paris

Dirigido por Woody Allen.Com: Owen Wilson, Rachel McAdams, Michael Sheen, Carla Bruni, Marion Cotillard,Alison Pill, Kathy Bates, Adrien Brody, Corey Stoll, Tom Hiddleston,  Kurt Fuller, Mimi Kennedy, David Lowe, LéaSeydoux.

Os anos 60 sempre me fascinaram. Aindaadolescente ou como jovem adulto, eu costumava sonhar acordado com a vidanaquele período e imaginar como teria sido mais feliz e realizado ao ter aoportunidade de lutar por uma causa política importante ou ao me entregar àliberdade da contracultura. E talvez tivesse mesmo sido – mas também teria provavelmentemorrido aos 32 anos em função da perfuração no intestino que há quatro anos melevou a três cirurgias de emergência, a dias na UTI e a um mês de hospitalizaçãoe que só não teve um desfecho infeliz em função da avançada medicina atual e dotalento dos médicos que me salvaram. Mas assim funciona a idealização: de longe,nossa musa é perfeita; é apenas ao vê-la de perto que enxergamos suas espinhas.

Isto, aliás, é o que o roteiristaGil Pender (Wilson) parece não perceber: apaixonado pela Paris dos anos 20, eleencontra-se travado em sua tentativa de se estabelecer como autor literário aofantasiar sobre aquele período enquanto lamenta a oposição de sua noiva Inez(McAdams) em mudar-se com ele para a capital francesa, já que acredita que aliserá capaz de escrever com mais facilidade. Tentando ignorar o fato óbvio deque a garota, longe de apoiar seus esforços criativos, não passa de umacriatura egoísta e superficial, Gil ainda é obrigado a vê-la derreter-se diantede um pedante ex-professor (Sheen) que, embora inicie cada frase com um hipócrita“se não me engano”,deixa claro jamais duvidar do próprio brilhantismo. É então que certa noite oroteirista aceita uma carona nas ruas de Paris e se vê magicamente transportadono tempo, ganhando a oportunidade de conhecer e de tornar-se próximo de seusídolos literários, de Ernest Hemingway (Stoll) a F. Scott Fitzgerald(Hiddleston), passando por Gertrude Stein (Bates) e T.S. Eliot (Lowe).

Retornando à boa forma depois dofraco VocêVai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos, Woody Allen já inicia o longaestabelecendo seu tema com inteligência ao trazer uma série de planos emblemáticosdos pontos turístico de Paris, substituindo-os gradualmente por locais maisprosaicos e cobertos pela chuva até a chegada da noite e do tráfego do fim dodia, sugerindo uma casualidade que, mesmo apontando a realidade da cidade, nãoafoga seu charme. Mais uma vez à vontade em um projeto de tom fantasioso (comonos excepcionais A Rosa Púrpura do Cairo,TodosDizem Eu Te Amo e DesconstruindoHarry), o cineasta não se preocupa em explicar como seu heróiconsegue se deslocar no tempo – e nem deveria, já que o que importa à narrativaé a jornada, não o artifício por trás desta. Com isso, Allen pode se entregarsem reservas à diversão de criar cenas para figuras célebres que, além das jácitadas, incluem também ícones como Salvador Dalí, Gauguin, Degas, Cole Porter,Pablo Picasso e Buñuel.

Fotografado de maneira evocativapelo iraniano Darius Khondji, Meia-Noiteem Paris adota uma paleta em tons quentes e românticos que, puxandolevemente para o sépia, confere apropriadamente um tom nostálgico às sequênciasno passado – e que contrastam perfeitamente com o melancólico cinza que dominaas cenas no presente hostil habitado pelo protagonista. Neste aspecto, aliás, éperfeito que Gil se veja atraído por um velho gramofone enquanto visita ummercado de rua ao lado da noiva em mais um dia nublado, já que o objeto, alémde remeter por sua própria natureza ao período adorado pelo personagem, aindaexibe os mesmos tons dominantes nas passagens ambientadas na velha Paris,comprovando a boa integração entre o designde produção e a fotografia (e é igualmente adequado que Inez interrompa asreflexões do sujeito mais uma vez).

Interpretado por Owen Wilson como umhomem aparentemente avesso a confrontos (reparem como ele nem parece notarquando os outros personagens criticam sua personalidade bem à sua frente), Gillogo se estabelece como um dos melhores trabalhos do ator, que investe numacomposição que, mesmo se beneficiando de seu jeitão despreocupado e boa-praça,traz elementos mais densos e também sutis – e notem, por exemplo, o belomomento no qual ele retrata, num longo primeiro plano, a gradual aceitação deGil diante da estranha experiência que está vivenciando. Além disso, o bom timing cômico de Wilson serve perfeitamenteaos diálogos de Allen, além de, claro, permitir que aqui e ali o ator exibatraços do cineasta em sua caracterização (“Essa gente não tem antibióticos!”).

Enquanto isso, Michael Sheen, numpapel menor, encarna o intelectual Paul como um homem visivelmente apaixonadopela própria voz e que, assim, não perde uma oportunidade de exibir seusconhecimentos (mesmo que incompletos ou equivocados) – algo que não deixa defascinar a jovem Inez, que, interpretada pela normalmente adorável RachelMcAdams, surge como uma figura fútil e irritante em seu hábito de menosprezaros conflitos do noivo ao mesmo tempo em que sobrevaloriza as menores besteirasditas pelo ex-professor. E se Marion Cotillard estabelece Adriana como uma autênticamusa, o restante do elenco secundário escalado por Allen demonstra divertir-seimensamente com as célebres figuras incluídas no roteiro – e Adrien Brody, comoDalí, e Corey Stoll, como Hemingway, surgem especialmente inspirados em suas composiçõescaricaturais.

Mas como poderiam não se divertir?Obviamente inspirado pelo conceito de seu roteiro, Allen não só comprova seutalento inigualável para racionalizações absurdas (“Eu sou um sujeito confiante e ciumento. É uma dissonânciacognitiva!”) como ainda aproveita para brincar com seus famosospersonagens, levando, por exemplo, seu protagonista a sugerir a ideia de O Anjo Exterminador a Buñuel (queinsiste em pedir uma explicação para o fato de os convidados não conseguiremdeixar a sala de jantar) e a comentar a insistência da Djuna Barnes emconduzi-lo durante uma dança.

Porém, é ao abordar a insatisfaçãode Gil com o presente em função de seu romantismo irrecuperável que o veteranodiretor garante o sucesso temático de Meia-Noiteem Paris – especialmente ao estabelecer um eco desta frustração em Adriana(que sonha com a Belle Époque) e mesmo em Gauguin e Degas (que idealizam aRenascença). Assim, quando o plano final do longa surge mergulhado no mesmo tomsépia e nostálgico que nos habituáramos a ver apenas nas sequências situadas nadécada de 20 – e motivado por  umencontro promovido por um interesse comum na obra de Cole Porter – percebemos abela mensagem do cineasta: a de que sonhar com o passado é um exercício tolo defrustração, já que, como disse Faulkner, este nunca morreu, influenciandoconstantemente quem somos e o que vivenciamos.

E basta um pouco menos de cinismopara enxergarmos um pouco do romance sépia oculto por trás da cortina cinza enublada do nosso presente.

18de Junho de 2011

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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