Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
23/02/2007 | 01/01/1970 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
95 minuto(s) |
A presença da morte é algo palpável em Vênus, novo trabalho do cineasta britânico Roger Michell (Um Lugar Chamado Notting Hill): idoso e fragilizado, seu protagonista já chegou naquela fase em que mulheres jovens discutem assuntos íntimos ao seu lado sem sequer notarem sua presença, como se ele já não fosse mais um homem, mas uma peça de mobília – algo particularmente doloroso para um sujeito que passou a vida saltando de cama em cama em busca de novas parceiras. Relegado ao papel de velhinho “inofensivo”, Maurice (O’Toole) passa os dias ao lado do velho amigo Ian (Phillips) trocando remédios, discutindo os inconvenientes da senilidade e observando, mesmo que apenas por hábito, o corpo das mulheres que cruzam seu caminho.
Ator veterano que ainda ganha alguns trocados interpretando pacientes à beira da morte na televisão, Maurice recebe a notícia de que talvez tenha um tumor na próstata e, apesar do choque inicial, logo demonstra tranqüilidade e até mesmo um certo conformismo com a iminência de seu próprio fim – até que entra em cena a jovem Jessie (Whittaker), que se muda para a casa de seu tio-avô Ian a fim de cuidar deste (na realidade, logo descobrimos que esta é uma desculpa conveniente utilizada pela mãe da garota para enviá-la para longe). Encantado com a moça, Maurice logo passa a assediá-la claramente – e Jessie, por vaidade, interesse, curiosidade ou um senso de humor cruel (ou todas estas alternativas), corresponde parcialmente aos avanços do velho ator – que, por sua vez, não se ilude com relação às intenções da jovem.
Prejudicado por composições e movimentos de câmera deselegantes e por uma fotografia apenas mediana, Vênus conta com um visual mais apropriado a um filme produzido diretamente para a televisão, já que seus valores de produção também se mostram pouco sofisticados (a direção de arte usa o realismo como desculpa para os cenários desajeitados que parecem, inclusive, limitar as decisões criativas de Michell e seu diretor de fotografia). Além disso, o roteiro escrito por Hanif Kureishi (em sua terceira colaboração com o cineasta) se perde entre o drama e o tom mais leve da metade inicial da narrativa, resultando em um desfecho que, além de previsível, representa um terrível anti-clímax. Aliás, a passagem do segundo para o terceiro ato é realizada de forma extremamente maniqueísta e artificial, introduzindo um personagem caricatural e descartável (o namorado de Jessie) com o objetivo claro de conduzir a trama à sua conclusão.
Felizmente para Michell (e para o espectador), Vênus se salva do fracasso graças ao veterano Peter O’Toole, que oferece uma performance digna do homem responsável por encarnar figuras inesquecíveis como T.E. Lawrence, o Rei Henry II e mesmo o absurdo Eli Cross (
Curiosamente, Maurice compreende muito bem que sua beleza ficou no passado (embora O’Toole esteja longe de ter perdido os traços perfeitos da juventude) e jamais procura exibir algum grau de virilidade diante de Jessie: ele sabe que não será assim que “conquistará” a garota e, portanto, não se importa sequer de permitir que ela veja seu cateter – um símbolo inquestionável de sua decadência masculina. Além disso, ao esclarecer que é impotente, mas que isto não o impede de ter “interesse teórico”, Maurice desarma a moça por não representar perigo algum – o que abre caminho para que ele a seduza com aquilo que, ele sabe, despertará o interesse de Jessie: sua relativa fama. Assim, ele jamais se ilude com relação aos interesses da garota: ele sabe que ela está usando-o, mas aceita isto como um preço razoável para ter acesso às pequenas liberdades que ela lhe concede (e Jodie Whittaker, dona de uma beleza comum, mas sempre agradável, ajuda o espectador a compreender o fascínio que sua juventude desperta no velho protagonista, embora a atriz acabe sendo boicotada pela forma esquemática e maniqueísta com que sua personagem é desenvolvida pelo roteiro).
Exibindo uma maturidade artística que surge como fruto do refinamento de seu talento ao longo das décadas, Peter O’Toole transforma Maurice em uma figura que se torna trágica ao perceber que, embora seu flerte tenha surgido como uma auto-indulgência inconseqüente, seu interesse por Jessie tornou-se mais intenso do que o recomendável – e o que seria um capricho da velhice revela-se como uma inesperada fonte de sofrimento, já que nossa capacidade de amar (ou de nos apaixonarmos) não é limitada pela idade. Assim, se no início de Vênus Maurice ri com freqüência, esta alegria praticamente desaparece na metade final da projeção, ilustrando com propriedade o impacto provocado por aquele relacionamento fadado ao fracasso.
Mediano em concepção e desenvolvimento, Vênus é um filme frágil que certamente seria relegado ao esquecimento caso não contasse com um ator do calibre de Peter O’Toole – e, mesmo que sejamos obrigados a suportar os tropeços de um roteiro medíocre e de uma direção pouco inspirada, o sacrifício vale a pena apenas pelo prazer de ouvirmos O’Toole declamando, com sua enunciação perfeita e sua voz sempre envolvente, o belo soneto 18 de Shakespeare. Aliás, há versos que só deveriam ser recitados por atores como Peter O’Toole.
24 de Fevereiro de 2007
Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!