Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
03/02/2006 | 16/09/2005 | 4 / 5 | 2 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
99 minuto(s) |
Dirigido por Greg McLean. Com: Cassandra Magrath, Kestie Morassi, Nathan Phillips, John Jarratt.
Esqueçam a bobagem produzida por Michael Bay em 2003: esta é a refilmagem que O Massacre da Serra Elétrica merecia. Dirigido pelo australiano Greg McLean, Wolf Creek – Viagem ao Inferno é um filme que compreende a natureza básica do gênero do terror: não basta ter um sádico enlouquecido correndo atrás de adolescentes gostosas; é fundamental que saibamos algo sobre vilão e vítimas para que possamos mergulhar, de fato, no horror da situação. E quando um cineasta consegue estabelecer esta identificação entre espectador e personagens, não importa se a história narrada tem profundidade ou não – o próprio exercício de estilo se justifica como um fim em si mesmo.
Aqui, por exemplo, somos apresentados a três jovens que decidem conhecer uma cratera provocada pela queda de um meteoro há milhões de anos e que se tornou o fascinante ponto turístico batizado como Wolf Creek: viajando em um carro velho e nada confiável, o australiano Ben Mitchell (Phillips) guia as britânicas Liz Hunter (Magrath) e Kristy Earl (Morassi) pelo desolado interior de seu país. Depois de alcançarem seu destino, eles descobrem que seu veículo parou de funcionar e, assim, quando recebem a providencial ajuda de um estranho, sentem-se momentaneamente aliviados – até perceberem, é claro, que o sujeito não é tão inofensivo quanto parecia.
Antes de entregar seus protagonistas ao cruel Mick Taylor (Jarrett), no entanto, o cineasta Greg McLean tem o cuidado de dedicar a primeira meia hora de projeção à apresentação e ao desenvolvimento do trio de futuras vítimas, mas sem empregar qualquer tipo de estereótipo que facilite (e, ao mesmo tempo, comprometa) nossa compreensão sobre eles. Assim, acompanhamos Ben, Liz e Kristy ao longo de sua viagem e testemunhamos suas conversas casuais, suas brincadeiras e a dinâmica que se estabelece entre os três. Quando fazem pequenas paradas durante o caminho, eles descem do carro bocejando e se espreguiçando, como faríamos na vida real (os atores são bastante convincentes, diga-se de passagem). E, quando trocam histórias, o que dizem não importa; McLean (também roteirista do projeto) não usa o batido recurso de soltar pistas que se tornarão importantes posteriormente, usando as conversas dos personagens apenas para ilustrar suas personalidades e para estabelecer uma relação destes com o público. Além disso, o cineasta não cai na tentação de buscar justificativas artificiais para o destino sombrio que os aguarda: no moralista Cinema norte-americano, as vítimas seriam retratadas se drogando, fazendo sexo ou agindo insensivelmente – ações que as tornariam passíveis de punição -, mas, em Wolf Creek, quando Ben e Liz se beijam, ficam imediatamente sem graça, já que sabem que um envolvimento amoroso pode comprometer a relação descompromissada e divertida que mantém.
Em vez de usar a trama ou diálogos para estabelecer o perigo que se aproxima dos heróis (ninguém os alerta sobre um `maníaco` solto na região e nem vemos uma reportagem na televisão sobre misteriosos assassinatos), McLean trabalha com o montador Jason Ballatine a fim de criar um clima de tensão através de pausas na narrativa durante as quais simplesmente contemplamos tristes paisagens e o tempo nublado, além de planos nos quais vemos o carro dos personagens vazio, enquanto estes se afastam – a impressão que temos é a de que jamais retornarão. Desta maneira, o espectador mergulha em uma atmosfera de desastre iminente que é ainda mais ressaltada pela fotografia crua de Will Gibson – mais uma similaridade com o inesquecível O Massacre da Serra Elétrica comandado por Tobe Hooper em 1974.
Outra estratégia inteligente de McLean se resume em levar o público a assumir Liz como protagonista inquestionável da produção. Para isso, o diretor conta com o condicionamento estabelecido por décadas de filmes de terror (que quase sempre trazem uma garota como heroína) e com a manipulação proveniente da própria montagem: quando vemos Liz admirando o mar e nadando solitariamente enquanto seus companheiros dormem, somos imediatamente levados a acreditar que ela representa nosso elo com a história – e que os demais personagens se revelarão descartáveis. Com isso, somos surpreendidos ao perceber que, na realidade, todos os três são igualmente importantes e que iremos acompanhar cada um deles em momentos distintos da narrativa. Da mesma forma, é gratificante perceber que Liz não é uma destas mocinhas histéricas que jamais sabem o que fazer, já que se revela inteligente e corajosa nos instantes de maior perigo (embora ela cometa o erro clássico de não matar o vilão quando tem a oportunidade – mas, se o fizesse, o filme chegaria ao fim, não é mesmo?). De modo geral, a sensação que temos é a de que provavelmente agiríamos de maneira parecida caso estivéssemos naquela terrível situação.
Porém, não são apenas os heróis que se tornam reais para o espectador; o vilão Mick Taylor também é desenvolvido pelo roteiro de modo interessante: quando descobrimos, por exemplo, que ele costumava trabalhar como caçador, matando de várias maneiras os animais que cruzavam seu caminho, somos levados a indagar se foram os anos de matança que o tornaram doente, criando uma necessidade constante de provocar sofrimento e morte, ou se (o mais provável) foi sua predisposição à violência que o conduziu àquela linha de trabalho. E quando ele parece permitir que uma vítima fuja, concluímos que isto não é uma imposição do roteiro a fim de incluir uma seqüência extra de ação, mas sim algo perfeitamente natural: para Mick, o interesse está na caçada. Além disso, por mais insano que pareça ser, o sujeito é inteligente o bastante para cobrir as próprias pistas, queimando evidências e evitando, com isso, que seu hobby (o assassinato) seja interrompido pelas autoridades.
Vivido com talento por John Jarratt, Mick é dono de uma aparência inofensiva, tornando-se ainda mais insuspeito graças à sua risadinha ridícula e nada ameaçadora (embora ela acabe adquirindo uma conotação sinistra ao longo da projeção). Ainda assim, é impossível deixar de constatar a referência que seu figurino faz a outro vilão célebre do gênero, Freddy Krueger (as cores de sua camisa e o chapéu são claramente inspirados no astro da série A Hora do Pesadelo e, quando vemos Mick em silhueta, a semelhança se torna ainda mais clara). No entanto, diferentemente da violência nada ameaçadora das produções norte-americanas, que buscam censuras mais leves a fim de alcançarem um público maior, Wolf Creek é impiedoso ao retratar as ações de seu monstro (`Eu vou fazer algo agora que eles faziam no Vietnã. Chama-se ‘criar uma cabeça no espeto’.`).
É claro que, aqui e ali, Greg McLean acaba cometendo pequenos equívocos que poderiam perfeitamente ter sido evitados: quando um dos personagens entra em uma garagem para procurar as chaves de um carro, por exemplo, acaba encontrando várias filmadoras e decide parar para ver as imagens registradas – algo que, além de implausível, revela-se uma desculpa esfarrapada para que o diretor explique os métodos de ação de Mick (como se já não tivéssemos sido capazes de concluir sozinhos como ele agia).
É possível, também, que alguns espectadores fiquem frustrados com a conclusão da história, já que Wolf Creek não oferece um final amarradinho que deixe claro o que aconteceu com cada personagem (aliás, se pararmos para pensar, há uma pessoa que provavelmente ainda encontra-se em uma situação pavorosa quando os créditos surgem). Isto, contudo, não é uma falha do filme, mas sim um problema provocado – mais uma vez – pelas expectativas construídas por nossas experiências anteriores com o gênero.
Felizmente, Wolf Creek – Viagem ao Inferno não hesita em assassinar estas expectativas. É isto, aliás, que o torna tão eficiente.
02 de Fevereiro de 2006
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