Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
14/09/2007 | 01/01/1970 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
120 minuto(s) |
Quando Instinto Secreto tem início, o bem-sucedido Earl Brooks está prestes a receber uma importante homenagem por parte dos empresários de sua cidade. Isto, no entanto, não parece deixá-lo feliz: visivelmente nervoso, ele faz uma prece desesperada para tentar conter algum impulso do qual se envergonha. E que impulso: como descobrimos logo em seguida, o sr. Brooks é um esquizofrênico que tem, como companheiro constante, o imaginário Marshall – uma espécie de alter-ego psicopata que o leva a matar. Aliás, Brooks e Marshall são prolíficos neste sentido, já que vêm matando há anos, sendo batizados pela polícia e pela imprensa de “Assassino das Digitais” (talvez o correto fosse “assassinos”, mas ninguém sabe que o responsável tem um cúmplice invisível).
Escrito por Raynold Gideon e Bruce A. Evans (que também assina a direção), Instinto Secreto é um filme que, assim como a série centrada no amoral Tom Ripley, leva o espectador a torcer por um personagem cruel e sem quaisquer chances de redenção. A diferença é que, aqui, nossa “culpa” por simpatizarmos com alguém tão desprezível é apaziguada graças ao recurso de dividir o protagonista em dois, deixando a metade realmente sádica e doentia a cargo de William Hurt, que vive Marshall como uma criança impulsiva que não aceita “não” como resposta aos seus insistentes pedidos de “mais!” – e quando finalmente convence (ou melhor: obriga) Brooks a atendê-lo, Hurt exibe uma incontida agitação, batendo palmas e sorrindo largamente diante da perspectiva de tirar mais vidas humanas. Não é uma performance exatamente discreta, mas que funciona muito bem para ilustrar o que Marshall realmente é: a parte impulsiva, que exige gratificação imediata (ou id, como queiram), da personalidade de Earl. O mais interessante, porém, é que Marshall demonstra respeito e carinho pelo outro, mesmo considerando-o “fraco”, o que enriquece a relação entre os dois.
Enquanto isso, Kevin Costner faz um belíssimo trabalho como o sr. Brooks: apesar de sempre carinhoso com a esposa e a filha, percebemos que o sujeito não é particularmente falante ou expansivo (e como poderia, com tantos diálogos ocorrendo em sua mente?). Ainda assim, sua aparência inofensiva – com direito a gravata-borboleta e tudo mais – e sua fachada de homem de negócios bem-sucedido deixam-no acima de qualquer suspeita. Isto não significa, contudo, que Earl leve uma existência tranqüila: torturado por sua natureza homicida, ele demonstra, mesmo que de forma sutil, o desejo de ser capturado ou morto a fim de que seus crimes cheguem ao fim – o que, obviamente, não agrada nada a Marshall. Porém, quaisquer dúvidas que o espectador possa ter sobre o caráter de Brooks são rapidamente apagadas quando o vemos matar alguém pela primeira vez, já nos primeiros quinze minutos de projeção: reprisando na mente o que acabara de fazer, ele mal parece conter o prazer e a excitação que sente, tentando prolongar este sentimento ao tirar fotos que serão destruídas minutos depois.
Mas é mesmo a dinâmica entre Hurt e Costner que carrega Instinto Secreto: exibindo uma imensa química em suas cenas, os dois atores estabelecem um sentimento misto de tensão e camaradagem entre seus personagens. Brooks pode até não gostar dos impulsos homicidas de Marshall, mas claramente aprecia sua companhia e sua colaboração. Aliás, é fascinante observar a inteligência da dupla, que parece estar sempre dez passos à frente de seus oponentes. Além disso, o roteiro conta com um divertido e sombrio senso de humor, como podemos constatar nas piadinhas trocadas entre os "dois amigos".
Igualmente interessante é a maneira encontrada pelo diretor Bruce A. Evans para encenar a interação entre Brooks e seu alter-ego: embora as conversas entre estes ocorram apenas na mente de Earl, são retratadas como diálogos reais – o que pode gerar certa confusão no início, quando mais alguém se encontra em cena e Brooks alterna sua atenção entre os interlocutores real e imaginário. A lógica do recurso, porém, logo se torna clara, revelando-se fundamental para o desenrolar da narrativa. Da mesma maneira, Evans acerta ao criar pequenos planos nos quais os movimentos de Hurt e Costner parecem sincronizados, mas sem exagerar na freqüência em que isto ocorre (o que poderia tornar tudo ridículo). Finalmente, o filme merece aplausos por sua estratégia visual: em diversas cenas, vemos Marshall e Brooks olhando em direções opostas e, num momento particularmente inspirado em que os dois conversam na cozinha, Hurt surge amplamente iluminado enquanto Costner permanece na sombra – e, segundos depois, as posições são invertidas, trazendo Hurt para a sombra no primeiro plano, enquanto Costner, ao fundo, é banhado pela luz.
Menos inspirada é a opção de Evans ao filmar um tiroteio num hotel, quando emprega uma trilha techno terrivelmente anacrônica (e inapropriada) ao enfocar a personagem de Demi Moore perseguindo um criminoso. Aliás, Instinto Secreto desaba sempre que Moore surge em quadro: artificial e caricata, ela já surge mascando chicletes e exibindo um imenso par de óculos escuros pendurado na blusa, quase como se gritasse: “Vejam! Eu sou uma policial durona!” – e a cena na qual conversa sozinha ao investigar o local no qual ocorreu um duplo assassinato soa constrangedoramente falsa. Para piorar, o roteiro cria uma subtrama ridícula para justificar o tempo dedicado à personagem, tentando convencer o espectador de que uma mulher com 60 milhões de dólares no banco insistiria em se tornar detetive, não somente arriscando a vida para tentar conquistar seu papai, mas transformando-se na melhor investigadora do departamento.
Pouco honesta, também, é a estratégia de jamais permitir que saibamos um pouco mais sobre as vítimas de Brooks (incluindo um assassinato que leva até mesmo o próprio a sentir-se “sujo”; caso isto acontecesse, certamente ficaríamos mais divididos com relação aos nossos sentimentos pelo personagem – um risco que o filme covardemente evita correr. Seja como for, a “trapaça” funciona bem, já que, devo admitir, eu adoraria assistir a outro longa protagonizado por Earl Brooks e, é claro, seu cruel comparsa imaginário.
14 de Setembro de 2007
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