Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
13/01/2006 | 21/01/2005 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
80 minuto(s) |
Dirigido por Luc Jacquet. Narrado por Charles Berling, Romane Bohringer e Jules Sitruk.
Ao longo das últimas oito décadas, desde que Robert Flaherty (o `pai` do Documentário) lançou seu belíssimo Nanook do Norte, vários teóricos (entre eles, André Bazin) já discutiram sobre a natureza dos filmes documentais e suas técnicas narrativas – e um dos conceitos mais interessantes estabelecidos nestes debates diz respeito à maneira com que reagimos ao sermos apresentados aos universos retratados por estes projetos: mergulhados em realidades distantes de nossa própria experiência, encaramos o que surge na tela com uma curiosidade similar à que sentimos ao vermos um ataque alienígena, um casal que troca de corpos ou praticantes de artes marciais que desafiam a gravidade. Em outras palavras, encaramos os fatos documentados pela câmera como se estivéssemos acompanhando uma história fantasiosa qualquer – uma percepção que é ainda mais ressaltada pelas técnicas narrativas adotadas pelos documentaristas para prender a atenção do espectador (técnicas e estruturas que vêm da ficção). Desta forma, não é incorreto dizer que até mesmo os documentários podem – e devem - ser encarados também como filmes de `ficção`.
Isto fica muito claro neste excepcional A Marcha dos Pingüins, dirigido pelo estreante Luc Jacquet, que acompanha o ciclo reprodutivo anual do pingüim-imperador: depois de três meses no oceano, milhares destes animais iniciam uma jornada de quilômetros rumo ao local no qual se reunirão a fim de escolherem um parceiro. Depois do acasalamento, os pingüins permanecem ali por meses até que a fêmea bote um ovo – que é logo entregue aos cuidados do macho, que o protegerá e o manterá aquecido enquanto sua parceira retorna ao mar a fim de se alimentar – e, ao retornar (meses depois), ela poderá alimentar o filhote ao regurgitar parte de suas reservas. É então que o pai, já devolvendo o filhote recém-nascido para a fêmea, inicia mais uma longa jornada rumo ao mar. Quando a família finalmente volta a se encontrar, os filhotes já são capazes de andar, de suportar o frio e de nadar.
É, obviamente, um processo absurdamente desgastante que foi refinado ao longo dos séculos com o propósito de proporcionar maior chance aos filhotes, já que, se estivessem muito próximos do mar quando o `verão` (um termo relativo na Antártica) chegasse, certamente morreriam afogados ou seriam facilmente devorados pelos predadores. Assim, com seu andar desengonçado (e deliciosamente engraçadinho), os pingüins refazem a viagem anualmente, sendo capazes de encontrar seu destino mesmo com as constantes mudanças na paisagem que os cerca – e é impressionante perceber como a maioria consegue sobreviver a tantos obstáculos: alguns se perdem no caminho e morrem de frio e fome; outros são devorados por leões-marinhos; alguns ovos goram ao permanecerem sobre o gelo por alguns segundos a mais do que o ideal, no momento em que as fêmeas os entregam aos machos; e, como se não bastasse, os filhotes recém-nascidos são perseguidos por outras aves.
Contando com dois diretores de fotografia, A Marcha dos Pingüins traz um cenário impressionante, com suas geleiras imensas e a sempre fascinante aurora austral – e o filme nos oferece vários planos gerais que se encarregam de ilustrar a vastidão daquele mundo, além de outros planos subaquáticos que contrapõem a lentidão terrestre dos animais à incrível agilidade que demonstram como nadadores. Além disso, o cineasta Luc Jacquet captura, em quadros mais fechados, detalhes surpreendentes e reveladores de todo o `ritual`, como o momento em que um pequeno pingüim começa a romper a casca do ovo sob a plumagem protetora do pai. Da mesma forma, a equipe responsável pela captação do som faz um trabalho admirável, superando os obstáculos impostos pelo ambiente hostil ao gravarem desde os passos dos pingüins no gelo até o triste canto de uma fêmea cujo filhote não resistiu ao frio.
Adotando uma locução imaginativa e envolvente, o filme utiliza as vozes de três atores (um homem, uma mulher e uma criança) que fornecem as informações necessárias sempre na primeira pessoa, assumindo o `ponto de vista` dos pingüins, o que aumenta o vínculo emocional entre o espectador e os animais (mas apenas nas versões francesa e brasileira; a americana, conservadora, emprega uma abordagem mais formal e traz apenas Morgan Freeman numa narração convencional). Em certo momento, por exemplo, ouvimos a voz infantil de um filhote explicando o que `sente` com relação às viagens empreendidas pelos pais: `Os adultos têm dois lados: o branco é bom, significa barrigas cheias chegando. Já o preto é ruim; são as barrigas vazias indo. Nós somos diferentes, somos completamente cinzas: estamos sempre com fome`.
Se há uma `falha` em A Marcha dos Pingüins, esta diz respeito à visão romantizada que o documentário oferece sobre o ritual anual destas aves atípicas, como se os animais fossem movidos por `amor` aos filhotes. Neste aspecto, o diretor Luc Jacquet comete o erro básico de antropomorfizar os pingüins, atribuindo a estes sentimentos que não se aplicam. As ações dos animais refletem simplesmente a luta pela sobrevivência da espécie e os mecanismos desenvolvidos para enfrentarem a Natureza (neste sentido, A Marcha dos Pingüins não é muito diferente de Nanook do Norte; não é `amor` o que vemos aqui, mas puro pragmatismo. Se fosse `amor`, as mães não se manteriam afastadas enquanto predadores atacam seus filhotes e não partiriam ao lado dos companheiros, deixando os filhotes (ainda incapazes de nadar) para trás.
Amar significa ser capaz de atos irracionais com relação ao ser amado. E, embora animais irracionais por definição, estes pingüins demonstram um senso prático inquestionável em todas as suas atitudes. Quando se sacrificam por seus filhotes (passando fome, por exemplo), estão apenas fazendo aquilo que seus pais fizeram e que a geração seguinte certamente fará: procurando garantir que, daqui a séculos, os pingüins-imperador continuarão a marchar sobre as geleiras da Antártica.
13 de Janeiro de 2006
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