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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
15/07/2009 01/01/1970 5 / 5 4 / 5
Distribuidora

Harry Potter e o Enigma do Príncipe
Harry Potter and the Half-Blood Prince

Dirigido por David Yates. Com: Daniel Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson, Michael Gambon, Jim Broadbent, Tom Felton, Alan Rickman, Maggie Smith, Julie Waters, Helena Bonham Carter, Timothy Spall, Bonnie Wright, Evanna Lynch, Robbie Coltrane, Warwick Davis, David Thewlis, Natalia Tena, Mark Williams, Frank Dillane, Hero Fiennes-Tiffin.

Um dos aspectos mais fascinantes no que diz respeito à franquia Harry Potter é perceber a transição gradual, mas inequívoca, da atmosfera fantasiosa e infantil do primeiro filme para o tom de urgência e desespero visto neste novo Harry Potter e o Enigma do Príncipe. Se antes o tema melódico e alegre composto por John Williams surgia embalando o título que prometia muitas aventuras e diversão, agora os letreiros lúgubres vêm acompanhados de uma trilha triste que, assim como o céu acinzentado no qual aqueles são vistos, prenuncia apenas dor e tragédia, relegando o tema de Williams a alguns meros acordes que apenas insinuam a velha melodia.

Voltando à tarefa de adaptar a obra de J.K. Rowling depois de se ausentar no apenas mediano Harry Potter e a Ordem da Fênix, o roteirista Steve Kloves demonstra maior segurança ao tomar, talvez pela primeira vez em todos estes anos, uma série de liberdades com relação ao texto original, iniciando a trama com um ataque feito pelos Comensais da Morte (o “exército” de Lorde Voldemort) a Londres – e depois de testemunharmos, durante todo este tempo, os esforços feitos pelos bruxos para se manterem no anonimato, é interessante perceber como a guerra no mundo mágico finalmente passa a interferir no universo “trouxa”. Assim, é neste contexto que o sábio Dumbledore (Gambon) solicita a ajuda de Potter (Radcliffe) para convencer o velho professor Horácio Slughorn (Broadbent) a revelar que informação importante passou a Tom Riddle (o futuro Voldemort) há vários anos, quando este era apenas um estudante de Hogwarts. Enquanto isso, Draco Malfoy (Felton) passa a ser protegido pelo sombrio professor Snape (Rickman), que faz a promessa de ajudá-lo em uma missão recebida de Você-Sabe-Quem.

Contrastando brutalmente com a expressão assombrada e encantada com que percorreram os corredores da velha escola de magia nos primeiros capítulos, Harry e seus amigos Ron (Grint) e Hermione (Watson) agora mantêm o cenho constantemente fechado e preocupado, mesmo que, nas pausas de suas discussões sobre Voldemort, se entreguem inevitavelmente aos impulsos amorosos despertados pelos hormônios adolescentes (e, neste sentido, ver Potter convidando uma garçonete “trouxa” para sair logo nos primeiros minutos não apenas serve para apontar esta característica como ainda para ilustrar sua absoluta falta de preconceitos – e o fato de, além de “trouxa”, a garota ser negra não deixa de ser um detalhe curioso neste aspecto). Porém, se Harry ainda consegue olhar para o sexo oposto com interesse, é triste perceber que seu encantamento com relação ao mundo da bruxaria cedeu lugar ao medo e a tensão – e, assim, é agradável perceber como seu olhar se ilumina momentaneamente ao testemunhar a magia de seu mentor Dumbledore ao arrumar uma casa com um leve aceno de sua varinha.

A relação entre o diretor de Hogwarts e Potter, aliás, serve como fio condutor da narrativa deste sexto filme desde a primeira cena, quando percebemos a mão do velho bruxo deitada com firmeza protetora sobre os ombros do jovem mago. Isso, porém, não impede que Dumbledore confie perigosas missões ao pupilo, mesmo que revele óbvio pesar por sempre exigir muito do garoto – e a performance de Michael Gambon, neste capítulo, representa o auge de uma construção cuidadosa e complexa que teve início de maneira súbita quando o ator foi obrigado a substituir Richard Harris, que interpretara o personagem nos dois primeiros longas. Concebendo um Dumbledore mais jovial (e “riponga”) que o de Harris, Gambon logo estabeleceu o bruxo como um símbolo de inteligência, bom senso e autoridade – o que, por sua vez, contribuiu para criar no espectador um sentimento maior de urgência sempre que o diretor exibia preocupação por algum motivo (o que ocorre de maneira particularmente importante em O Enigma do Príncipe quando, chocado, Dumbledore se dá conta da dimensão das ações de Voldemort). Além disso, é patente, a culpa que o mago sente por ter proporcionado ao vilão a possibilidade de desenvolver seus dons de bruxaria, mesmo hesitando ao descobrir que este era capaz de compreender a língua das cobras (um mau sinal no mundo mágico).

Com uma atmosfera bem mais pesada do que a dos capítulos anteriores, O Enigma do Príncipe reflete o pânico provocado pelo retorno de Voldemort não apenas em seu céu sempre nublado, mas também pelo desolamento das paisagens percorridas pelo trem que leva os alunos a Hogwarts: antes um passeio agradável, a viagem agora ocorre em meio a planícies secas enquanto, nos vagões, reuniões conspiratórias despertam o temor de Harry e seus amigos (e é indicativo da violência crescente da série perceber como Malfoy reage à presença de seu arquiinimigo). Da mesma forma, se antes nos divertíamos ao ver uma cruel trouxa inchando como um balão, aqui a imagem é substituída por sangue escorrendo de uma rachadura no telhado – e até mesmo o sempre agitado e alegre Beco Diagonal assume, graças ao eficiente design de produção de Stuart Craig, um ar decadente e mergulhado em sombras (e que se opõe apropriadamente à alegria pontual representada pela colorida loja dirigida pelos irreverentes gêmeos Weasley).

Aliás, a paleta dessaturada empregada pelo diretor de fotografia Bruno Delbonnel (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) cria um mundo triste e curiosamente realista que se contrapõe de maneira interessante e eficaz ao universo mágico que retrata – e, neste aspecto, é bom perceber como as invencionices de Rowling continuam a enriquecer as histórias com detalhes como a ampulheta que marca o tempo de acordo com o teor das conversas de quem se encontra por perto ou como os livros que encontram sozinhos seus lugares na biblioteca da escola (e é igualmente satisfatório perceber como velhos conhecidos do espectador retornam como “figurantes”, como o diário de A Câmara Secreta, a capa da invisibilidade e o mapa que acompanha os passos de quem se encontra no castelo). Isto não impede, porém, que o diretor David Yates volte a empregar sua experiência como realizador de obras carregadas de subtextos políticos para conferir à trama um forte tom conspiratório: observem, por exemplo, como sua câmera sempre parece se esgueirar pelos corredores de Hogwarts, escondendo-se atrás das quinas como se estivesse vigiando os personagens ou evitando ser notada. Além disso, o cineasta cria composições de quadro interessantes e elegantes, como ao revelar Ron e Hermione pela primeira vez no filme através de um contra-plongé no qual os personagens vão surgindo gradualmente em níveis mais altos no vão da escadaria dos Weasley. Por outro lado, se é curioso reparar a montagem entrecortada e a câmera na mão que constroem a tensão na seqüência do ataque à casa dos Weasley (outra criação de Kloves), já que isto remete um pouco à lógica estética da trilogia Bourne, menos eficiente é o plano em que Yates sai e retorna ao trem sem cortes, já que este tipo de trucagem já se tornou lugar-comum e soa mais como exibicionismo do cineasta do que como algo que realmente sirva ao filme. Ainda assim, o diretor faz um trabalho brilhante na maior parte do tempo, destacando-se, por exemplo, ao construir cuidadosamente a atmosfera ameaçadora da seqüência em que Dumbledore e Potter buscam um importante objeto em um lago subterrâneo.

Enquanto isso, Daniel Radcliffe mais uma vez se sai admiravelmente bem com um personagem que poderia ser terrivelmente ingrato, já que, apesar de ser o herói incontestável da série, Harry Potter é também o mais “comum” entre os personagens – algo que Radcliffe compensa através da densidade dramática que confere ao jovem. Já Rupert Grint e Emma Watson se mostram cada vez mais confortáveis como Ron e Hermione, estabelecendo uma dinâmica rica que se mostrará particularmente importante nos dois últimos capítulos da série. Ainda assim, uma das grandes surpresas de O Enigma do Príncipe reside na composição de Tom Felton, que confere uma nova dimensão a Malfoy ao retratá-lo como um jovem torturado e que se encontra dividido entre o desejo de vingança e a própria consciência – e é tocante perceber que, assim como Potter, Draco paga um alto preço por ser quem é: enquanto os demais estudantes usam os cantos escuros de Hogwarts para o namoro (e possivelmente muito mais), o discípulo de Voldemort atravessa sempre sozinho e atormentado os corredores do castelo. Da mesma forma, Alan Rickman finalmente ganha mais tempo de tela para explorar seu sempre fascinante Snape – e é um prazer constante vê-lo pronunciar suas falas de maneira excessivamente estudada e pausada, como se o personagem buscasse impregnar de veneno cada sílaba antes que esta deixasse sua boca (e é igualmente interessante perceber a importante ambigüidade que o ator confere ao personagem). Fechando o elenco, Jim Broadbent se diverte com a vaidade de seu Horácio Slughorn, que, no afã de “colecionar” alunos importantes, se deixa seduzir por qualquer adulação – o que não impede o ótimo ator de protagonizar um monólogo especialmente tocante ao relembrar, com remorso e culpa, um presente oferecido por uma velha aluna.

Alterando levemente o desfecho descrito no livro de Rowling a fim de torná-lo mais pessoal e menos tumultuado (o que se revela uma decisão acertadíssima, já que também reserva um confronto maior em Hogwarts para os filmes finais), Harry Potter e o Enigma do Príncipe se concentra menos no mistério apresentado em seu título (que, quando desvendado, soa quase trivial) e mais no mergulho da trama e dos personagens em um clima de tragédia, desolação e desespero – o que, mais uma vez relembrando a trajetória da série, impressiona por sua construção gradual e cuidadosa.

Revelando-se um pequeno milagre no esquema de produção industrial de Hollywood em função de sua consistência ao longo de seis filmes, a franquia protagonizada pelo (já não tão) pequeno bruxo finalmente alcança, em O Enigma do Príncipe, um exemplar próximo da perfeição - e torçamos para que os dois últimos longas mantenham o padrão de excelência aqui atingido. Afinal, já são quase dez anos investidos no universo fantasioso e encantador de J.K. Rowling.

14 de Julho de 2009

(Críticas dos filmes anteriores: A Pedra Filosofal, A Câmara Secreta, O Prisioneiro de Azkaban, O Cálice de Fogo e A Ordem da Fênix.)

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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