Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
26/01/2007 | 01/01/1970 | 2 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
104 minuto(s) |
Há diretores de Cinema e diretores de Televisão. Pertencer à segunda categoria não é motivo de vergonha; há ótimos realizadores que se especializaram na linguagem da telinha com ótimos resultados, como Guel Arraes e Thomas Schlamme, mas isto não quer dizer que alcançarão o mesmo sucesso como cineastas – e, de fato, suas incursões cinematográficas são geralmente medianas, a não ser quando o material é suficientemente forte para compensar as falhas estéticas e narrativas. O que nos traz a Maurício Farias, que, responsável pelas excelentes minisséries As Noivas de Copacabana e Hilda Furacão, tropeça pela segunda vez consecutiva no Cinema, depois de já ter fracassado com o decepcionante O Coronel e o Lobisomem.
Responsável por esta adaptação da série A Grande Família para o formato de longa-metragem, Farias já sai em desvantagem por ser obrigado a trabalhar com um roteiro que poderia até funcionar na tevê, quando a atenção do espectador encontra-se mais dispersa e a fragilidade da trama é disfarçada pelos intervalos comerciais, mas que desmorona ao ser escrutinado por um público que não tem alternativa a não ser olhar para a tela durante as quase duas horas de projeção. Escrita por Arraes e Cláudio Paiva, a história acompanha a angústia de Lineu (Nanini) depois que este se submete a uma tomografia: sem coragem de conferir o resultado do exame, ele assume que está prestes a morrer e se afasta da esposa Nenê (Severo), que fica frustrada ao saber que ele não pretende acompanhá-la a um baile que freqüentam há 40 anos, desde que começaram a namorar. Magoada, ela decide fazer ciúmes no marido ao aceitar um convite feito pelo ex-namorado Carlinhos (Betti) – e, ao tentar interferir no programa, Lineu acaba se colocando diante de um trem em alta velocidade. Por motivos não explicados, ele termina voltando no tempo e ganha uma nova oportunidade de agir de maneira diferente com sua família.
Logo de cara, a fragilidade do roteiro pode ser constatada através da trama boba que obriga seus personagens a agirem como adolescentes. Usar um ex-namorado para provocar ciúmes no parceiro é algo que poderíamos esperar de uma garota de 14 anos, não de uma senhora com mais de 50. Da mesma forma, a desculpa utilizada para o comportamento errático de Lineu (o medo de abrir o envelope do exame) é implausível e soa como preguiça por parte dos roteiristas. Como se não bastasse, Arraes e Paiva tentam criar situações engraçadinhas a partir de situações que - mais uma vez - talvez pudessem funcionar em uma sitcom, mas não em um filme para Cinema: freqüentemente, dois ou mais personagens protagonizam mal-entendidos que poderiam ser facilmente esclarecidos com uma única palavra – e é ridículo supor que toda uma conversa de duplo sentido poderia ser iniciada a partir de uma frase tão genérica quanto “Eu sei de tudo”. Além disso, há várias idéias que parecem ter sido atiradas no roteiro de qualquer maneira e abandonadas antes que pudessem ser desenvolvidas: quando vemos um caminhão de lixo recolher a lata na qual Lineu atirou o envelope do exame, esperamos uma escalada cômica na situação, mas esta expectativa é imediatamente frustrada quando o personagem corre até a esquina e encontra o papel sem qualquer dificuldade.
Enquanto isso, o aspecto fantasioso da trama jamais rende momentos interessantes – ao contrário; quando percebemos que determinadas cenas vão ser repetidas duas ou três vezes em versões levemente diferentes, torna-se quase impossível conter a impaciência, já que elas já não haviam sido particularmente interessantes na primeira vez (como comprova a troca de diálogos entre Tuco e Marilda na porta do salão de beleza desta última). Finalmente, há a inexplicável mudança de comportamento de personagens secundários ao longo da projeção: sim, Lineu altera suas ações propositalmente, mas por que a funcionária interpretada pela pobre Dira Paes se transforma de garota tímida e recatada em uma devoradora de homens?
Há, também, um grave problema de tom na narrativa: é natural (e até desejável) que uma comédia tenha momentos de maior seriedade que possam conferir equilíbrio à experiência, mas A Grande Família jamais consegue encontrar este ponto intermediário – e como podemos rir da imagem de Tuco como morador de rua se, segundos antes, ele havia sido esbofeteado pelo pai em uma cena excessivamente pesada? Para piorar, a trilha sonora desta produção comete o mesmíssimo equívoco presente
Outra decisão incompreensível de A Grande Família é amarrar Marco Nanini, um comediante talentosíssimo, em uma trama na qual seu personagem é obrigado a funcionar como o único indivíduo sério do elenco – e as cenas em que o filme realmente ganha vida e diverte são aquelas que liberam o ator para fazer graça à vontade. Na maior parte do tempo, porém, a responsabilidade de provocar o riso cabe a Pedro Cardoso, que, como de hábito, se sai muito bem, construindo um Agostinho divertidamente malandro e de gestos exagerados, mas também acertando o tom na cena em que é obrigado a assumir uma carga emocional mais densa ao conversar com Lineu em um bar. Já Andréa Beltrão constrói uma Marilda carente que, especialista em beleza (pelo menos, na teoria), oscila brusca e hilariamente entre a perua desarrumada e a bela mulher que a atriz é na verdade (e o jeitão deselegante da personagem também é uma atração à parte). E se o jovem Wagner Santisteban faz um bom trabalho ao reproduzir os maneirismos de Lineu, os veteranos Tonico Pereira e Paulo Betti acabam limitados por suas participações pontuais, embora, ainda assim, criem figuras marcantes.
Por outro lado, Marieta Severo e Guta Stresser são boicotadas por papéis ingratos de mulheres sofredoras em uma comédia – e Maurício Farias não é Almodóvar para extrair graça de uma situação como esta, por mais que Stresser tente encontrar uma solução engraçada através do exagero (não funciona, o que é uma pena; ela estava brilhante em Nina). Já o elo realmente fraco do elenco é representado, como não podia deixar de ser, por Lúcio Mauro Filho, um ator que não consegue ser natural, divertido ou dramaticamente denso; seu Tuco é um buraco negro, sugando a energia de todas as cenas em que aparece. (O estranho é que tenho simpatia pelo sujeito, que me parece uma boa pessoa, mas definitivamente não consigo me forçar a gostar de suas performances.)
Aliás, falar em “energia” ao discutir A Grande Família é uma abordagem inútil, já que a montagem jamais consegue imprimir ritmo à narrativa. Na realidade, o filme salta de um plano a outro sem qualquer lógica ou elegância nos cortes, como se o diretor não tivesse feito uma decupagem cuidadosa antes das filmagens, delegando ao seu montador a tarefa ingrata de tentar costurar as peças de qualquer maneira (até mesmo o título e os créditos finais surgem de forma desconjuntada, feia). Além disso, os movimentos de câmera são pouco inspirados, limitando-se a acompanhar o deslocamento dos atores em cena.
Felizmente, o longa se sai bem melhor em seu design de produção: o salão de Marilda, com os recortes de penteados de celebridades pregados nas paredes, surge convincente e adequadamente brega; a sala de Lineu, com suas persianas azuis, divisórias de madeira e arquivos espalhados por todos os cantos evoca um ambiente sufocante e triste (mas não excessivamente; e a idéia de ocultar um mini-bar no escritório de Mendonça, por trás de uma falsa fachada de arquivos, é um toque inspirado. Elogios também devem ser feitos aos figurinos, que, anacrônicos, separam os personagens do restante do mundo, como podemos constatar nas cenas que incluem figurantes (que usam roupas contemporâneas).
Escapando do desastre absoluto, mas ficando muito aquém do que poderíamos esperar de um projeto com um elenco tão talentoso, A Grande Família é, na verdade, uma grande decepção.
25 de Janeiro de 2007
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