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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/09/2006 28/09/2006 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
111 minuto(s)

Vôo 93
United 93

Dirigido por Paul Greengrass. Com: Christian Clemenson, Trish Gates, Polly Adams, Cheyenne Jackson, David Alan Basche, Khalid Abdalla, Lewis Alsamari, Omar Berdouni, Jamie Harding, Ben Sliney, James Fox, Shawna Fox, Gregg Henry.

 

Depois de recriar com brilhantismo um dos principais incidentes no longo conflito entre o IRA e os militares britânicos em Domingo Sangrento, o cineasta inglês Paul Greengrass emprestou seu talento ao ótimo A Supremacia Bourne, conferindo urgência e tensão a uma série que já havia começado com surpreendente eficiência. Desta vez, no entanto, o diretor volta ao território percorrido em Domingo Sangrento e recria um fato histórico trágico e intenso quase em tempo real, usando um estilo documental para observar o desastre que se aproxima a partir de um ponto de vista sem julgamentos preconcebidos. Descartando qualquer tentativa de transformar os passageiros do vôo United 93 (o único avião seqüestrado em 11 de Setembro que não atingiu seu alvo) em personagens bem definidos, o filme se concentra no desenrolar dos acontecimentos, criando, no processo, uma narrativa tensa e sofrida.

           

Focando boa parte da primeira hora de projeção nos centros de controle de vôo civis e militares, Greengrass, também autor do roteiro, revela a complexidade das operações para manter milhares de rotas aéreas funcionando simultaneamente e acompanha o caos crescente que tomou conta de todos aqueles experientes profissionais à medida que os controladores iam perdendo contato com diversos aviões e a cuidadosa estratégia por trás dos seqüestros ia se tornando evidente. No processo, o cineasta deixa claro o despreparo das autoridades civis e militares para lidarem, na época, com um ataque tão bem orquestrado: as informações desencontradas resultam em jatos de defesa sendo enviados na direção oposta à requisitada; aviões tidos como seqüestrados ressurgem sem problemas em seus destinos; uma aeronave é anunciada como tendo atingido o World Trade Center e depois “redescoberta” ainda no ar (o que estava mais uma vez incorreto; ela realmente atingira a torre norte; oficiais de ligação entre as Aviações civil e militar demoram a ocupar seus postos; e, é claro, o Presidente se encontra fora de alcance, no auge da crise, por demorar a reagir às notícias recebidas (algo que o filme não mostra, mas que podemos testemunhar em Fahrenheit 11 de Setembro).

           

Um dos aspectos mais angustiantes de Vôo United 93, aliás, relaciona-se justamente ao fato de já sabermos tudo o que aconteceu naquele dia, ao passo que os personagens estão apenas descobrindo a dimensão dos ataques – e quando o primeiro avião atinge o World Trade Center, em vez de mostrar a imagem que já conhecemos tão bem, Greengrass faz a inteligente opção de acompanhar o evento a partir da sala de controle de vôo. Assim, quando o ponto representando o vôo 11 da American Airlines desaparece do radar, o controlador responsável não consegue compreender o que aconteceu, enquanto o espectador reconhece imediatamente a implicação daquele sumiço – e isto se revela mais impactante do que seria a mera reprodução da cena que todos temos gravada na mente.

           

Composto por rostos desconhecidos (com exceção de Gregg Henry, que vive o Coronel Robert Marr), o elenco de Vôo United 93 traz atores profissionais e (o mais fascinante) várias das pessoas que realmente protagonizaram os eventos retratados no filme interpretando a si mesmas – e ao assistir às cenas que se passam nos centros de controle, torna-se impossível diferenciar uns dos outros, tamanha a intensidade das performances. Além disso, a tática do improviso utilizada por Greengrass traz maior realismo aos procedimentos, já que os “atores” gaguejam, tropeçam em palavras e interrompem uns aos outros, jamais parecendo ter as falas já prontas e decoradas na ponta da língua. Como se não bastasse, causa arrepios constatar que figuras como Shawna Fox, o major James Fox e Ben Sliney estão basicamente revivendo alguns dos piores momentos de suas vidas em frente às câmeras – o que traz imensos benefícios ao filme, já que, para variar um pouco, finalmente podemos confiar na autenticidade da recriação dos eventos. Assim, quando Sliney toma a decisão de interromper todo o tráfego aéreo do país pela primeira vez em sua História, possivelmente causando um prejuízo de bilhões às companhias aéreas, é impossível deixar de admirar sua coragem e a sensatez de sua atitude.

           

Soberbamente montado por Clare Douglas, Richard Pearson e Christopher Rouse (que inevitavelmente ganharão vários prêmios pelo trabalho), Vôo United 93 utiliza a narrativa em tempo real para ilustrar a escalada da tensão: inicialmente, todos julgam se tratar de um seqüestro “comum”, que envolverá um pedido de resgate e negociações, mas quando o primeiro avião atinge o World Trade Center, o choque fica claro nas expressões de todos. O que, afinal de contas, está acontecendo? Por que acertaram o prédio? Foi um acidente? Outro avião? Enquanto tentam reorganizar seus pensamentos e a avaliação da situação, aqueles homens e mulheres experientes são obrigados a pensar rapidamente, como no instante em que Sliney tenta calcular a rota do avião derrubado através da posição do Sol a fim de decidir se foi o vôo 11 ou não que colidiu com a torre norte.

           

Em contrapartida, os acontecimentos relacionados ao vôo 93 apresentam uma calma inicial que, paradoxalmente, deixa o espectador num terrível estado de angústia: enquanto acompanhamos os procedimentos de embarque, o reabastecimento do avião e a espera antes da decolagem, acabamos torcendo para que tudo dê certo e que a tragédia seja antecipada por alguém e evitada – algo que sabemos ser impossível. E quando os terroristas finalmente tomam conta do aparelho e os passageiros do United 93 descobrem, através de telefonemas disparados para seus familiares, o que está acontecendo no restante do país, percebemos, juntamente com aquelas pessoas, que tomar uma atitude mais decisiva será inevitável, já que todos provavelmente irão morrer de uma maneira ou de outra. Assim, em vez de retratar os passageiros como heróis que agiram sem hesitações, Greengrass demonstra que tentar tomar o avião dos terroristas era mais do que uma questão de heroísmo, mas de lógica – o que não diminui a grandeza da coragem daquelas pessoas, é claro.

           

Outra decisão nobre do cineasta é retratar os terroristas não como loucos irracionais, mas como pessoas inteligentes e emocionalmente estáveis que, movidas por uma causa que consideram nobre e correta, cometem atos de indizível crueldade – e, embora Greengrass não tenha como saber exatamente o que ocorreu durante o vôo (com exceção das gravações feitas na cabine do piloto e dos telefonemas feitos pelos passageiros), é perfeitamente plausível que as coisas tenham ocorrido de maneira parecida ao retratado pelo filme. É fácil, por exemplo, aceitar que os quatro seqüestradores estivessem ansiosos e nervosos com a tarefa que tinham pela frente – e também que um ou outro tenha hesitado em levá-la adiante. Mas o momento mais sublime e tocante de Vôo United 93 é aquele que mostra passageiros e terroristas rezando, cada um por suas próprias razões, para que Deus (ou Alá) os abençoe e proteja suas almas – uma cena que pode adquirir significados diferentes (mas igualmente ricos) de acordo com a crença (ou falta de) de cada um.

           

Emocionalmente exaustivo, Vôo United 93 foge do melodrama e das lágrimas fáceis; não há, aqui, cenas de despedida como na (boa) versão feita para a televisão norte-americana, durante a qual acompanhávamos também a reação dos parentes e amigos de cada passageiro. Esta sobriedade (que o filme divide com Domingo Sangrento) reflete-se também na trilha sonora, que, usada minimamente ao longo da projeção, jamais tenta acentuar o drama, servindo mais como comentário do choque experimentado por todos – aliás, o design de som da produção é genial: os bips, toques de telefone e ordens gritadas substituem com perfeição uma trilha de “suspense” mais convencional e, portanto, artificial.

           

Encerrando com 15 minutos repletos de uma tensão quase insuportável, o filme ainda demonstra como a vida real pode ser caprichosa: afinal, como discutir a poesia presente em um vôo que, sob a denominação “Unidos”, representou o único caso em que o plano colocado em prática em 11 de Setembro de 2001 viria a falhar – e justamente graças à ação dos passageiros?  Se isto tivesse sido invenção de um roteirista, o simbolismo talvez se tornasse artificial, mas como discordar quando foi o próprio Destino que o concebeu?
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01 de Setembro de 2006

 

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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