Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
21/04/2006 | 21/04/2006 | 1 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
102 minuto(s) |
Dirigido por Nelson Pereira dos Santos. Com: Carlos Alberto Riccelli, Malu Mader, Karine Carvalho, Othon Bastos, Carlos Vereza, Laura Lustosa, Bruna Lombardi, Déo Garcez, Michel Melamed, Nildo Parente, Ney Sant’Anna, Mônica Keiko, Bete Mendes, Tonico Pereira, Anselmo Vasconcelos, Evandro Mesquita, Ludy Montes Claros, Herbert Richers Jr.
Tomando até mesmo o posto de Quem é Beta? como o projeto mais fraco do cineasta, o filme traz Carlos Alberto Riccelli como um médico-legista brasileiro radicado em Los Angeles que é chamado para realizar a identificação de um cadáver encontrado na capital do país e que supostamente é o de uma jovem assessora parlamentar que estaria prestes a denunciar várias fraudes envolvendo políticos do alto escalão. Pressionado a confirmar que o corpo é mesmo o da garota, o que implicaria na prisão do ciumento namorado desta, o legista busca fazer seu trabalho enquanto tem visões de sua falecida esposa e de Eugênia (a tal assessora), por quem acaba se apaixonando.
Exemplo raro de um gênero estranhamente pouco explorado por nosso Cinema (o thriller político), Brasília 18% peca pela falta de sutileza praticamente desde sua primeira cena, quando Olavo (o personagem de Riccelli) é reconhecido no avião pelo assessor de um proeminente político, que já começa a tentar convencê-lo da importância de sua tarefa (leia-se: dizer que o corpo encontrado é mesmo o de Eugênia). Momentos depois, quando o inescrupuloso senador Romero (Vereza) conhece o protagonista, sua reação também não poderia ser mais estereotipada: “Vocês tinham que trazer um homem honesto, porra?”, ele protesta em voz alta, sem medo de ser ouvido por algum outro convidado da festa na qual se encontram. Além disso, o roteiro (também de Pereira dos Santos) faz questão de introduzir caricaturas facilmente identificáveis de figuras reais: quando um personagem vê um jovem almofadinha de pele morena, logo dispara: “Seu avô taí?”, indicando claramente se tratar de uma versão ficcional de ACM Neto e sugerindo a presença do velho ACM naquele universo obscuro. (E Evandro Mesquita, na pior atuação de sua carreira, parece estar com uma batata quente na boca quando tenta imitar o sotaque americano de um Larry Rohter versão “alívio cômico”.)
Porém, o elemento mais decepcionante de Brasília 18% diz respeito ao protesto político juvenil, adolescente, feito por Nelson Pereira dos Santos, que, com sua grande experiência de vida, certamente tinha condições de ser mais ambicioso e sair do lugar-comum - até mesmo o irônico letreiro final, que explica que aquela é uma “obra de ficção”, soa como provocação infantil e não como algo que esperaríamos de um artista maduro. Repleto de chavões como transferência de dólares para contas no exterior e falas como “CPI não resolve nada!”, o filme jamais sai do óbvio (faltou só a desgastada e irritante metáfora da “pizza”), como se fosse uma mera colagem de notícias retiradas de jornais e revistas dos últimos meses. Aliás, aí reside outro problema do longa: em vez de criar tipos e incidentes com características universais, que pudessem representar a longa e triste história de corrupção de nosso país (até mesmo a gestão do atualmente beatificado JK enfrentou sua parcela de denúncias), o longa faz a opção sensacionalista – e comercialmente oportunista – de estabelecer apenas o governo atual como vilão (um dos políticos acusados defende seu “longo currículo como representante dos trabalhadores”). Ora, a gestão do PT vem representando, sem dúvida alguma, uma imensa decepção (um eufemismo, eu sei) do ponto de vista ético, mas não é responsável pela criação do sistema defeituoso que permite tais abusos – e Brasília 18% simplesmente descarta a oportunidade de reconhecer e investigar este fato, ao contrário do que fez Lúcia Murat em seu ótimo (e injustamente ignorado) Doces Poderes, no qual lançou um olhar fascinante e assustador sobre o processo eleitoral no Brasil e a tendenciosa cobertura feita pela mídia.
Mas os equívocos do filme não se restringem ao seu protesto político ingênuo: a própria narrativa é repleta de problemas que comprometem o esforço do cineasta, a começar pela natureza do trabalho do protagonista. Levado a Brasília para identificar o corpo de Eugênia, Olavo dá uma olhada rápida no cadáver e, a partir daí, passa a estudar fotos e vídeos da garota – o que talvez fizesse certo sentido caso não tivéssemos visto um relatório no qual somos informados por gráficos de que a cabeça e as mãos da vítima não foram encontradas. Além disso, por que o médico analisa documentos das fraudes testemunhadas por Eugênia e ouve depoimentos sobre as ações da moça? Afinal, seu trabalho é de natureza estritamente científica e não policial ou política. (Ele até reconhece o fato, em certo momento, mas continua a investigar testemunhos e documentos.)
O que é mais irritante em Brasília 18%, no entanto, é sua falta de estrutura: do instante em que Olavo pisa em Brasília até o momento em que parte, tudo o que faz é escutar apelos para que “assine logo o maldito laudo” – um pedido feito por praticamente todos os personagens ao longo da projeção, o que acaba tornando a narrativa maçante depois de um tempo. Como se não bastasse, as visões que o protagonista têm de Laura (sua esposa) e Eugênia servem apenas prejudicar ainda mais o ritmo do filme, soando excessivas e descartáveis a partir da terceira ou quarta vez que ocorrem (muito depois de já termos compreendido que Olavo encontra, em Eugênia, uma oportunidade de resgatar a memória da esposa – e que “salvá-la” equivaleria, de certo modo, a salvar Laura). Para piorar, a nudez constante de Karine Carvalho (e de Bruna Lombardi, em um plano rápido) soa desnecessária e, portanto, apelativa – algo que decepciona principalmente por partir de um cineasta com o histórico de Nelson Pereira dos Santos.
Fechando a lista de tropeços do roteiro vêm os simbolismos simplórios (como a jovem prostituta que solicita uma bíblia; as presunçosas ironias estabelecidas pelos nomes dos personagens (Olavo Bilac, Gregório de Matos, Jean-Paul Sartre, Machado de Assis, Cacilda Becker, etc, etc, etc), que não funcionam como homenagem, como comentário sobre os papéis que desempenham na trama ou como sátira política; e, é claro, os diálogos implausíveis (“É verdade que o senhor fez a autópsia da sua esposa?”), piegas (“Se você deseja, então não é um sonho.”) e que muitas vezes se limitam a comentar a ação (“Lá vai dona Georgesand.”).
Embalado por uma trilha sonora freqüentemente inapropriada (como na seqüência em que Olavo e Georgesand são seguidos pelos seguranças do senador), Brasília 18% ainda conta com uma parcela embaraçosa de equívocos técnicos, como a cena que traz Olavo e a irmã conversando no banco traseiro de um carro e durante a qual os olhares dos atores se desencontram totalmente durante as mudanças entre plano e contraplano. Além disso, no instante em que o avião do protagonista pousa na capital, tive a forte impressão de que algo faltava na composição da cena e percebi, atordoado, que podia ver o blue screen por trás das janelas - ao menos, é o que parecia, já que o forte e chapado azul em nada combinava com o céu visto no plano que traz o aparelho tocando a pista. Em contrapartida, o sempre competente Edgar Moura cria uma fotografia evocativa que, seguindo o estilo noir, mantém os personagens sempre parcialmente obscurecidos por sombras – especialmente os políticos.
Que o próximo filme do mestre Nelson Pereira dos Santos venha logo para nos fazer esquecer deste escorregão. Enquanto isso não acontece, vou assistir a Memórias do Cárcere para tirar o gosto de Brasília 18% da boca.
19 de Abril de 2006
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