Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/12/2007 27/07/2007 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
120 minuto(s)

O Sobrevivente
Rescue Dawn

Dirigido por Werner Herzog. Com: Christian Bale, Steve Zahn, Jeremy Davies, Marshall Bell, François Chau, Teerawat Mulvilai, Mr. Yuttana Muenwaja, Mr. Kriangsak Ming-olo, Abhijati ‘Meuk’ Jusakul, Lek Chaiyan Chunsuttiwat.

 

Embora conte uma história que se passa durante o conturbado período da guerra do Vietnã, O Sobrevivente não é um filme que se entrega a discussões políticas sobre os erros e acertos daquele conflito ou a análises sobre as seqüelas psicológicas sofridas pelos soldados. Em vez disso, este trabalho escrito e dirigido por Werner Herzog (O Homem-Urso) se concentra no esforço desesperado de um grupo de prisioneiros de guerra pela sobrevivência – mas até neste aspecto o longa procura se manter imparcial ao enfocar também o sofrimento dos carcereiros vietcongues, que enfrentam a fome e o isolamento impostos pela mata cerrada que os cerca. Aliás, como em boa parte da filmografia de Herzog, o conflito entre Homem e Natureza desempenha papel fundamental na narrativa, já que, como diz certo personagem, ali a selva é a verdadeira prisão.

 

Baseado nos fatos narrados no documentário que ele mesmo dirigiu em 1997 (Little Dieter Needs to Fly), o filme acompanha a trajetória do piloto Dieter Dengler (Bale), que, em sua primeira missão sobre solo vietnamita, é abatido e capturado pelos inimigos. Levado a um remoto campo de prisioneiros localizado no meio da selva, ele passa meses planejando uma fuga ao lado de alguns outros soldados que também se encontram aprisionados ali. Porém, enquanto não conseguem realizar seus planos, eles são submetidos à fome, aos maus-tratos e ao terror de saberem que a qualquer momento poderão ser executados por seus carcereiros cada vez mais instáveis.

 

Como é hábito em seus filmes, Herzog busca, em O Sobrevivente, conferir autenticidade absoluta à narrativa e, para isso, leva a equipe e o elenco para locações que façam jus aos obstáculos reais enfrentados por Dieter – e, de fato, quando vemos os personagens tentando caminhar pela selva, a densidade da mata pode ser facilmente percebida na tela (o projeto foi rodado na Tailândia). Além disso, o cineasta encontra imagens espetaculares no processo, como a magnífica caverna no meio de um lago e a frágil pontezinha sobre o rio. Da mesma forma, a direção de arte se encarrega de complementar os cenários naturais quando isto se faz necessário – e a vila abandonada e tomada pela vegetação é um exemplo espetacular disso.

 

Adotando um estilo documental em determinados instantes (o que soa natural, já que Herzog também é um brilhante documentarista), a câmera segue os personagens de perto e, na seqüência em que Dieter é levado para uma vila logo após ser capturado, ela busca capturar a força do momento ao desviar seu foco para detalhes repletos de autenticidade como a reação dos habitantes locais e uma criança fumando. Enquanto isso, a eficaz trilha de Klaus Badelt (um músico alemão que merecia ser mais reconhecido por seus trabalhos no Cinema) surge de forma discreta, mas fundamental para fortalecer o tom de urgência perseguido pelo cineasta.

 

Beneficiado por um elenco que obviamente se entregou de corpo e alma ao projeto, O Sobrevivente é particularmente impactante na maneira impiedosa com que acompanha a decadência física daquele grupo de prisioneiros: Jeremy Davies, em particular, parece prestes a se partir ao meio, tamanha sua magreza – e sua composição inquieta salienta a fragilidade psíquica de seu personagem, que rivaliza com a física. Já Steve Zahn, mais conhecido por seu trabalho em comédias, cria um retrato comovente de um homem que se esforça para não ter mais esperanças a fim de não se decepcionar novamente, mas que não consegue deixar de sonhar com a liberdade (e há uma inequívoca autenticidade na forma com que ele vomita de nervoso ao perceber que finalmente chegou a hora de agir).

 

Porém, é Christian Bale que, como de hábito, carrega o filme com sua intensidade de sempre. Ator meticuloso, ele não apenas volta a emagrecer terrivelmente (chegando quase ao aspecto assustador que atingiu em O Operário) como ainda se entrega às loucuras de Herzog ao se submeter às torturas que o verdadeiro Dieter enfrentou: e por mais segurança que o ator tenha sentido ao saber que não seria ferido de verdade, é inegável que ele de fato mergulhou num poço estreito e desconfortável e foi pendurado de cabeça para baixo e girado rapidamente (e duvido que Hergoz tenha se restringido a uma única tomada). Além disso, seu cuidado no desenvolvimento do personagem também é patente: com a arrogância típica dos jovens (e dos pilotos de guerra), Dieter obviamente se considera uma espécie de cowboy, como fica claro por suas maneiras desafiadoras e até mesmo pelo jeito com que solta um “Howdy!” em certo instante. Ao mesmo tempo, o sujeito não demonstra interesse particular pela guerra (aliás, ele nem sabe explicar direito por que estão ali), alistando-se apenas pelo prazer de voar. Finalmente, Bale retrata a vulnerabilidade do protagonista, que está longe de ser um super-herói, ao assumir uma respiração ofegante que denota sua ansiedade no momento da fuga.

 

Emocionante como aventura e como exemplo da força do espírito humano, O Sobrevivente comprova o talento inquestionável de Werner Herzog, um dos diretores contemporâneos mais importantes e surpreendentes – e é por admirar tanto sua sensibilidade que não consigo compreender como ele pode ter permitido que o filme decaísse tanto em seus quinze minutos finais, que traem a verossimilhança e a intensidade dos 110 minutos anteriores, chegando a encerrar a narrativa com um freeze frame (quadro congelado) pavoroso, mais apropriado a um draminha feito para a televisão.

 

É um tropeço feio, é verdade, mas que por sorte acontece quando o filme já está praticamente cruzando a linha de chegada.

 

06 de Dezembro de 2007

Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!