Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/09/2006 | 21/07/2006 | 1 / 5 | 2 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
110 minuto(s) |
Dirigido por M. Night Shyamalan. Com: Paul Giamatti, Bryce Dallas Howard, Bob Balaban, Jeffrey Wright, M. Night Shyamalan, Cindy Cheung, Freddy Rodriguez, Bill Irwin, Mary Beth Hurt, Noah Gray-Cabey, Jared Harris.
Ao escrever sobre A Vila, há dois anos, comentei que o cineasta M. Night Shyamalan vinha caindo em meu conceito a cada novo filme. Pois a jornada está completa: depois de surgir como uma grande promessa em 1999, com O Sexto Sentido (antes disso, ele havia realizado Praying with Anger, que não vi, e o bom Olhos Abertos), Shyamalan levou apenas sete anos e quatro filmes para chegar ao fundo do poço, que atinge com este seu novo A Dama na Água. Se seus roteiros já vinham deixando a desejar desde Sinais, ao menos seu talento como diretor trazia algum elemento interessante às produções que comandava - algo que apontei ao escrever sobre A Vila. Desta vez, porém, nada resgata seu projeto do desastre total: além de um roteiro pedestre (para dizer o mínimo), o filme conta com uma direção corriqueira que não faz jus àquele que alguns cismaram de batizar como “o novo Hitchcock”.
Elaborado a partir de uma história de ninar que Shyamalan criou para as filhas, o roteiro de A Dama na Água tenta conceber um universo mitológico que, em vez de apresentar-se fascinante e inventivo, soa mais como uma versão empobrecida de mundos fictícios infinitamente mais criativos e abrangentes. Quando a trama tem início, somos apresentados ao introspectivo Cleveland Heep (Giamatti), zelador de um condomínio que, certa noite, descobre uma jovem nadando na piscina do edifício. Pálida e misteriosa, ela revela ser uma narf, criatura das águas que veio ao “mundo dos Homens” para inspirar um indivíduo em particular – alguém que escreverá uma obra que influenciará o destino de todos. Ela também explica que está sendo perseguida por um scrunt, uma espécie de “lobo-grama” (na falta de termo melhor) que quer matá-la apesar das regras existentes contra este tipo de crime – regras impostas pelos Tartutics, espécie de “macacos-árvore” (na falta de um termo melhor). Assim, ela recorre ao auxílio de Cleveland para conseguir encontrar o humano que deve inspirar e também para permanecer em segurança até o momento em que será levada por uma Grande Eatlon, espécie de águia gigante (na falta de... hum... não, na realidade isto descreve exatamente o que é a tal Grande Eatlon).
Embora ver atores talentosos como Paul Giamatti e Jeffrey Wright dizendo coisas como “narf”, “tartutic” e “kii” não deixe de ter sua graça ocasional, o fato é que o roteiro de A Dama na Água parece ser exatamente aquilo que é: uma história inventada na base do improviso para levar crianças ao sono, não apresentando qualquer estrutura ou significado mais profundo (mais sobre isto daqui a pouco). Aliás, isto me fez lembrar justamente de O Sexto Sentido, quando o personagem de Bruce Willis tenta contar uma história para o garotinho vivido por Haley Joel Osment e este reclama da “falta de reviravoltas”, de acontecimentos interessantes, ao longo da narrativa – e, em A Dama na Água, Shyamalan parece introduzir uma nova informação a cada dez minutos, como se tentasse justamente evitar que percebêssemos o fato de que nada faz muito sentido ou é particularmente interessante. Basta dizer que sempre que a história empaca, o protagonista recorre a uma velha chinesa que mora no prédio para que esta conte mais um pedaço da fábula que parece refletir os acontecimentos que ele está vivenciando – e por que ele não pede que ela termine a maldita história de uma vez, para que ele possua todos os dados relevantes e possa agir de acordo, é algo que não sei responder. (Aliás, sei: se fizesse isso, o filme chegaria ao fim.) Assim, quando o cineasta julga já ser o momento de assustar o público mais uma vez, atira uma cena ao acaso na qual Cleveland tenta confrontar o scrunt enquanto, através de rádio-comunicador(!), a narf lhe informa que ele pode enxergar os olhos da criatura através do reflexo em um espelho. Faz sentido? Não importa; o que Shyamalan persegue é o suspense que isto poderia provocar.
Repleto de cenas sem propósito e trazendo um número excessivo de personagens, o roteiro se esforça ao máximo para estender sua narrativa, mesmo que a trama frágil obviamente não o permita. Desta maneira, temos longas cenas nas quais acompanhamos Cleveland fazendo perguntas através do telefone para uma garota que, em seguida, as repete para a mãe em chinês, ouvindo as respostas e voltando a traduzi-las para o zelador – e a mesma lógica da “encheção de lingüiça” se aplica à seqüência que traz o protagonista sondando vários inquilinos sobre as atividades literárias de cada um. Para piorar, A Dama na Água é recheado de diálogos expositivos, dependendo das conversas entre os personagens para revelar desajeitadamente detalhes sobre, por exemplo, o passado de Cleveland. Como se não bastasse, há um momento em que uma informação é repetida, em off, apenas alguns segundos depois de ter sido fornecida ao protagonista, como se o espectador fosse incapaz de perceber, sozinho, o que ele está procurando no “fundo” da piscina.
Obrigando o normalmente brilhante Paul Giamatti a exibir uma das gagueiras mais artificiais do Cinema, M. Night Shyamalan não parece saber sequer como desenvolver seus personagens, utilizando uma tragédia genérica para justificar as ações de Cleveland – e chega a ser espantoso que o cineasta, descendente de indianos, inclua estereótipos absurdamente ofensivos de asiáticos e latinos em seu filme. Porém, talvez sua maior falha como “contador de histórias” resida em sua incapacidade de levar o público a aceitar os absurdos de seu universo: enquanto todos os adultos presentes em A Dama na Água parecem aceitar com inacreditável facilidade tudo o que Cleveland revela, o espectador se sente deixado de fora, já que, aqui, a suspensão da descrença falha miseravelmente. Além disso, o roteiro erra ao incluir uma introdução que, através de animação, explica praticamente tudo o que veremos a seguir, eliminando qualquer elemento-surpresa que o filme pudesse explorar.
Mas a grande decepção deste projeto encontra-se mesmo na fraca direção de Shyamalan – algo inédito em sua carreira. Empregando uma lógica visual pouco inspirada, o cineasta abusa de ângulos baixos, do contra-foco e de composições que buscam trazer os atores sempre para o centro do quadro e olhando diretamente para a câmera – e mesmo aqueles enquadramentos que poderiam ter melhores resultados (como o que traz uma atriz ajoelhada em frente ao box do banheiro, conversando com alguém que se encontra oculto por uma parede) acabam fracassando em função da solenidade excessiva com que são tratados pelo diretor, como se este parecesse encantado com o resultado de sua composição. E por que, afinal de contas, Shyamalan parece tão empenhado em ocultar o rosto da atriz Cindy Cheung em diversos momentos (como sua primeira aparição em cena), como se ocultasse algo? É realmente uma pena constatar que nem mesmo o genial diretor de fotografia Christopher Doyle consegue tornar A Dama na Água mais interessante do ponto de vista estético (e é curioso perceber que, em contrapartida, a arte criada para o cartaz da produção é espetacular).
E chegamos, finalmente, à desonestidade artística de M. Night Shyamalan, que procura empregar dois subterfúgios pobres para se “proteger” daqueles que inevitavelmente condenariam o fracasso deste seu novo esforço. Em primeiro lugar, ao cercar seu filme com a justificativa de que se trata de uma “história para crianças”, o cineasta tenta antecipar as críticas à falta de lógica do roteiro através da argumentação de que aqueles que não o apreciaram se tornaram incapazes de enxergar o mundo com um olhar mais ingênuo, puro – e um personagem chega mesmo a comentar que gostaria de “ser criança novamente” e de “conseguir acreditar”. Seguindo esta lógica incerta, filmes como O Expresso Polar, Monstros S.A. e Procurando Nemo deveriam ter sido destroçados por todos os adultos “cínicos” do mundo (além disso, sejamos sinceros: A Dama na Água está longe de ser um “filme para crianças”).
Finalmente, Shyamalan inclui, na história, a figura de um crítico de Cinema que, vivido pelo ótimo Bob Balaban, encarna todos os defeitos normalmente atribuídos ao estereótipo dos profissionais da área: é arrogante, cínico e desagradável. Assim, o diretor parece preparar uma armadilha fatal: se ataco A Dama na Água, é porque fiquei ofendido com a forma com que minha profissão foi retratada. Pois longe disso: a melhor cena do filme, aliás, é justamente aquela protagonizada por Balaban em um corredor escuro. Porém, se Shyamalan queria manifestar seu desprezo pelos críticos (ou pela “destruição” da Arte através da Análise), poderia tê-lo feito com mais talento e inteligência, como, por exemplo, Beto Brant fez em seu magnífico Um Crime Delicado. Além do mais, é no mínimo irônico que o cineasta acuse a Crítica de arrogância, mas escreva, para si mesmo, o papel de um artista cujo trabalho revolucionará o mundo.
Ao que parece, M. Night Shyamalan está sendo sabotado por acreditar no próprio mito, por julgar-se um artista cujo menor esforço é digno de grandes aplausos. Falta-lhe humildade para desenvolver melhor seus projetos e suas idéias – e, principalmente, para reconhecer que algumas destas não são boas o bastante. Eu também costumo contar historinhas para meu filho envolvendo “homens-melancia”, dragões e cachorros-pedra que cospem lava (eu os chamo de crancôrs!), mas daí a julgar que o que diverte uma criança de três anos de idade é interessante o bastante para ganhar uma versão para Cinema vai uma grande distância.
Ou, quem sabe, eu algum dia realize O Homem-Melancia?
31 de Agosto de 2006