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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/09/2007 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
115 minuto(s)

O Vigarista do Ano
The Hoax

Dirigido por Lasse Hallström. Com: Richard Gere, Alfred Molina, Marcia Gay Harden, Hope Davis, Julie Delpy, Stanley Tucci, Eli Wallach.

Não há dúvidas de que a democratização do tráfego de informações proporcionada pela Internet é algo maravilhoso: basta digitarmos qualquer assunto num serviço como o Google para encontrarmos milhares de textos, imagens e mesmo vídeos relacionados ao nosso objeto de pesquisa. Por outro lado, esta comodidade traz um preço para aqueles que apreciam o sentimento de mistério, de não saber exatamente tudo sobre... bom, sobre tudo: não há espaço, hoje, para figuras enigmáticas, personalidades que despertam nossa curiosidade não pelos escândalos que protagonizam, mas sim por sabermos tão pouco sobre elas. Numa era na qual nos habituamos até mesmo às visões constantes dos úteros de Lohans, Britneys e Hiltons, quais são as chances de que surja alguém como Howard Hughes, um bilionário poderoso sobre o qual dezenas de mitos foram criados justamente porque ele se tornara recluso? Aliás, numa década cada vez mais marcada pelo agito político e pela tensão social em função de uma guerra condenada e de um governo corrompido (estou falando dos anos 70!), nada mais natural que Hughes se tornasse não apenas uma curiosidade escapista, mas uma verdadeira obsessão para muitos que o consideravam capaz de tudo – até mesmo de continuar a manipular os poderosos nos bastidores.

Foi neste cenário que o escritor Clifford Irving, auxiliado pelo amigo Richard Suskind, teve a idéia de escrever a “autobiografia autorizada” de Hughes, vendendo os direitos sobre o livro para uma influente editora por uma pequena fortuna. O problema é que Irving jamais se encontrara com o bilionário: seu livro era uma fraude – algo particularmente curioso se considerarmos que seu trabalho mais conhecido até então era justamente a biografia de um falsário fabuloso: o húngaro Elmyr de Hory, responsável por falsificar dúzias de quadros de pintores como Picasso, Modigliani, Renoir e Matisse (aliás, de Hory e Irving acabariam protagonizando F for Fake!, documentário de linguagem revolucionária dirigido por Orson Welles em 1974). Forjando cartas apresentadas como tendo sido escritas por Howard Hughes, Clifford Irving acabou tornando-se célebre por seu amalucado golpe, que viria a descrever no livro que agora foi adaptado para o cinema pelo roteirista William Wheeler.

Primo temático do superior O Preço de uma Verdade, este O Vigarista do Ano é protagonizado por um indivíduo de personalidade diametralmente oposta à do Stephen Glass daquele filme: enquanto Glass se mostrava inseguro e até mesmo humilde, Irving surge repleto de auto-confiança e arrogância. Ao receber a notícia de que seu novo livro de ficção talvez seja publicado, por exemplo, ele imediatamente começa a fazer grandes gastos – certo não apenas de que o texto será publicado, mas também de que a vendagem será colossal. Interpretado por um Richard Gere bem mais expressivo do que o habitual, Irving lança suas mentiras com tamanha energia e convicção que se torna difícil, para seus interlocutores, duvidar da veracidade do que está sendo dito. Além disso, graças ao bom trabalho de maquiagem (especialmente no que diz respeito ao cabelo), Gere surge curiosamente parecido com o verdadeiro escritor, o que não deixa de acrescentar outra camada de realismo à narrativa (algo que só é abalado nas cenas em que o ator tenta imitar a voz anasalada e a cadência típicas de Howard Hughes. Nestes momentos, o filme tenta nos convencer de que Gere está fazendo um trabalho perfeito quando, de fato, sabemos que não é o caso).

Apesar deste pequeno tropeço, o fato é que Gere consegue a proeza de levar o espectador a simpatizar com um personagem inescrupuloso, egoísta e calculista, o que é fundamental para o sucesso da narrativa. Traindo seus empregadores, a esposa e o melhor amigo, Irving é um homem que pensa apenas no próprio sucesso – e, neste sentido, Alfred Molina faz um belo contraponto ao compor Richard Suskind como um sujeito ansioso e frágil que não consegue emprestar convicção alguma às mentiras que é obrigado a contar (e no processo ele também se torna um bem-vindo alívio cômico). Porém, talvez o personagem mais eficaz de O Vigarista do Ano seja o próprio Howard Hughes, cuja aura de poder e mistério é recriada através de imagens e sons de arquivo. Aliás, o diretor Lasse Hallström é particularmente feliz ao conceber um plano no qual uma foto imensa de Hughes é enfocada atrás de Irving, como se o bilionário estivesse lançando um intenso olhar sobre o ombro do escritor.

Feliz, também, é a linguagem empregada pelo cineasta para ilustrar o processo mental do protagonista ao conceber suas mentiras, quando vemos flashbacks de cenas indiretamente relacionadas ao que está sendo dito e que são deturpadas pelo sujeito à medida que cria suas histórias. De modo geral, no entanto, Hallström (um diretor que, confesso, considero medíocre) comete uma série de erros bobos que limitam o alcance dramático do filme: as imagens de arquivo que ilustram protestos contra a guerra do Vietnã, por exemplo, interrompem o ritmo da narrativa sem contribuírem tematicamente para a mesma – e Hallström exagera particularmente ao usar um pronunciamento de Nixon referente à eleição de Bush pai para o Senado, numa tentativa clara (e desesperada) de tornar seu filme relevante ao estabelecer uma ligação entre os eventos daquele período e os atuais. Ora, a ligação é óbvia e existe, mas, infelizmente para o cineasta, é irrelevante no que diz respeito à história aqui contada. Da mesma forma, o diretor expõe sua falta de visão criativa ao apelar, num momento de conflito entre os personagens de Gere e Stanley Tucci, para uma câmera na mão óbvia e artificial: surgindo de maneira súbita, os movimentos do quadro entregam a tentativa mecânica do cineasta de criar algum tipo de tensão.

Enquanto isso, o roteiro de Wheeler também conta com sua parcela de falhas, a começar pela facilidade com que Irving e Suskind encontram elementos que sustentem sua fraude: de roubo de documentos militares à cópia não-autorizada de um manuscrito, o filme tenta empregar um tom cômico para despistar a implausibilidade do que estamos vendo, mas isto, embora divirta, tira boa parte da força da história (que, afinal de contas, se apresenta como real). Para piorar, o terceiro ato do longa se entrega mais do que o recomendável à fantasia, tornando-se uma quase paródia de Uma Mente Brilhante e sacrificando de vez qualquer esforço de soar verossímil.

E é justamente ao entregar-se aos delírios de grandeza de Clifford Irving que O Vigarista do Ano entra em colapso: é natural que um homem frustrado por seus fracassos profissionais e pessoais tente fugir da realidade ao acreditar que, de certa forma, foi influência importante na queda de um presidente (e o longa tenta forçar Watergate na trama), mas este é um erro do qual o filme não poderia ser cúmplice. Que Irving queira se sentir importante, é compreensível; que sua suposta cinebiografia compartilhe da fraude, nem tanto.

13 de Setembro de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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