Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
19/01/2007 | 01/01/1970 | 3 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
142 minuto(s) |
Como seu próprio título já indica, Babel é um filme que busca analisar as angústias e tragédias provocadas pela falta de comunicação entre as pessoas – porém, embora retrate personagens de diferentes regiões e idiomas, o que impede o diálogo entre estes indivíduos não é a variedade de línguas, mas o preconceito, a brutalidade e a ignorância. Encerrando uma trilogia concebida pelo diretor Alejandro González Iñárritu e pelo roteirista Guillermo Arriaga (ambos mexicanos) e que inclui os excepcionais Amores Brutos e
Narrando histórias ambientadas em quatro países de três continentes, o longa tem início em Marrocos, onde duas crianças camponesas recebem um rifle comprado pelo pai com o objetivo de caçarem chacais. Para testarem o alcance da arma, os garotos miram em um ônibus de turistas e acabam atingindo a norte-americana Susan, que está viajando ao lado do marido Richard. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a babá mexicana Amélia descobre que não poderá comparecer ao casamento do filho, já que não tem com quem deixar as duas crianças que estão sob seus cuidados – e, num impulso, decide levá-las consigo para a cerimônia, que acontecerá do lado pobre da fronteira. Finalmente, no Japão, a adolescente surda-muda Chieko, cuja mãe cometeu suicídio há poucos meses, lida com as ansiedades de sua idade e parece acreditar que a solução para sua confusão emocional encontra-se na perda da virgindade.
Assim como acontecia nos dois primeiros capítulos de sua trilogia, Iñárritu adota uma estrutura narrativa que retrata uma cadeia de acontecimentos através de uma cronologia fluida, obrigando o espectador a organizar a trama em sua própria mente – nada, porém, tão radical quanto em
Ainda assim, a montagem de Douglas Crise e do genial Stephen Mirrione faz o possível para manter a fluidez da narrativa: apesar de alguns saltos abruptos ocasionais (como ao cortar para a partida de vôlei), a dupla consegue criar transições eficazes e elegantes na maior parte do tempo, como ao justapor a corrida apavorada das crianças marroquinas e a correria divertida de Mike e Debbie, que brincam alegremente em sua casa nos Estados Unidos (da mesma maneira, cortar para a ensangüentada Susan logo depois de exibir a decapitação de uma galinha funciona como um contraponto ironicamente eficaz). Mas o principal efeito da montagem de Crise e Mirrione reside no triste contraste entre diferentes realidades, como ao ressaltar o conforto das crianças norte-americanas diante do cotidiano sofrido dos jovens marroquinos.
Por outro lado, enquanto a montagem investe nas diferenças, a ótima fotografia do talentoso Rodrigo Prieto busca a unidade: ao contrário do que acontecia em Traffic, por exemplo, que separava suas histórias paralelas através de contrastantes esquemas de cores, Prieto mantém a base naturalista de sua fotografia durante toda a projeção, usando até mesmo constantes planos gerais para situar os personagens em seus respectivos ambientes (o cemitério de pedras, o cruzamento em Tóquio, a vila no Marrocos, o casamento no México) – como se procurasse demonstrar que somos todos iguais, mesmo vivendo em regiões tão diferentes. Aliás, até mesmo a óbvia câmera subjetiva que retrata o universo silencioso de Chieko pode ser perdoada, já que, de certa forma, é inevitável e até mesmo necessária para que compreendamos melhor a personagem.
Contando com performances magníficas de um elenco que traz vários atores não-profissionais, Babel consegue peso dramático simplesmente através da força dos rostos aos quais nos apresenta, desde a face sofrida e cheia de linhas de expressão do marroquino Abdullah (Rachidi) até a velhinha de olhos impossivelmente fundos (Benboullah) que passa a cuidar de Susan – e nem mesmo Brad Pitt se esquiva em exibir suas rugas e os cabelos grisalhos ao encarnar com intensidade visceral o sofrimento de seu personagem. Já Adriana Barraza retrata a babá Amélia como uma mulher carinhosa, ainda que inconseqüente, sobrevivendo até mesmo às reviravoltas irritantemente absurdas nas quais o roteiro a mergulha. E um reconhecimento especial deve ser feito à qualidade brilhante das atuações do elenco infantil: como Debbie e Mike, Elle Fanning (irmã de Dakota) e Natham Gamble exibem a inocência de crianças mantidas à distância dos horrores do mundo real e o pavor que experimentam quando são confrontadas por estes, ao passo que, como os jovens marroquinos Ahmed e Yussef, Said Tarchani e Boubker Ait El Caid ilustram o peso da responsabilidade daqueles pobres garotos sem que, com isso, deixem de lado a leveza inconseqüente da infância.
Finalmente, chegamos a Rinko Kikuchi, a grande revelação de Babel: vivendo a confusa Chieko com um desapego físico admirável, a atriz exibe um carisma tão grande que quase nos leva a ignorar a falta de cuidado com que sua personagem é desenvolvida pelo roteiro. Com uma ligação apenas tangencial com os demais acontecimentos do longa, Chieko parece pertencer a um outro filme – um que, de preferência, tivesse mais interesse em investigar seus problemas emocionais. Porém, ao encaixá-la desajeitadamente neste projeto, Iñárritu permite apenas que constatemos a carência da garota e nada mais, conferindo, à sua freqüente nudez, um caráter de mero fetiche por parte dos realizadores (principalmente se considerarmos sua figura de colegial japonesa, com microssaia e jeito de moleca). Como se não bastasse, a adição de um longo bilhete cujo conteúdo jamais descobrimos acaba soando como uma tentativa de Arriaga de copiar o misterioso sussurro de Encontros e Desencontros – com a diferença que, aqui, a personagem não foi suficientemente desenvolvida para que sua ação fale por si só, tornando suas palavras desnecessárias.
Sim, Babel é eficiente ao retratar o isolamento constante em que vivemos – seja este emocional (Susan se afasta do marido por não perdoar suas ações passadas), geográfico (como imigrante ilegal, Amélia vive afastada dos parentes), político (os norte-americanos logo assumem que o tiro que atinge Susan é fruto de um ato terrorista), social (os marroquinos são oprimidos pela polícia de seu país) ou auditivo. E também é curioso que Richard encontre apoio justamente em um marroquino, já que seus companheiros turistas parecem pensar apenas em si mesmos, recusando-se a permanecer ao seu lado em função do medo e da falta de conforto. Porém, Iñárritu acaba exagerando no tom de suas demais mensagens, como ao retratar Yussef destruindo o rifle em um quase ritual anti-armas - e quem leu meu texto sobre Crash sabe que concordo com o diretor; o que me incomoda é a obviedade da pregação (aliás, o mesmo pode ser dito sobre a maneira panfletária com que ele aborda a arrogância do governo norte-americano; outra posição com a qual me identifico, mas que aqui irrita pelo tom carregado).
Em um mundo já excessivamente dividido por fronteiras, crenças religiosas e ideologias políticas, Babel é um filme que tem o coração no lugar certo: é triste percebermos que, apesar de sermos todos da mesma espécie e resultarmos dos mesmos erros e acertos da Evolução, acabamos nos tornando estranhos uns para os outros em função de conceitos abstratos que não deveriam ser mais importantes do que nossas dores e alegrias
Assim, Babel acaba trazendo Iñárritu e Arriaga em um caminho que já percorreram duas vezes – só que, aqui, eles o fazem de maneira bem mais esquemática, melodramática e, conseqüentemente, menos interessante.
19 de Janeiro de 2007
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