Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
04/07/2008 | 01/01/1970 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
92 minuto(s) |
Dirigido por Peter Berg. Com: Will Smith, Charlize Theron, Jason Bateman, Jae Head, Eddie Marsan, Thomas Lennon.
Um super-herói alcoólatra e amargurado que, em função dos constantes prejuízos que causa à cidade que supostamente “protege”, é odiado pela população e pela polícia – esta é uma premissa suficientemente interessante para render uma ótima comédia ou um angustiante drama existencial com toques fantasiosos. Infelizmente, ao tentar fazer as duas coisas simultaneamente, o diretor Peter Berg acaba se perdendo irremediavelmente no meio do caminho, demonstrando uma falta de controle e compreensão sobre o material que leva Hancock a se tornar um esforço com resultados apenas medianos, o que é decepcionante.
Escrito por Vincent Ngo e Vince Gilligan, o longa traz Will Smith como o herói do título – um homem que, à sua própria maneira, é tão solitário quanto o Robert Neville interpretado pelo ator no recente Eu Sou a Lenda. Vivendo sob o peso de ser o único de sua “espécie” (seja esta qual for), Hancock há muito desistiu de compreender suas origens e de tentar agradar a quem quer que seja. Exausto pela eterna responsabilidade de usar seus poderes para o bem, ele se entrega às suas missões com o mesmo cuidado com que um adolescente entediado faria seu dever de casa: de maneira descuidada e desinteressada, o que resulta em desastres muitas vezes maiores do que aqueles que ele teoricamente deveria evitar. Neste aspecto, Smith, um ator cada vez mais competente, confere ao filme a densidade necessária ao retratar o personagem como um sujeito derrotado e derrotista, com uma expressão que oscila apenas entre o mau humor e a melancolia. Porém, Smith é inteligente o bastante para sugerir de forma sutil que, por baixo de sua couraça de depressão e indiferença, Hancock deseja ser abraçado e admirado pelos humanos que protege – e é um atestado de seu talento perceber que, em certo momento, ao ser aplaudido em público, o herói mantém o rosto congelado numa expressão séria que, de alguma maneira, permite que o espectador perceba um traço de genuína emoção oculta por baixo da superfície.
Em contrapartida, o relações-públicas Ray Embrey, que resolve adotar Hancock como um projeto pessoal e torná-lo amado pela população, é puro sentimento: sujeito de bom coração, ele é vivido por Jason Bateman (Juno) como um homem cujo amor pela família só se iguala aos seus nobres e malfadados esforços filantrópicos – e Bateman confere imenso carisma ao personagem. Enquanto isso, Charlize Theron é sabotada pela própria fama, já que, desde o início, compreendemos que uma atriz de seu calibre não seria escalada para interpretar uma “simples” dona-de-casa, o que enfraquece o impacto que as mudanças vividas por sua personagem poderiam provocar caso surgissem de maneira inesperada – e, para piorar, o diretor Peter Berg insiste em incluir constantes closes que, enfocando os olhares preocupados da atriz, telegrafam ainda mais sua importância para a narrativa.
Berg, aliás, se mostra completamente perdido em sua abordagem visual: por um lado, parece acreditar estar rodando um drama intimista e, num clichê saído dos independentes de baixo orçamento norte-americanos, parece obcecado com os closes fechadíssimos que acabam dominando a narrativa. Para piorar, ele demonstra sua falta de talento habitual para a comédia (são dele o terrível Uma Loucura de Casamento e o fraco Bem-vindo à Selva) ao tentar incluir uma gag que beira o besteirol segundos depois de uma das cenas mais dramáticas do longa (sem entregar nada, digo apenas que ela ocorre perto do desfecho e envolve Ray e um machado), o que dilui o impacto do que viera antes e ainda falha como humor, já que o espectador está preocupado demais com os personagens para rir de uma piada pouco inspirada.
Mas a esquizofrenia de Hancock não pára por aí: embora Berg e o diretor de fotografia Tobias A. Schliessler também busquem conferir uma atmosfera realista ao projeto ao empregarem a câmera na mão e um grão mais grosso que traz uma crueza óbvia à narrativa, o diretor inexplicavelmente insiste também em incluir uma gag que, através de efeitos visuais, mostra dois homens presos um ao outro de forma absurda. Aliás, a piada poderia até funcionar se víssemos apenas as reações das pessoas à volta da dupla, já que a falta de lógica do incidente ficaria apenas implícita, mas, ao revelar os dois homens de maneira escancarada, Berg sacrifica o realismo que buscara até então em prol de gargalhadas descartáveis. (Vale dizer que o estilo “câmera-na-mão” também foi empregado de maneira inconsistente pelo cineasta em seu O Reino, como comentei na crítica àquele filme.)
E chegamos, enfim, a um dos pontos mais delicados de Hancock: a relação entre o personagem-título e Mary, vivida por Theron (e não leia o restante deste parágrafo caso ainda não tenha visto o filme): se, por um lado, as origens absurdas do herói podem ser “perdoadas” em função de sua própria natureza fantasiosa (ser um “anjo” não é mais estranho do que ter sido picado por uma aranha geneticamente modificada ou atingido por raios gama), mais difícil de aceitar é a dinâmica que se estabelece entre os dois “super-heróis” do projeto. Para começar, Berg falha mais uma vez ao mostrar Mary erguendo um caminhão enquanto os figurantes à sua volta não manifestam a menor surpresa diante da presença de uma nova criatura superpoderosa, o que denota sua falta de atenção aos detalhes. Ainda assim, este equívoco não chega aos pés da misoginia demonstrada pela postura submissa de Mary, que, apesar de inicialmente se orgulhar de ser mais forte do que Hancock, rapidamente se revela uma criatura vulnerável que precisa da proteção do “macho superior”, já que descobrimos que ele sempre se feria ao tentar protegê-la (e Mary chega a dizer que “eles” sempre tentavam atingir Hancock através dela, como se fosse uma mocinha frágil e incapaz de se defender).
Ainda assim, Hancock surge como uma variação interessante sobre um gênero que vem surgindo com freqüência cada vez maior nas telas – e ver um super-herói massacrado pelo peso de sua responsabilidade é um conceito que, por si só, já merece aplausos.
Observação: Há uma cena adicional (e descartável) durante os créditos finais.
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