Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
15/05/2014 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Paris Filmes | |||
Duração do filme | |||
108 minuto(s) |
Dirigido por Jonathan Glazer. Roteiro de Glazer e Walter Campbell. Com: Scarlett Johansson, Jeremy McWilliams, Paul Brannigan, Adam Pearson.
Sob a Pele é um filme rico em imagens e pobre em história. Isto, porém, não representa problema: como já dizia o mestre Roger Ebert, “não importa sobre o que é um filme, mas como ele é sobre o que é”. E, neste aspecto, o longa de Jonathan Glazer é instigante ao criar imagens evocativas, sugerir subtextos complexos, investir em metáforas e alegorias – e mesmo que não tenhamos certeza do significado destas, ainda assim somos envolvidos pela forte atmosfera evocada pelo diretor.
Glazer, diga-se de passagem, é um cineasta de carreira curta, mas que em apenas três filmes conseguiu demonstrar ser capaz justamente de estabelecer com eficiência o tom de suas narrativas, desde a tensão constante de Sexy Beast à angústia sufocante deste Sob a Pele, passando pela melancolia absurda de Reencarnação. Aqui, já nos minutos iniciais o diretor mergulha o espectador numa atmosfera misteriosa ao trazer a personagem de Scarlett Johansson ganhando forma enquanto a trilha dissonante lentamente cede lugar à voz da atriz em seus exercícios vocais para aprender a soar como humana – e quando a vemos, num ambiente completamente branco, tirando a roupa de uma mulher morta e cobrindo o próprio corpo com aquelas vestes, imediatamente percebemos estar diante de uma criatura estranha ao nosso planeta, mesmo que não saibamos exatamente de onde ela veio.
Quem é, afinal, aquela “mulher”? Uma alienígena? Uma espécie de demônio? Ou de anjo? O roteiro de Glazer e Walter Campbell, inspirado em um livro de Michel Faber (que não li), jamais revela a origem da criatura, embora as formas que abrem a narrativa sugiram uma tecnologia originada em outro mundo e logo percebamos que ela está aqui para caçar homens solitários. A partir daí, acompanhamos a “garota” em seus encontros com os rapazes escoceses, o destino terrível que aguarda aqueles que entram em sua van e percebemos como a partir de certo ponto ela começa a experimentar certas mudanças em seu comportamento depois de conhecer um rapaz de rosto terrivelmente deformado (Pearson, que realmente sofre de neurofibromatose e surge no filme em uma performance corajosa, generosa e tocante).
Mas por que a “moça” muda? Por que ela se identifica com o jovem – se realmente é isto que ocorre? É porque, como ele, ela também se sente isolada naquele mundo estranho? Ou Sob a Pele, com este título sugestivo, está interessado em discutir a natureza das relações humanas e como estas constantemente são ditadas pelas aparências? Afinal, é preciso lembrar que a alienígena é vivida por Scarlett Johansson, que nos últimos anos se tornou uma das atrizes mais famosas e desejadas do mundo, passando mesmo a representar a própria ideia de beleza. Ora, se considerarmos que, logo nos momentos iniciais do filme, o diretor traz uma pequena montagem que acompanha várias mulheres testando maquiagens, penteados e perfumes, torna-se inevitável supor que, por trás de sua história simples, Sob a Pele busca realmente promover uma discussão maior e mais complexa.
O fato é que, querendo ou não, frequentemente somos atraídos pelo brilho da superfície e ignoramos o que esta esconde – e, por ser mais fácil, pintamos a fachada para despistarmos o que não podemos maquiar por trás desta. Da mesma maneira, julgamos pelo que vemos, rápida e injustamente, em vez de avaliarmos o que sabemos de fato sobre alguém: ela é gorda, portanto deprimida e com baixa autoestima; ele é negro, portanto vou passar para o outro lado da rua; ela usa roupas curtas, portanto está à procura de sexo; ele é paraplégico, portanto digno de pena. Assim, quando as presas da personagem de Johansson caminham nus em sua direção, com o pênis ereto pela excitação de se encontrarem diante de uma mulher tão sedutora, mal percebem estar afundando na escuridão de quem ela é e do que representa. A tentação de abraçar o belo suplanta o bom senso e os entrega indefesos à destruição enquanto ela, um ideal de beleza, se afasta, mantendo-se inalcançável como todo ideal.
E é um ideal, afinal. A própria Scarlett Johansson, por mais linda que seja (e é linda), não chega perto de ser a Scarlett Johansson – e sou capaz de apostar alguns dedos como não irá demorar até que tolos fúteis publiquem comentários sobre como ela tem barriga, celulite e estrias, falhando em reconhecer o óbvio: é claro que ela tem; é uma mulher real e, portanto, intocada pelo photoshop que cria modelos artificiais para as capas de revista. É também belíssima em sua “imperfeição” – o que não a torna uma pessoa melhor ou pior, claro, embora muitos imediatamente a considerem “apaixonante” por ser... bela. Não, não serei tolo ao afirmar que a aparência não representa um fator importante na atração que sentimos por alguém, mas quando a fascinação por este alguém não vai além da pele, a ligação se torna frágil e dependente do tempo, das circunstâncias e dos produtos de beleza, já que todos eventualmente decairemos e veremos nossa essência ganhar importância cada vez maior à medida que nossos corpos enrugam e se tornam flácidos e feios.
E é esta constatação que leva a criatura de Sob a Pele a mudar: ao se encontrar com uma alma sensível presa em um corpo grosseiro, ela passa a refletir sobre quem é de fato e, ao suspeitar da própria feiura, busca mudar, tornar-se humana – e a revelação de que esta mudança não é fácil (ela não consegue comer ou fazer sexo por não ter a anatomia para isso) a leva a se afastar e, finalmente, a despir-se. E o que vê sob a própria pele finalmente a leva às lágrimas, num momento sublime, doloroso e angustiante.
Porém, mesmo que sua interpretação seja completamente diversa da que apresentei acima, resta o fato de que Sob a Pele é uma experiência atípica e intensa: é impossível, por exemplo, não experimentar uma angústia profunda ao acompanhar o reconhecimento mútuo de dois homens presos no líquido escuro de Johansson ou um estranhamento inequívoco graças à maneira com que Glazer usa as locações na Escócia para sugerir um mundo alienígena segundo o ponto de vista da protagonista – que a atriz vive muito bem numa performance silenciosa e com uma expressão corporal impecável ao não mover os braços ao caminhar (indicando sua estranha natureza) e ao evocar o terror da personagem no terceiro ato.
Um terror que surge do choque de perceber-se feia – mesmo que sob a pele adorável de Scarlett Johansson.
15 de Maio de 2014