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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/12/2007 28/09/2007 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
110 minuto(s)

O Reino
The Kingdom

Dirigido por Peter Berg. Com: Jamie Foxx, Chris Cooper, Ashraf Barhom, Jennifer Garner, Jason Bateman, Ali Suliman, Jeremy Piven, Danny Huston, Richard Jenkins, Frances Fisher, Kyle Chandler, Omar Berdouni, Anna Deavere Smith.

 

Hollywood tem dessas coisas: vez por outra, algum novato se destaca da multidão de aspirantes ao sucesso e, por motivos nem sempre muito claros, se torna a nova sensação da temporada. Este ano, um exemplo pode ser encontrado na ascensão do roteirista Matthew Michael Carnahan, irmão do cineasta Joe Carnahan (do ótimo Narc), que subitamente teve seus dois primeiros longas lançados nos cinemas norte-americanos com uma distância de pouco mais de um mês um do outro: O Reino e Leões e Cordeiros. Ambos lidando com os traumas de um país abalado pelo medo do terrorismo e por uma guerra mal-sucedida e aparentemente interminável, os filmes também têm, em comum, a falta de qualquer idéia nova ou mais inspirada sobre os temas que aborda, utilizando-os apenas como meio de tentar conferir relevância a roteiros que, de outra maneira, seriam massacrados por sua natureza formulaica.

 

Iniciando sua narrativa já com uma linha do tempo redutiva (e descartável) sobre a relação comercial entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita no que diz respeito à exploração e consumo do petróleo produzido por este último, o filme logo se concentra num atentado terrorista que resulta na morte de centenas de norte-americanos baseados no Reino do título (a Arábia Saudita, ora). Determinados a capturar os responsáveis pela ação, quatro agentes do FBI enfrentam a resistência política de ambos os países e, abrindo o caminho com chantagens, recebem autorização para permanecerem cinco dias em Riad enquanto investigam a cena do atentado – sendo continuamente boicotados pelos agentes locais, que se esforçam para dificultar seu trabalho.

 

Surgindo como ecos incômodos de acontecimentos recentes, os incidentes narrados por Carnahan em seu roteiro são referências claras não apenas aos atentados de 11 de Setembro (o local da explosão, com sua cratera e os trabalhadores que limpam e investigam o local, evoca imediatamente o marco zero em Manhattan), mas também às imagens grotescas de decapitações gravadas em vídeo e divulgadas pela Internet nos últimos anos – um paralelo ressaltado pela ação cuidadosamente planejada dos terroristas e o fato de atacarem civis (incluindo mulheres e crianças). Porém, ao contrário de obras como As Torres Gêmeas e mesmo Leões e Cordeiros, que, por mais falhas que sejam, pareciam genuinamente interessadas em provocar algum tipo de catarse (emocional e ideológica, respectivamente), O Reino parece simplesmente usar os horrores contemporâneos como desculpa para criar um filme comum de ação – e explorar o sofrimento de uma nação (ou mais de uma, no caso) para entreter um público interessado em perseguições e tiroteios é algo absolutamente reprovável.

 

Mas, mais do que isso, O Reino surge como uma verdadeira fantasia de vingança. Assim como Rambo 2 tentava extrair alguma vitória do fracasso norte-americano no Vietnã, este filme dirigido por Peter Berg (Bem-vindo à Selva) busca o sucesso que o governo Bush não alcançou em sua versão ocidental de jihad contra a Al-Qaeda e o insano e sangüinário Osama bin Laden: aqui, os agentes norte-americanos são inteligentes, valorosos e éticos (nenhum destes adjetivos se aplica aos organizadores da estratégia dos Estados Unidos no Iraque) – e, o mais importante, têm chances reais de punir o(s) responsável(is) pelo ataque aos civis norte-americanos. É claro que, no processo, o protagonista manipula descaradamente Sua Alteza Real (“como estes bárbaros são tolos”, parece dizer o filme) ao mesmo tempo em que Carnahan tenta disfarçar seu sentimento de superioridade ao incluir liçõezinhas artificiais sobre as semelhanças que, no fundo, unem todos os habitantes deste planeta, muçulmanos, católicos, protestantes, budistas ou o que quer que sejam.

 

Porém, se falha em suas aspirações políticas e humanas (aliás, mais do que falha: chega a ser vergonhoso), O Reino ao menos é relativamente bem-sucedido como exemplar do gênero ação. Beneficiado pelo uso eficaz das locações (com Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, se passando por Riad, na Arábia Saudita), o longa é tecnicamente admirável, embora Berg e seus montadores Colby Parker Jr. e Kevin Stitt ocasionalmente se entreguem à filosofia “um-corte-por-segundo” que, em vez de acentuar a tensão, enfraquece o filme por torná-lo virtualmente indistinguível de tantas outras produções similares. Ainda assim, as seqüências numa rodovia e o tiroteio num bairro residencial (que basicamente compõem o terceiro ato da narrativa) são eficientes o bastante para enviarem o espectador para fora do cinema com a sensação de ter visto algo realmente intenso – o que é bom, pois assim tendemos a ignorar a lógica absurda daqueles acontecimentos, incluindo a idiotice representada pela cena que se passa no apartamento de uma família saudita e que envolve a troca de um pirulito por uma bolinha de gude. (Eu sei, eu sei... nem vale a pena explicar.)

 

Além disso, provavelmente consciente da narrativa terrivelmente convencional que tinha em mãos, Berg leva a dupla de montadores a copiar a fabulosa brincadeira narrativa criada por Jonathan Demme e o editor Craig McKay em O Silêncio dos Inocentes, há 16 anos, quando estes subverteram uma tradição de linguagem do Cinema para enganar o espectador de forma criativa na seqüência em que vemos o agente Jack Crawford (Scott Glenn) e sua equipe se preparando para invadirem uma casa enquanto acompanhamos, em montagem paralela, o conflito entre o assassino Buffalo Bill (Ted Levine) e sua vítima aprisionada: da forma como tudo é apresentado ao espectador, somos levados a acreditar que estamos vendo o exterior e o interior de uma mesma casa – e quando o vilão abre a porta e vê Clarice Starling (Jodie Foster), ficamos momentaneamente confusos, o que ressalta o impacto que Demme buscava causar. Já em O Reino, quando os agentes comandados por Jamie Foxx se posicionam para invadir uma casa em Riad e Peter Berg intercala estas imagens com cenas internas de terroristas montando uma bomba, o resultado fica longe de ser eficaz ou interessante, surgindo apenas confuso e sem propósito, sendo descartado em seguida de qualquer maneira. Qual era o objetivo do diretor nesta seqüência? Não faço a menor idéia – e duvido que ele mesmo faça, já que provavelmente queria apenas copiar um dos momentos mais geniais daquele filme de 1991. (Aliás, a forma com que ele emprega a câmera na mão é igualmente ilógica, indo e vindo sem qualquer ligação aparente com o que estamos vendo na tela.)

 

Num elenco que (ao menos isso!) se mostra bastante consistente, o destaque fica por conta do desconhecido ator israelense (a ironia!) Ashraf Barhom, que, como o coronel saudita Faris Al Ghazi, cria o personagem mais complexo do filme. Homem íntegro e profundamente religioso, ele se incomoda com os constantes palavrões presentes no vocabulário dos ianques e, inicialmente, enxerga os agentes do FBI com clara antipatia. Aos poucos, porém, as afinidades profissionais se tornam mais fortes do que as diferenças culturais e religiosas, levando Faris e Ronald Fleury (Foxx) a uma aproximação gradual que flui de forma natural ao longo da projeção, resultando até mesmo em alguns bons momentos de humor que conseguem brincar com as dificuldades do saudita de compreender o norte-americano sem que isto soe como algo ofensivo ao primeiro.

 

Tentando encerrar a narrativa com uma ironia reveladora que até funciona moderadamente, O Reino tenta explicar (atenção: “explicar” é diferente de “justificar”) parte das motivações que levariam alguém a atos indizíveis de terrorismo, mas sua mentalidade simplista faz com que ele empalideça diante de obras como o palestino Paradise Now, por exemplo (que, coincidentemente, também contava com Ashraf Barhom em seu elenco).

 

Ao menos, o longa de Peter Berg funciona bem como divertimento escapista – mas temo que não era exatamente isso que o diretor e o roteirista tinham em mente quando realizaram o filme.

 

30 de Novembro de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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