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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
29/06/2005 27/06/2005 3 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
116 minuto(s)

Guerra dos Mundos
War of the Worlds

Dirigido por Steven Spielberg. Com: Tom Cruise, Dakota Fanning, Justin Chatwin, Miranda Otto, Tim Robbins, David Alan Basche e Morgan Freeman (Voz).

Onde foi parar o Steven Spielberg que não hesitou em retratar a morte sangrenta do jovem Alex Kintner em Tubarão? Ou mesmo aquele que mostrou o advogado sendo despedaçado em Parque dos Dinossauros? Aparentemente, cedeu lugar a um cineasta excessivamente cauteloso que, para não ofender a sensibilidade dos espectadores (ou a própria), acovarda-se diante de cenas que exigiriam crueldade absoluta. Este novo Spielberg (o mesmo que trocou as armas vistas em E.T. por inofensivos walkie-talkies) transforma Guerra dos Mundos em um espetáculo que não compreende a própria natureza – afinal, como o diretor pode querer comandar um filme sobre um ataque impiedoso de alienígenas se não tem peito de, nos momentos-chave, exibir na tela os resultados da carnificina promovida pelas criaturas?

Baseado no livro homônimo de H.G. Wells, Guerra dos Mundos abre com a narração marcante de Morgan Freeman, cujas inflexões são uma óbvia homenagem à célebre transmissão de rádio feita por Orson Welles em 1938, quando o futuro diretor de Cidadão Kane apavorou a população americana com sua impressionante adaptação desta história. A partir daí, somos apresentados a Ray Ferrier (Cruise), que recebe a tarefa de cuidar dos filhos durante o fim-de-semana, enquanto sua ex-esposa faz uma pequena viagem com o novo marido. É então que um súbito ataque alienígena tem início, obrigando Ray, um pai ausente, a assumir de forma desesperada o papel de único protetor das crianças.

Vivido por Tom Cruise com sua energia habitual, o herói é apresentado ao público numa daquelas cenas em que é descrito como sendo `o melhor alguma-coisa que já conheci` – neste caso, acreditem ou não, um operador de guindaste. Estabelecido como um sujeito egoísta, Ray logo surge como o óbvio ponto de referência para o público - não apenas passamos a esperar que ele amadureça como também o usamos como ponte de ligação para o universo do filme: a sobrevivência de Ray é a nossa própria. Caso ele consiga escapar da fúria extraterrestre, teremos escapado ilesos à ameaça (e mesmo que o planeta inteiro seja destruído ficaremos satisfeitos com a conclusão da história). Neste aspecto, Cruise faz um bom trabalho: é fácil estabelecermos uma identificação com alguém tão intenso.

Enquanto isso, Spielberg comprova mais uma vez sua habilidade em manipular o público ao construir com cuidado a tensão ao longo de todo o primeiro ato: inicialmente, os fenômenos naturais parecem apenas encantar os terráqueos, que demoram a compreender exatamente o que está acontecendo (nestes momentos, Guerra dos Mundos lembra o excelente O Dia em que a Terra se Incendiou, de 1961). A partir do instante em que os alienígenas iniciam a ofensiva, no entanto, o filme impressiona pela dimensão da destruição promovida pelo diretor: o primeiro ataque, em especial, destaca-se pela cuidadosa construção da seqüência e pela intensidade com que os atores reagem à ameaça.

Mas não é só: mais tarde, para indicar a aproximação dos invasores, o cineasta tem a curiosa idéia de interromper a passagem do herói e de seus filhos com a imagem assustadora de uma locomotiva que, em chamas, continua a atravessar o país em sua corrida automática sobre os trilhos. Além disso, Spielberg merece aplausos também pelo excepcional momento no qual vemos Ray discutir com os filhos enquanto dirige em alta velocidade: a câmera se aproxima e se afasta das janelas, cruza a frente do carro e volta a focar os personagens em um plano contínuo, demonstrando o uso inteligente dos efeitos visuais (e a falta de cortes e a movimentação nervosa do quadro salientam o nervosismo da situação). Aliás, o diretor encontra tempo até mesmo para incluir um plano essencialmente auto-referencial: quando Cruise se esconde da `sonda` alienígena atrás de um sofá, a movimentação da câmera é idêntica ao instante em que Lex e Tim se escondiam dos velociraptores na cozinha, em Parque dos Dinossauros.

Por outro lado, Spielberg perde oportunidades óbvias de comentar o atual clima político dos Estados Unidos, o que é uma pena, já que, assim como Vampiros de Almas e suas refilmagens, o livro de H.G. Wells sempre ganha conotações políticas quando adaptado para outras mídias. Em certo instante, o cineasta até parece disposto a investir na mensagem ao ilustrar o impulso belicista do jovem Robbie, que parece sempre inclinado a vestir a farda para `lutar contra o inimigo` (no que poderia ser um reflexo óbvio do desperdício de vidas no Iraque, no Afeganistão, no Vietnam, etc...). Infelizmente, o próprio Spielberg sabota a mensagem ao entregar-se à adoração do poderio militar norte-americano em um momento posterior da trama. Da mesma forma, ele parece querer abordar a natureza animalesca da sociedade na ausência das Leis, abandonando a idéia, ainda mal formada, pelo caminho. Assim, a única ocasião em que Guerra dos Mundos assume a ambiciosa postura de comentar a realidade diz respeito à cena em que a pequena Rachel (interpretada com intensidade pela talentosa Dakota Fanning) percebe que algo terrível está acontecendo e indaga se `são os terroristas`, num retrato acurado do clima de medo que se estabeleceu nos Estados Unidos graças às táticas de susto do governo Bush, que usa o pânico da população para legitimizar-se.

Porém, pior que abster-se de usar a história de Wells como alegoria política, Spielberg faz o possível para `higienizar` o filme, procurando ocultar quaisquer sinais mais evidentes dos resultados catastróficos que um ataque deste porte provocaria. Apelando para um recurso covarde (as armas alienígenas pulverizam os humanos, que somem sem deixar vestígios), o diretor evita mostrar os inevitáveis milhões de cadáveres que a tal `guerra` produziria – e, com isto, impede que o espectador tenha uma sensação clara da dimensão do genocídio e de sua brutalidade. Aliás, até mesmo o avião destruído que surge em cena parece conter um único corpo – aparentemente intacto! -, evitando chocar o público (algo que seria fundamental em uma produção como esta).

Ora, há histórias que exigem violência – e a destruição parcial da Terra é uma destas histórias. Se não vemos as vidas perdidas nos ataques, como podemos sentir o peso da tragédia? Neste sentido, mostrar os corpos dos terráqueos espalhados pelas ruas seria algo tão importante, do ponto de vista narrativo, quanto recriar as sepulturas coletivas vistas em A Lista de Schindler. E mais: por que Spielberg se poda também na cena em que Ray é obrigado a tomar uma atitude com relação ao personagem de Tim Robbins? Ver o que acontece entre os dois homens é essencial para que apreciemos a dimensão do horror e do sacrifício pessoal feito pelo protagonista naquele instante – algo que o supersensível Steven Spielberg nos nega. Como se não bastasse, o diretor comete o mesmo deslize visto em suas duas últimas ficções, A.I. e Minority Report, e se acovarda nos minutos finais de Guerra dos Mundos, o que é simplesmente imperdoável.

E quando digo que ele se `acovarda`, refiro-me ao retorno indesculpável de certo personagem, e não à solução (que não revelarei) apresentada no conflito com os invasores, já que admiro a simplicidade da mesma. Além de fiel ao conceito original, a tal `saída` é bem mais plausível do que um confronto de escala gigantesca como o visto na conclusão de Independence Day, por exemplo (e, além disso, o roteiro de David Koepp e Josh Friedman inclui pequenas pistas para a resolução desde o início, o que é algo sempre elegante).

A grande ironia é que muitos espectadores provavelmente irão reclamar deste desfecho, considerando-o um anti-clímax, ao mesmo tempo em que praticamente ignorarão a fraqueza de Spielberg ao longo de toda a história. Se há algo realmente decepcionante em Guerra dos Mundos, este `algo` é a insistência desesperada do veterano realizador em não nos chocar.

Não duvido que, se fosse filmado hoje, Tubarão mostraria o garotinho Alex Kintner escapando ileso ao ataque da criatura.
``

29 de Junho de 2005

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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