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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
13/02/2009 01/01/1970 5 / 5 4 / 5
Distribuidora

Coraline e o Mundo Secreto
Coraline

Dirigido por Henry Selick. Com as vozes de Dakota Fanning, Teri Hatcher, John Hodgman, Keith David, Robert Bailey Jr., Ian McShane, Dawn French, Jennifer Saunders.

As crianças gostam de sentir medo. Não o medo provocado por uma tempestade barulhenta durante a noite ou aquele que surge quando se perdem dos pais, mas sim o que nasce de uma história bem contada que envolve personagens enfrentando perigos tenebrosos e mortais. Não é à toa que muitas das melhores e mais longevas fábulas infantis são também as mais assustadoras: a bruxa prendia João e Maria para assá-los; o Lobo Mau devorava a Vovó; Pinóquio era transformado em burro e seu “pai”, engolido por uma baleia; Alice era condenada à decapitação pela Rainha de Copas. E Coraline, claro, corre o risco de ter seus olhos arrancados e substituídos por botões.


Esta, aliás, é apenas uma das ameaças enfrentadas pela protagonista deste Coraline e o Mundo Secreto, adaptado por Henry Selick a partir do livro de Neil Gaiman (sim, o Neil Gaiman), já que desde o início da projeção o espectador é surpreendido por seqüências marcantes – como, por exemplo, aquela que traz uma boneca de pano tendo a boca e a barriga rasgadas por uma mão esquelética que, depois de retalhá-la impiedosamente, a reconstrói com um rosto semelhante ao da personagem-título (que, claro, ainda não foi apresentada). E o que dizer da cena em que um garoto que comete o erro de exibir uma expressão triste é punido pela vilã ao ter sua boca costurada num sorriso forçado?

Mas creio que estou fazendo o filme soar violento demais para o público infantil quando, na realidade, Selick alcança um belo e delicado equilíbrio ao contar sua história de maneira a provocar arrepios sem, com isso, traumatizar seus jovens espectadores. E acreditem: não havia outra maneira de narrar a aventura de Coraline (Fanning), uma garota que, depois de se mudar com os pais para outra cidade, sente-se solitária por não ter com quem conversar ou brincar, já que o Pai (Hodgman) e a Mãe (Hatcher) passam todo o tempo trabalhando em um manual de jardinagem. Certa noite, porém, Coraline encontra uma passagem secreta que a leva a uma versão alternativa de seu mundo; um lugar no qual sua Mãe é carinhosa e presente e seu Pai toca piano e a leva para passear numa geringonça voadora. Além disso, até os vizinhos se mostram mais divertidos nesta outra dimensão que passa a ser visitada pela garota com freqüência cada vez maior. É então que sua Outra Mãe explica que, para se mudar definitivamente para aquele mundo, Coraline deverá permitir que um par de botões seja costurado no lugar de seus olhos.

Responsável pelo inesquecível O Estranho Mundo de Jack (que muitos atribuem erroneamente a Tim Burton, que concebeu seu argumento e produziu o projeto), Henry Selick demonstra, aqui, ter mantido sua preferência por narrativas sombrias que, aqui e ali, investem num surpreendente humor negro – embora, a bem da verdade, Coraline e o Mundo Secreto se preocupe bem menos em fazer rir do que aquele longa de 1993. Adotando um ritmo mais calmo ao construir cuidadosamente sua história, o cineasta investe numa atmosfera mergulhada em melancolia que se reflete também na evocativa trilha sonora composta pelo francês Bruno Coulais e na tristeza constante de seus personagens. Aliás, o próprio design de seu “elenco” ilustra sua natureza soturna, desde as profundas olheiras da Mãe até a pele acinzentada e os olhos arroxeados do Pai. Da mesma forma, as ex-vedetes que moram no andar de baixo exibem, em seus físicos corpulentos e acabados, a decadência de suas vidas (e esperem até ver os seios colossais da Srta. Spink), ao passo que o Sr. Bobinsky, por mais que tente se manter em forma, mal consegue ocultar sua barriga proeminente por baixo das roupas sujas e desgastadas. Isto, é claro, serve como contraste das cópias “alternativas” dos personagens, quando a Mãe surge bem mais conservada; o pai, corado; e os corpanzis das ex-vedetes se revelam como meras carcaças que envolvem versões magras e jovens das mulheres.

Realizado através da encantadora técnica do stop-motion, Coraline não traz movimentos tão fluidos como aqueles vistos em A Noiva-Cadáver ou mesmo em A Batalha dos Vegetais: aqui, a animação revela um flickering (“tremor”) bem mais acentuado que, em certos momentos, chega a dar a impressão de câmera lenta – algo que apenas aumenta o charme da produção. Já a montagem investe em transições elegantes que refletem a inventividade da narrativa, como no instante em que a personagem-título encosta a cabeça no chão, perto de um poço, e subitamente é vista dentro de casa, olhando pela janela para a chuva que cai lá fora. Enquanto isso, a fotografia de Pete Kozachik contrapõe a paleta dessaturada, sem vida, do mundo “real” e os tons mais quentes com cores mais fortes do universo concebido pela Outra Mãe. Para finalizar, o design de produção merece elogios não só por sua inventividade, mas também por ajudar a estabelecer um clima de sonhos (ou pesadelo) ao freqüentemente contrastar os amplos espaços internos (o picadeiro de circo, o teatro) com seus exteriores claramente incompatíveis.

Remetendo principalmente a Alice no País das Maravilhas (a heroína tem até sua própria versão do Gato de Cheshire), Coraline e o Mundo Secreto é rico o bastante, do ponto de vista temático, para permitir até mesmo leituras freudianas de sua narrativa, já que o mundo alternativo visitado pela protagonista pode ser facilmente interpretado como uma projeção de seu inconsciente (neste caso, a Outra Mãe seria o superego?). Mas, mesmo que nos limitemos a admirá-lo como uma sombria história para crianças (se bem que todas elas são repletas de simbolismos), o filme de Henry Selick já é suficientemente fascinante para merecer uma forte e inequívoca recomendação.

Observação: Após os créditos finais, há um breve plano que revela um detalhe dos bastidores da produção.

Observação 2 (em 18/02/09): A versão em 3D do longa é envolvente e não abusa dos planos criados apenas para que algo salte da tela, optando, em vez disso, por utilizar os efeitos de maneira orgânica e inteligente.

13 de Fevereiro de 2009

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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