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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/06/2007 01/01/1970 2 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
110 minuto(s)

Confidencial
Infamous

Dirigido por Douglas McGrath. Com: Toby Jones, Sandra Bullock, Daniel Craig, Jeff Daniels, Sigourney Weaver, Hope Davis, Isabella Rossellini, John Benjamin Hickey, Peter Bogdanovich, Lee Pace e Gwyneth Paltrow.

Há algo de fascinante no exercício de comparação entre Capote, o brilhante filme que rendeu o Oscar de Melhor Ator a Philip Seymour Hoffman no ano passado, e este Confidencial, rodado quase que simultaneamente àquele projeto, mas engavetado por vários meses a fim de fugir justamente às inevitáveis comparações – um esforço inútil, considerando que estas são... como já dito, inevitáveis. Aliás, mais do que isso: infelizmente para o filme escrito e dirigido por Douglas McGrath, elas são também pouco lisonjeiras.

Centrado no mesmo período-chave da vida de Truman Capote (a elaboração do clássico A Sangue Frio), Confidencial acompanha o protagonista em sua viagem a Holcomb, no Kansas, com o propósito de investigar o impacto provocado na cidadezinha pelo brutal assassinato de uma família local. Distante de seu elemento (a alta sociedade de Nova York), Truman é visto com estranheza por todos, já que seus modos excêntricos e sua afetação característica praticamente o transformam em uma criatura alienígena para aquelas pessoas. Aos poucos, porém, o escritor vai ultrapassando os obstáculos à sua frente até ganhar acesso irrestrito aos bastidores da investigação, culminando em um complexo relacionamento com Richard Hickcock (Pace) e Perry Smith (Craig), os assassinos da família Clutter.

É aqui, diga-se de passagem, que se encontra uma das principais diferenças entre os dois filmes: enquanto em Capote a dinâmica entre Truman e Perry Smith (vivido naquele longa por Clifton Collins Jr.) retratava claramente a forte influência do primeiro sobre o segundo, em Confidencial é Perry quem exibe ter domínio da situação, freqüentemente subjugando Truman física e emocionalmente – algo no mínimo inverossímil, considerando-se as personalidades dos dois homens. Parte da responsabilidade por este problema, vale dizer, cabe à escalação equivocada de Daniel Craig para interpretar o complexo Perry Smith: bem maior do que Toby Jones (que vive Capote), Craig é uma presença excessivamente ameaçadora, o que o impossibilita de exibir a vulnerabilidade que tornou o assassino tão atraente para o escritor. Da mesma forma, depois de incluir rápidos flashbacks que procuram estabelecer as similaridades na infância dos dois personagens, o filme simplesmente passa a ignorar este elemento, desperdiçando uma ótima oportunidade de criar um elo importante entre criaturas aparentemente tão diferentes uma da outra.

Em vez disso, Confidencial aposta suas fichas num recurso terrivelmente artificial para transformar Capote em uma figura tridimensional: “depoimentos” dos demais personagens do longa, num formato de pseudo-documentário que jamais convence (ainda piores são as cenas que trazem Daniel Craig lendo as cartas de Perry diretamente para a câmera). Com isso, os únicos momentos que conseguem conferir alguma verossimilhança a Truman são aqueles nos quais o vemos interagindo com a amiga Harper Lee, que, interpretada por Sandra Bullock, surge como a única personagem bem definida pelo roteiro. Por outro lado, o pobre ator Toby Jones acaba assumindo a ingrata tarefa de seguir as pegadas gigantescas deixadas pela atuação magistral de Philip Seymour Hoffman, não conseguindo sequer se beneficiar do fato de ser inquestionavelmente muito mais parecido fisicamente com o verdadeiro Truman Capote daquele período, exibindo a mesma testa larga, a baixa estatura e o porte franzino.

Boicotado por um roteiro que insiste em fazer piada com seus maneirismos, Jones acaba transformando Capote em uma figura caricatural: quando entra no pavilhão no qual Perry se encontra preso, por exemplo, o escritor é visto dando respostas afiadas a cada um dos rudes presidiários que tentam intimidá-lo, numa cena que soa de maneira pavorosamente falsa. Além disso, o Truman de Confidencial jamais exibe a cultura e a superioridade intelectual daquele visto no filme de 2005, surgindo, em vez disso, como uma figura vulgar e desinteressante. Num exemplo perfeito daquilo que diferencia a interpretação e a mera imitação, o Capote de Toby Jones pouco mais é do que uma caricatura grosseira do autor de A Sangue Frio.

Para piorar as coisas para o ator, o único instante em que o roteiro lhe oferece uma chance de exibir emoções genuínas acaba sendo desperdiçado pela direção equivocada: ao enfocar o personagem falando sobre o suicídio da mãe, o cineasta opta por enquadrar Jones da pior maneira possível, num semi-perfil filmado a partir de um ângulo baixo e ainda mais prejudicado pela fotografia sem personalidade de Bruno Delbonnel (surpreendentemente, o mesmo responsável pelo maravilhoso visual de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) – e, assim, boa parte da emoção da cena torna-se invisível para o espectador. Da mesma maneira, para ilustrar a selvageria de um enforcamento, McGrath não consegue pensar em nada melhor do que repetir três vezes, em poucos segundos, basicamente o mesmo plano-detalhe de um relógio de pulso – algo não apenas óbvio, mas também deselegante. Finalmente, o diretor-roteirista comete uma última ofensa ao empregar os “depoimentos” dos personagens para mastigar para o espectador o impacto que a experiência teve sobre Capote, como se não fôssemos capazes de percebê-lo sozinhos.

Demonstrando uma incrível falta de sensibilidade ao tentar fazer piadinhas com uma história tão trágica (a seqüência que mostra Truman abordando os habitantes de Holcomb chega a ser ofensiva em sua busca pelo riso), Confidencial ainda é um filme sem foco, desperdiçando vários minutos em uma cena que traz Sigourney Weaver desabafando sobre a traição do marido e que nada tem a ver com a narrativa (a esta altura já sabemos que Capote é fofoqueiro; qual o propósito de ressaltar este elemento?). Em vez disso, McGrath poderia ter dedicado mais tempo à recriação do massacre da família Clutter, já que, para aparentemente torná-la mais curta, chega a encená-la com graves erros factuais (como ao situar a morte de Herb Clutter no mesmo aposento no qual se encontrava seu filho Kenyon).

Mas a alteração mais grave – e moralmente repreensível – nesta seqüência reside na tentativa descarada feita pelo cineasta de amenizar os atos de Perry Smith, como se este tivesse sido praticamente levado por Hickock a disparar contra pai e filho em função de intensas provocações quando, na realidade, o próprio Perry admitiu tê-los executado friamente. O que McGrath parece não perceber é que o aspecto mais intrigante da personalidade do assassino (e que ajudou a tornar o livro de Capote tão fascinante) era justamente sua ambigüidade moral, sua capacidade de ser gentil em um segundo e absurdamente cruel em outro - e ao tentar transformá-lo em uma figura mais romântica, Confidencial revela-se não somente desonesto, como decepcionantemente repulsivo.

31 de Maio de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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