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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
20/03/2009 01/01/1970 2 / 5 / 5
Distribuidora

The Spirit - O Filme
The Spirit

Dirigido por Frank Miller. Com: Gabriel Macht, Samuel L. Jackson, Scarlett Johansson, Eva Mendes, Paz Vega, Eric Balfour, Louis Lombardi, Sarah Paulson, Jaime King, Dan Lauria, Johnny Simmons, Seychelle Gabriel, Richard Portnow, Stana Katic.

 

Assim como ocorria em Sin City, a narrativa de The Spirit é amplamente influenciada pelas personagens femininas. Sim, o herói Spirit (Macht) e o vilão Octopus (Jackson) podem até dominar o tempo de tela com suas lutas e estratégias, mas não há como negar que ambos dependem profundamente das ações, dos planos e do suporte das figuras sempre voluptuosas que cruzam seus caminhos. Coincidência? É claro que não, já que os dois projetos trazem a assinatura de Frank Miller, que também adota a tecnologia empregada por Robert Rodriguez naquele longa, rodando toda a história diante do green screen que, posteriormente, cede lugar aos cenários altamente estilizados. Infelizmente, as similaridades entre as duas produções param por aí, já que, diferentemente do coeso e pesado Sin City, este The Spirit soa como uma mistura desajeitada de filme noir e da série de tevê Batman produzida na década de 60.

 

Inspirado no personagem concebido por Will Eisner (cujos desenhos podem ser vistos durante os créditos finais), Miller, que também construiu sua carreira nos quadrinhos, não perde tempo introduzindo a origem do herói nas primeiras páginas de seu roteiro; em vez disso, traz Spirit cercado de gatos (uma referência às suas “várias vidas”) enquanto atende o telefone e recebe uma informação que irá levá-lo a mais um confronto com seu arqui-inimigo. Acompanhado de seus capangas clonados (Lombardi) e da “loira gelada” Silken Floss (Johansson), Octopus tenta se apossar de um baú que também interessa à femme fatale Sand Saref (Mendes), mas acaba tendo sua atenção desviada pela presença de Spirit, com o qual adora lutar. Aos poucos, descobrimos que a indestrutibilidade do herói está diretamente ligada ao vilão e conhecemos mais sobre seu passado, que envolve não só um relacionamento com Saref, mas também com a médica Ellen Dolan (Paulson), filha do chefe de polícia (Lauria).

 

Se a princípio a trama parece complexa, gradualmente se torna claro que ela não poderia importar menos para Miller, que, como diretor, se vê muito mais interessado nos aspectos puramente visuais do projeto do que numa condução apropriada da narrativa. Adotando uma abordagem excessivamente estilizada e teatral, o inexperiente cineasta recorre automaticamente ao que parece ter aprendido com Rodriguez em Sin City, investindo numa fotografia fortemente dessaturada, quase monocromática (com exceção do vermelho ocasional que cruza a tela), que, embora traga a vantagem de remeter também ao trabalho de Eisner, peca por não empregar seu mundo de sombras para criar uma atmosfera que sirva à história. Em vez disso, Miller chega a investir pontualmente em fundos totalmente chapados (em branco e vermelho ou apenas com esta última cor) em uma tentativa desastrosa de criar um certo humor, conseguindo apenas diluir ainda mais a força da narrativa sem jamais alcançar a contrapartida  da irreverência.

 

Exibindo um bom olhar para a composição de seus quadros (o que esperar de um desenhista talentoso?), Miller não demonstra talento semelhante ao estabelecer o ritmo da história ou mesmo o tom no qual esta será contada: se a narração em off do protagonista remete aos anti-heróis do noir, como Humphrey Bogart ou Fred MacMurray, suas ações, seus confrontos com o vilão e seus diálogos parecem mais adequados ao Batman de Adam West ou ao Dick Tracy de Warren Beatty, ao passo que Octopus surge como uma pálida versão do Pingüim de Burgess Meredith ou do Big Boy Caprice de Al Pacino. Assim, sem jamais conseguir se decidir por um tom e sem possuir a experiência para alcançar um equilíbrio entre o noir e o camp, o diretor obriga o espectador a absorver a imagem em contraluz de uma cabeça despedaçada apenas para, em outro momento, trazer o herói sendo tratado em um hospital ainda usando sua máscara ou lutando com o vilão embalado por efeitos sonoros engraçadinhos. Enquanto isso, a trama combina elementos da mitologia grega com gags absolutamente estúpidas (e sem graça) envolvendo o nazismo – o que, por sua vez, cede lugar às referências ao western constantemente feitas pela trilha sonora do cada vez pior David Newman.

 

Já os integrantes do elenco, sem poderem contar com as orientações de um diretor que saiba comandar atores, se entregam aos seus piores vícios ou às suas fraquezas habituais – e não é por acaso que Samuel L. Jackson, sempre com uma queda pelo exagero, pelo overacting, transforma o Octopus num espetáculo de bizarrice e absurdos, o que nos impede de considerá-lo como uma ameaça real ou mesmo como alívio cômico. Em contrapartida, Gabriel Macht surge completamente inexpressivo, sendo eclipsado não só por Jackson (o que já era de se esperar), mas também por todas as atrizes com quem divide cenas. E se Louis Lombardi até diverte como os capangas clonados (Miller deve ser fã da série 24 Horas, já que, além de Lombardi, escalou também Eric Balfour), Dan Lauria parece ignorar os aspectos camp da produção, já que encarna Dolan com uma seriedade inabalável. Aliás, esta inconsistência nas caracterizações dos vários personagens é mais um atestado da falta de domínio de Miller sobre a narrativa, o que é lamentável.

 

Contudo, há ao menos um aspecto no qual The Spirit é um triunfo absoluto: seu elenco feminino. Tratando as mulheres como quase divindades em um mundo feio e sem cor, Frank Miller permite que cada uma daquelas personagens exiba um traço distinto e marcante ao surgir em cena, desde os cílios impossivelmente longos de Silken Floss até o corpo escultural de Sand Saref, que mal parece se conter dentro dos apertados vestidos. Aliás, o figurinista Michael Dennison não poupa esforços para criar roupas que escondam ou revelem detalhes dos corpos de suas atrizes de acordo com o que mais funciona em cada instante para atiçar a imaginação de Spirit (e da platéia masculina), transformando o filme num constante jogo de sedução. Soma-se a isto a técnica clássica do soft focus, que confere às mulheres uma característica etérea, irreal, como se estas pertencessem a uma outra dimensão. E ainda que Eva Mendes e Scarlett Johansson interpretem as personagens mais proeminentes, eu estaria cometendo uma terrível injustiça caso não citasse também as belíssimas Paz Vega e Stana Katic, igualmente sedutoras.

 

Em certo momento do filme, os personagens de Lombardi, incumbidos de descobrirem o paradeiro de Saref, comunicam seu fracasso ao chefe explicando que “procuraram em todos os lugares. Menos naquele em que ela estava”. É uma fala engraçada que, curiosamente, também reflete a própria abordagem de Frank Miller como diretor, que, embora atirando para todos os lados ao construir sua narrativa, acaba não acertando em praticamente nada.

 

20 de Março de 2009

 

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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