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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
02/02/2007 01/01/1970 3 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
132 minuto(s)

A Conquista da Honra
Flags of Our Fathers

Dirigido por Clint Eastwood. Com: Ryan Phillippe, Adam Beach, Jesse Bradford, John Benjamin Hickey, Barry Pepper, Jamie Bell, Paul Walker, Robert Patrick, Neal McDonough, Melanie Lynskey, John Slattery, Thomas McCarthy.

A Propaganda (é, aquela com “P” maiúsculo) sempre foi e continuará a ser um instrumento crucial durante as guerras. Para as nações envolvidas em conflitos armados, não apenas é fundamental convencer a população civil de que o inimigo é a verdadeira encarnação do Diabo como também é preciso alardear os valores de suas próprias causas e o heroísmo de seus soldados – e, neste sentido, a velha máxima de que “uma imagem vale mais do que mil palavras” desempenha papel de imensa importância.

Um exemplo claro desta estratégia político-militar para mover a Sociedade e arrecadar mais e mais fundos para o incansável devorador de dinheiro que é o monstro da Guerra pode ser encontrado na história por trás da emblemática foto tirada por Joe Rosenthal em Iwo Jima e que mostra um grupo de soldados norte-americanos erguendo a bandeira dos Estados Unidos em uma montanha japonesa. Escrito pelo onipresente Paul Haggis (Crash, Menina de Ouro, Cassino Royale) e por William Broyles Jr. (Soldado Anônimo), o roteiro de A Conquista da Honra reconta as curiosas circunstâncias nas quais a fotografia foi tirada e as conseqüências que esta trouxe para três dos soldados retratados, que foram levados de volta para casa a fim de trabalharem na divulgação dos títulos de guerra que permitiram que o governo Roosevelt arrecadasse fundos suficientes para manter o país sempre com força no conflito. Inspirado em livro de James Bradley e Ron Powers, o filme tenta discutir o conceito de “heroísmo” e a livre manipulação dos fatos para que estes se tornem mais “comercializáveis”.

Um dos pré-requisitos para que a História seja mais impactante e, conseqüentemente, mais interessante para o público médio reside na simplificação grosseira de ideologias e fatos – e estabelecer as figuras clássicas de “vilões” e “mocinhos” é um truque que praticamente todos os governantes adotaram em época de guerra (basta constatar a insistência com que Bush Jr. se refere aos seus inimigos como “praticantes do mal” e “bandidos”). Assim, ao transformar jovens soldados em celebrados heróis apenas porque estes ergueram uma segunda bandeira num país distante (o inacreditável destino da bandeira original é explicado pelo filme) é algo não apenas maniqueísta, mas também injusto para com os milhares de homens mortos em batalha e até mesmo para com os jovens inadvertidamente erguidos à condição de ícones, já que o peso da “honraria” torna-se insuportável para aqueles que sabem não merecê-la.

Como até mesmo o mais estúpido dos comandantes é capaz de reconhecer, um homem pode até ser levado ao campo de batalha por seus ideais, mas, já em combate, é sua lealdade aos colegas que o mantém lutando e arriscando a própria vida – e, neste contexto, o conceito de “heroísmo” torna-se significativamente menos importante do que o de “companheirismo”. Aliás, um dos grandes méritos de Clint Eastwood em A Conquista da Honra diz respeito justamente ao cuidado com que retrata a convivência entre os soldados, que, durante a longa espera até o momento em que finalmente irão disparar suas armas, dividem suas inseguranças, sonhos e experiências uns com os outros, estabelecendo ligações que se revelarão fundamentais durante as batalhas.

Ao mesmo tempo, a honra de seus jovens combatentes é uma preocupação insignificante para os comandantes e presidentes das nações envolvidas; corrigir a identidade de um soldado já morto é algo que simplesmente não interessa diante da possibilidade de utilizar o erro para arrecadar verbas. Numa guerra, não há indivíduos; há tropas – e se um homem cai no mar por acidente, é preferível deixá-lo afogar-se do que atrasar o cronograma de combate apenas com o objetivo de resgatá-lo. E há, além disso, a hipocrisia desprezível das Sociedades que discriminam aqueles que se arriscam justamente para protegê-las, desde os soldados negros da Guerra Civil Americana (ver Tempo de Glória) aos norte-africanos que lutaram no exército francês durante a Segunda Guerra (ver Dias de Glória), passando pelos índios representados por um atormentado Adam Beach neste A Conquista da Honra (infelizmente, aqui a mensagem surge de maneira óbvia em cenas artificiais que não conseguem ser salvas nem mesmo pela bela performance do ator, cujo personagem já foi retratado também por Tony Curtis em O Sexto Homem).

Mergulhado em um tom cinza dessaturado que vem se tornando clichê nos filmes do gênero, este trabalho de Eastwood torna-se mais eficaz sempre que se concentra nas seqüências de batalha, que são encenadas com vigor e violência – e o primeiro confronto em Iwo Jima é precedido por um suspense bem construído através da montagem, que enfoca a preparação silenciosa dos soldados japoneses enquanto seus inimigos se movem cuidadosamente em direção aos bunkers camuflados. Além disso, o cineasta é hábil ao ilustrar a dimensão do conflito através dos planos aéreos que enfocam dezenas de navios transportando as tropas norte-americanas e também daqueles que descortinam as explosões e tiroteios à distância (aliás, a edição de efeitos sonoros nestas seqüências é desconcertante, mergulhando o espectador no caos da batalha). Em contrapartida, a decisão de incluir uma espécie de entrevistador que arranca depoimentos de figuras envolvidas na Guerra soa ineficaz e parece apenas uma cópia barata de Cidadão Kane, já que o sujeito freqüentemente se encontra oculto por sombras (faltou apenas colocá-lo sempre de costas para a câmera a fim de estabelecer de vez a relação com o jornalista do filme de Orson Welles).

Porém, talvez o maior problema de A Conquista da Honra resida em sua estrutura narrativa, já que a montagem de Joel Cox, colaborador habitual de Eastwood, freqüentemente salta abruptamente de um tempo a outro na história sempre que a trama parece estar ganhando ritmo, apelando para flashbacks dentro de flashbacks e retornando ao presente de maneira desnecessária e frustrante. Cox até procura criar transições mais fluidas através de âncoras visuais e diálogos repetidos, mas isto não torna a narrativa mais interessante. Além disso, o filme acaba tornando-se repetitivo, falhando em estabelecer diferenças significativas entre uma batalha e outra. Para piorar, a conclusão do longa é extensa e desajeitada, dependendo excessivamente da narração para amarrar as pontas soltas.

Apesar do tom de importância que empresta a si mesma, A Conquista da Honra é uma empreitada apenas razoável que, sob todo o seu barulho, esconde uma lição há muito estabelecida pelo clássico O Homem que Matou o Facínora: “quando a lenda se torna um fato, publique-se a lenda”.

Observação: Há uma homenagem aos verdadeiros protagonistas da batalha de Iwo Jima durante e após os créditos finais.

03 de Fevereiro de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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