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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
17/03/2006 17/03/2006 2 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
93 minuto(s)

Gatão de Meia Idade
Gatão de Meia Idade

Dirigido por Antonio Carlos da Fontoura. Com: Alexandre Borges, Julia Lemmertz, Renata Nascimento, Thais Fersoza, Ângela Vieira, Cristiana Oliveira, Paulo César Pereio, Ernesto Piccolo, Eduardo Lago, André De Biase, Flávia Monteiro, Bel Kutner, Alexia Dechamps, Paula Burlamaqui, Rita Guedes, Lavinia Vlasak, Ilka Soares, Marcio Kieling, Antonio Grassi.

 

Só uma coisa evita que Gatão de Meia Idade se transforme em um embaraço pavoroso para todos os envolvidos: a atuação repleta de carisma e charme de Alexandre Borges, que, vivendo o personagem-título com a dose correta de irreverência e auto-depreciação, leva o espectador a perceber que aquele filme poderia ter sido realmente interessante caso não tivesse um roteiro tão amador, que, além de nem sequer conseguir estabelecer uma ligação adequada entre suas cenas, ainda encerra a narrativa de forma súbita e mal amarrada.

           

Baseado nos cartuns de Miguel Paiva, o filme já assume o tom errado desde sua primeira cena, quando, depois de fazer sexo com uma quase desconhecida interpretada por Paula Burlamaqui, Cláudio (o “gatão de meia idade”) olha para o relógio e anuncia que tem que ir embora, o que imediatamente inspira sua companheira a fazer um discurso pateticamente óbvio e vazio, numa tentativa frustrada de estabelecer a falta de comprometimento emocional do protagonista através do estereótipo da mulher carente e pegajosa. Aliás, Gatão de Meia Idade é um longa que não traz personagens, mas tipos, e o roteiro investe em diálogos freqüentemente artificiais que procuram a piada rasa, fácil, em vez de se preocupar em criar uma estrutura minimamente identificável. A impressão que temos é a de que a história foi construída a partir de duzentos ou trezentos cartuns envolvendo o personagem, convertendo o filme em uma simples série de esquetes (sem graça, em sua maioria).

 

A falta de consistência do roteiro é tão grande, diga-se de passagem, que, lá pelas tantas, o protagonista interrompe uma cena para dizer, em uma narração intrusiva, que determinada personagem não pode “entrar no filme” sem uma apresentação prévia – um recurso de metalinguagem que o longa utiliza sem mais nem menos, já que, até então, nada indicara que haveria uma quebra da quarta parede (a única narração ouvida anteriormente ocorrera em uma cena na qual Cláudio surgia desenhando, o que justificara o off como sendo o pensamento do sujeito durante a criação do cartum, e só). Além disso, a falta de coerência se manifesta também nas ações do Gatão: depois de abordar uma ninfeta com o propósito claro de seduzi-la, ele imediatamente muda de atitude quando a garota corresponde, alegando que tem uma filha igualmente jovem e até mesmo sugerindo que ela tome um milkshake quando surge a idéia de beberem algo juntos.

 

Evidenciando ainda o anacronismo do pensamento dos cinco (!) roteiristas, Gatão de Meia Idade ilustra a juventude de Patricinha ao exibi-la de pijamas saltando em um sofá e entregando-se a uma guerra de travesseiros com a filha de Cláudio – uma imagem que, além de clichê, cheira a mofo e naftalina (assim como a “piadinha” no aeroporto, quando ouvimos várias vezes alguém dizer pelos alto-falantes a frase “É Flórida!”). Por outro lado, eu gostaria de acreditar que o comentário feito por Betty, ex-esposa do Gatão, acerca de suas namoradas cada vez mais jovens (“Daqui a pouco você vai estar saindo com um óvulo!”), se parece com outra quase idêntica do filme Amigos Sempre Amigos (“Daqui a pouco você vai estar saindo com um saco de esperma!”) apenas por uma simples coincidência, e não por ser fruto de plágio. No entanto, isso fica um pouco difícil quando percebemos que Gatão de Meia Idade exibe um senso moral rasteiro ao retratar a única mulher negra presente no filme como sendo candidata à vaga de empregada doméstica – embora conquistador nato, o protagonista parece se limitar às integrantes de sua própria raça.

 

Aliás, qual o propósito da seqüência envolvendo a busca por uma nova empregada? Como ela se encaixa na estrutura do roteiro (se é que ele tem uma)? A resposta: não se encaixa. Assim como gags envolvendo a primeira menstruação da filha de Cláudio ou a convergência de várias das suas namoradas em um restaurante, o filme busca sempre a piada imediata, sem se preocupar com o que vem a seguir. Quando o Gatão relembra alguns de seus casos, por exemplo, vemos uma montagem com várias tiradas envolvendo person... tipos diferentes (e algumas são realmente engraçadas, como aquela que traz Bel Kutner), mas, além da referência óbvia a Alta Fidelidade (aliás, Borges não é parecido com John Cusack?), soam como momentos contidos em si mesmos, que jamais acrescentam muito ao arco geral da narrativa.

 

Enquanto isso, o veterano diretor Antonio Carlos da Fontoura, responsável por bons filmes como Espelho de Carne e A Rainha Diaba, exibe uma surpreendente falta de senso estético, criando quadros deselegantes que parecem observar aquele universo de fora para dentro, como num teatro filmado, já que os cenários surgem apenas como cenários, e não como ambientes reais – problema cuja causa também deve ser atribuída às marcações de cena constrangedoramente amadoras: observem, por exemplo, o momento em que o Gatão conversa com sua filha e Patricinha na cozinha e percebam como os três se espremem no centro do quadro, deixando o cenário “sobrando” para os lados; e veja, da mesma forma, como a festa no apartamento de uma conhecida do personagem é orquestrada de maneira terrivelmente artificial, com figurantes pouco à vontade e uma dinâmica que salienta a falsidade da situação. Para piorar, Fontoura inclui cenas de sexo desnecessariamente gráficas que servem apenas para limitar o alcance etário do projeto, já que poderiam perfeitamente ter sido realizadas de maneira mais sutil e sem tanta nudez (resquícios do Cinema brasileiro dos anos 80? Provavelmente.)

 

Infelizmente, os tropeços não param por aí: a montagem de Sérgio Sbragia, além de jamais conseguir conferir estrutura ao filme (se bem que, por mais determinante que seja a edição, é impossível fazer milagres quando o roteiro se recusa terminantemente a ajudar), ainda falha ao criar transições sem a menor lógica: durante uma discussão entre Cláudio e sua ex-esposa, por exemplo, saltamos subitamente para um plano no qual o personagem surge abrindo a geladeira vazia – e só depois de alguns segundos é que percebemos que a cena anterior já acabou. Porém, ainda pior é a trilha sonora de Pedro Cintra e Zé Rodrix, que parece um esforço amador para uma produção sem recursos – ou, na melhor das hipóteses, algo que se adequaria mais como tema de uma série para a televisão.

 

Taí: como piloto para uma sitcom, Gatão de Meia Idade funcionaria moderadamente bem. Como Cinema, no entanto, serve apenas para que apreciemos o talento de seu elenco e, especialmente, de seu protagonista.
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17 de Março de 2006

 

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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