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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
25/11/2005 07/09/2005 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
106 minuto(s)

Flores Partidas
Broken Flowers

Dirigido por Jim Jarmusch. Com: Bill Murray, Jeffrey Wright, Sharon Stone, Frances Conroy, Julie Delpy, Tilda Swinton, Jessica Lange, Mark Webber, Alexis Dziena, Christopher McDonald, Chloë Sevigny.

É irônico que Don Johnston, um homem de meia-idade que atravessa os dias em extrema apatia, seja constantemente comparado à figura lendária de Don Juan, já que seu cotidiano está longe de apresentar a vivacidade e as emoções que caracterizavam o famoso conquistador. Por outro lado, ele certamente exerce algum tipo de fascinação sobre as mulheres, já que, no começo de Flores Partidas, está morando com uma garota interpretada por ninguém menos do que Julie Delpy – que está justamente abandonando-o. (Seja lá o que elas enxergam em Don, a impassibilidade do sujeito acaba afastando-as eventualmente.) É então que ele recebe uma carta, enviada por uma de suas antigas namoradas – que não se identifica –, informando-o de que tem um filho quase adulto e que este saiu à sua procura. Incentivado (ou melhor: obrigado) pelo vizinho e amigo Winston, Don parte em uma viagem a fim de reencontrar as cinco prováveis autoras da carta e descobrir qual delas é a mãe deste seu filho desconhecido.

Reinventado por Wes Anderson em Três É Demais, Bill Murray vem se especializando em interpretar indivíduos de meia-idade em plena crise existencial (o que quase lhe rendeu um Oscar por Encontros e Desencontros) – e seu estilo de atuação minimalista, através do qual uma expressão de cinismo ou desconforto pode dizer mais do que trinta páginas de diálogos, se mostra mais do que adequado em Flores Partidas, transformando um personagem difícil em um dos maiores sucessos artísticos de sua carreira (na realidade, arrisco-me a dizer que ele está ainda melhor do que no filme de Sofia Coppola).

À primeira vista, Don pode parecer um homem mergulhado em forte depressão, já que insiste em permanecer sentado ou deitado em seu sofá, com as luzes apagadas, enquanto escuta músicas que podem ou não estar lhe dizendo alguma coisa. Aos poucos, porém, compreendemos que, para estar deprimido, ele precisaria, primeiro, sentir alguma coisa. E Don aparentemente se resume a um imutável vácuo emocional, passando os dias numa constante indiferença com relação ao mundo e às demais pessoas – algo salientado por seu figurino (ele usa training quase o tempo todo) e pela montagem de Jay Rabinowitz, que utiliza fades freqüentes para ilustrar como nada acontece na vida do personagem.

Assim sendo, por que Don resolve partir na tal jornada? Sim, Winston insiste na idéia, mas ele poderia se recusar a viajar. A verdade é que nem mesmo ele conhece exatamente suas próprias motivações. Poderia ser porque ele não tem nada melhor para fazer com seu tempo? Ou está apenas curioso para rever as antigas amantes? Este, aliás, é o centro de Flores Partidas: não a viagem em si ou mesmo a investigação sobre o tal filho, que é apenas uma desculpa apresentada pelo roteiro de Jim Jarmusch, mas sim o processo de auto-descoberta vivido por Don. E esta experiência não segue necessariamente as convenções do gênero, culminando num momento catártico que mudará a vida do protagonista; significa apenas que Don passa a perceber a frivolidade de sua existência – e Bill Murray, com sua economia usual, jamais ultrapassa o limite do personagem: quando Don visita um cemitério, por exemplo, percebemos que seus olhos estão marejados e que ele está vivendo um momento delicado, mas só. Aquele homem jamais se permitiria cair em prantos, estando em público ou não.

Esta composição introspectiva do personagem permite, de forma paradoxal, que conheçamos um pouco sobre seus processos internos, mas é sua interação com as ex-namoradas que oferece elementos que realmente permitem que o espectador tente decifrar aquele homem. Através da conservadora e fria Dora (Conroy), descobrimos que Don esteve em Woodstock, o que contrasta enormemente com a imagem que formáramos dele; já o ódio de Penny (Swinton) pelo ex-amante indica que, apesar de sua impassibilidade, ele é capaz de despertar sentimentos intensos em quem o cerca – o que, por sua vez, é bastante diferente da reação que ele provoca em Laura (Stone), que o considera suficientemente afável e inofensivo a ponto de usá-lo para suprir suas próprias carências afetivas (aliás, ela nem sequer parece se importar com o fato de sua filha adolescente desfilar nua ou semi-nua na frente do sujeito, fazendo jus – sem saber – ao nome com o qual foi batizada: Lolita).

Enquanto isso, Jamursch faz o possível para demonstrar para o espectador a forma desapaixonada com que Don assume sua `investigação`: ao longo de Flores Partidas, vemos o protagonista consultar inúmeros mapas; acompanhamos longos planos nos quais nada acontece além do deslocamento de seu carro e testemunhamos suas paradas para pedir informações – tudo isso a fim de que compreendamos a experiência entediante que aquilo representa para Don (neste sentido, a repetitiva trilha instrumental é fundamental para complementar a sensação de irritação).

A estratégia do cineasta, porém, é arriscada e, de fato, acaba prejudicando um pouco o filme: a frieza da jornada de Don é importante, sim, para que conheçamos o personagem, mas também resulta num distanciamento perigoso entre a narrativa e o público, tornando a experiência excessivamente racional. Assim, é impossível dizer que nos importamos com Don e suas atribulações; apreciamos a oportunidade de vê-lo viver, mas não torcemos realmente para que aprenda a fazê-lo.

Neste sentido, Flores Partidas é um trabalho curioso: ao sair do cinema, confesso que me senti tão vazio quanto seu anti-herói – e este vazio me deixou frustrado com a experiência. Em retrospecto, no entanto, à medida que repenso o filme, admiro a abordagem de Jim Jarmusch cada vez mais. E, desta forma, o longa é um retrato perfeito de seu protagonista, revelando-se mais interessante quando visto à distância.
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25 de Novembro de 2005

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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