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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/12/2006 01/01/1970 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
112 minuto(s)

O Labirinto do Fauno
El Laberinto del Fauno

Dirigido por Guillermo del Toro. Com: Ivana Baquero, Sergi López, Ariadna Gil, Maribel Verdú, Alex Ângulo, Roger Casamajor, Doug Jones, César Vea.

Em 2001, o cineasta mexicano Guillermo del Toro realizou um dos mais belos filmes já produzidos sobre as terríveis conseqüências da Guerra Civil Espanhola, que durou entre 1936 e 1939, consumiu centenas de milhares de vidas e mergulhou o país em um caos econômico do qual só sairia décadas depois, deixando cicatrizes profundas também nas gerações seguintes. Combinando realidade e fantasia, A Espinha do Diabo usava sua história de fantasmas não apenas como base para o suspense, mas também como metáfora forte e angustiante do mundo além do orfanato habitado pelo pequeno Carlos. Agora, cinco anos depois, del Toro lança uma obra igualmente poderosa que, em tom e tema, é praticamente uma continuação daquele filme (e ambos dividem com Almas Gêmeas, de Peter Jackson, estas características narrativas de fuga de uma realidade triste através da fantasia).


Escrito pelo próprio diretor ao lado de Antonio Trashorras e David Muñoz (o mesmo trio de A Espinha do Diabo), O Labirinto do Fauno se passa em 1944, quando o regime nacionalista de Franco já se consolidou, enfrentando apenas resistências pontuais de pequenos grupos republicanos. Viajando com a mãe grávida para um posto militar no Norte da Espanha, a jovem Ofélia (Baquero, incrivelmente talentosa e expressiva) sabe que será obrigada a conviver com o padrasto, o desprezível Capitão Vidal (López), com quem sua mãe se casou a fim de ter um pouco mais de segurança em um país dominado pela incerteza. Enquanto o sujeito se preocupa em capturar rebeldes locais, Ofélia explora os arredores e acaba encontrando um labirinto, no centro do qual reside um Fauno (Jones) que a reconhece como herdeira do trono do Mundo Subterrâneo, desafiando-a a realizar três perigosas tarefas que, se cumpridas, comprovarão sua identidade.

Fotografado de maneira brilhante por Guillermo Navarro, O Labirinto do Fauno nos apresenta a um universo sempre triste, sombrio e ameaçador – e o pessimismo que atravessa a história pode ser simbolizado pela flor que, embora ofereça a imortalidade em suas pétalas, é totalmente cercada por espinhos venenosos, numa metáfora clara dos sonhos de felicidade de Ofélia, sempre frustrados por uma realidade dolorosa e intransponível. É curioso, também, que del Toro vista a protagonista, em certo momento, com uma roupa idêntica à de Alice, trocando apenas o alegre azul por um deprimente verde, já que não há absolutamente nada de “maravilhoso” na trajetória da menina.

Constantemente deslocando-se entre a realidade e o mundo fantasioso oferecido pelo Fauno, Ofélia parece temer com maior intensidade o próprio padrasto do que as pavorosas criaturas que é levada a enfrentar pelo ser - e com razão: irmão de alma do Amon Goeth vivido por Ralph Fiennes em A Lista de Schindler, o Capitão Vidal é um homem sádico e frio cuja obsessão pela precisão mecânica de suas ações se reflete no cuidado com que mantém um relógio e também em sua rotina imutável, que inclui a maneira detalhada com que lida com o próprio barbear (e sua natureza demoníaca é ilustrada, em certo momento, por um plano no qual o vemos envolto pela luz flamejante que sai da lareira diante da qual se encontra). Assim, embora visualmente remeta às fábulas, O Labirinto de Fauno traz, como vilão, uma figura plausível do ponto de vista histórico, numa combinação que atinge seu auge na cena que, banhado por uma Lua saída de conto de fadas e um céu lindamente estrelado, o capitão desfigura um rebelde com vários golpes violentos, num plano contínuo que me fez lembrar do ataque com o extintor de incêndio em Irreversível.

Del Toro, aliás, sempre demonstrou preferência por imagens absurdamente gráficas e pela escatologia – duas características fartamente presentes neste longa e ainda mais potencializadas pela utilização de ótimos efeitos visuais. Da mesma forma, a excepcional maquiagem concebida pela equipe do veterano José Quetglás é responsável por dar vida a criaturas incrivelmente imaginativas e perturbadoras, do Fauno interpretado por Doug Jones ao pavoroso ser que, para enxergar, precisa colocar as mãos abertas diante da cabeça, já que seus olhos se encontram em suas palmas. Além disso, os magníficos cenários se revelam fundamentais para que mergulhemos, ao lado de Ofélia, naquele mundo mágico e assombroso (e é claro que o labirinto vivo logo dá origem a uma homenagem declarada a O Iluminado).

Triste como A Espinha do Diabo, O Labirinto do Fauno é uma obra de força inegável e de poética melancolia, encerrando-se com uma nota ambígua que levará o espectador a refletir profundamente sobre o que acabou de testemunhar – e, dependendo da interpretação encontrada por cada um (a minha se assemelha à oferecida por este filme), o novo trabalho de Guillermo del Toro poderá ser visto como triste fantasia ou trágica realidade. De uma maneira ou de outra, não há espaço para a alegria em sua narrativa.

30 de Novembro de 2006

 

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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