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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
29/07/2005 14/07/2004 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
111 minuto(s)

Provocação
The Door in the Floor

Dirigido por Tod Williams. Com: Jeff Bridges, Kim Basinger, Jon Foster, Elle Fanning, John Rothman, Mimi Rogers, Bijou Phillips, Donna Murphy, Louis Arcella.

Como alguém pode ter concluído que Provocação seria uma tradução adequada para The Door in the Floor? Antes de qualquer coisa, não creio que o título escolhido (excessivamente genérico) seja mais `vendável` do que A Porta no Chão e, além disso, apresenta uma idéia simplista e equivocada das ações dos personagens do filme. E o que é pior: atira no lixo o belíssimo símbolo construído pelo diretor-roteirista Tod Williams a partir do livro de John Irving.

Adaptado do terço inicial de Viúva por um Ano, o roteiro gira em torno do escritor de livros infantis Ted Cole (Bridges), de sua esposa Marion (Basinger) e do jovem Eddie O’Hare (Foster), que é contratado como assistente de Ted durante o verão. Profundo admirador do autor, ele logo percebe que o casamento de Ted e Marion está enfrentando graves problemas desde que os filhos gêmeos do casal morreram em um acidente, há alguns anos – uma situação que piorou ainda mais depois do nascimento de Ruth (Fanning), que, aos quatro anos de idade, é obcecada pela galeria de fotos dos irmãos que sequer chegou a conhecer. A chegada de Eddie acaba alterando a dinâmica daquela família profundamente machucada, levando a conflitos e resoluções há muito evitados.

Oferecendo uma das melhores performances de sua já rica carreira, Jeff Bridges compreende que Ted não é uma pessoa cruel, mas um homem que não conseguiu se recuperar depois de uma tragédia e que, portanto, procura preencher a vida com atividades que o impedem de pensar em suas perdas. Carismático e bom pai, o escritor só se mostra inteiramente honesto e à vontade quando se encontra ao lado da filha, demonstrando um grande conhecimento da alma infantil através não apenas de suas conversas com a garota, mas, principalmente, através de seus livros (algo que discutirei adiante). E, entre os vários méritos da composição de Bridges, encontra-se a proeza de fazer com que Ted seja simultaneamente caloroso e seco em seus relacionamentos com Eddie, Marion e Evelyn (Rogers).

Kim Basinger, por sua vez, é competente ao retratar o esgotamento emocional de Marion, que, apesar de bela, tem uma aparência obviamente envelhecida, cansada. Enquanto isso, Jon Foster exibe segurança ao contracenar com os dois veteranos, sendo particularmente eficaz ao encarnar o interesse sexual de seu jovem personagem pela madura Marion (o que não deve ter sido muito difícil; afinal, estamos falando de Kim Basinger!). Foster perde-se um pouco apenas ao exagerar na insegurança de Eddie – principalmente em sua insistência em desviar o olhar durante a primeira metade da projeção. Da mesma forma, a pequena Elle Fanning comprova o talento da família (é irmã caçula de Dakota, de Guerra dos Mundos) e interpreta Ruth como uma criança real, sem tentar ser engraçadinha ou excessivamente precoce. Fechando o elenco, Mimi Rogers, apesar de não ter muito espaço para desenvolver sua personagem, merece aplausos pela coragem em exibir sua nudez bonita de mulher de meia-idade não-plastificada.

Concentrando-se nas relações entre estes personagens, A Porta no Chão (recuso-me a usar o título brasileiro) é um filme para adultos: encarar Ted como um simples mulherengo, por exemplo, seria uma interpretação superficial, impensada: o que ele procura nas mulheres é a distração, a fuga de sua realidade, o que confere a este `defeito` de caráter um aspecto comovente – e, ao longo da projeção, torcemos para que ele consiga expor seus sentimentos e chorar, já que nos sentimos sufocados por sua óbvia repressão emocional. Já Marion encontra em Eddie a oportunidade de se abrir, de desabafar – além, é claro, de finalmente poder conviver com alguém que não compartilha sua tragédia. E o rapaz, por sua vez, é um inocente, um pobre garoto que se meteu em uma situação que exigia uma maturidade com a qual ele ainda não contava – e seu processo de crescimento também se torna parte importante da história.

No entanto, ainda que exiba uma complexidade psicológica cada vez mais rara nas produções norte-americanas, A Porta no Chão não é um filme `difícil`, deprimente: aos momentos mais dramáticos contrapõem-se cenas absolutamente hilárias – um atributo que este longa divide com O Mundo Segundo Garp, também inspirado em livro de John Irving (aliás, há várias semelhanças entre os dois filmes, como o efeito da perda de um filho sobre o casamento). Ainda assim, vale dizer que, mesmo nas seqüências mais leves, a belíssima trilha sonora composta pelo brasileiro Marcelo Zarvos procura manter o tom melancólico, o que também serve para ressaltar a natureza patética do que está sendo visto na tela. Por fim, a direção de Tod Williams, além de abrir espaço importante para a força das atuações do elenco, destaca-se por não ter medo do silêncio, já que alguns dos instantes mais poderosos do projeto são justamente aqueles em que os atores não trocam uma palavra sequer.

Porém, a cena mais forte do longa é mesmo aquela em que Ted Cole lê A Porta no Chão para uma platéia de adultos – o que não é de se estranhar, já que os grandes clássicos da literatura infantil são justamente aqueles que, ricos em símbolos e metáforas, acabam se tornando tão fascinantes para os pais quanto o são para os filhos. E este é, sem dúvida, o caso do livro de Ted (cujas gravuras foram pintadas pelo próprio Jeff Bridges), uma fábula sobre o medo que todos temos do desconhecido, dos obstáculos e surpresas que o futuro nos reserva – e sobre como estes receios podem nos paralisar a ponto de nos fazer perder também as coisas boas que a vida nos reserva.

É um momento maravilhoso que acaba formando uma rima visual com o último plano do filme, que, com sua simplicidade aparente, leva o espectador a sair do cinema com um nó na garganta.
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29 de Julho de 2005

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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