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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
22/10/2004 20/08/2004 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
79 minuto(s)

Direção

Chris Kentis

Elenco

Blanchard Ryan , Daniel Travis , Saul Stein

Roteiro

Chris Kentis

Produção

Laura Lau

Fotografia

Chris Kentis , Laura Lau

Música

Graeme Revell

Montagem

Chris Kentis

Mar Aberto
Open Water

Dirigido por Chris Kentis. Com: Blanchard Ryan, Daniel Travis.

Freqüentemente, quando escrevo sobre produções pertencentes ao gênero `suspense` ou `terror`, faço questão de salientar a artificialidade da tensão gerada pelo projeto caso este apele de forma constante à trilha sonora para provocar sustos no espectador. Pois desta vez não tenho do que reclamar: Mar Aberto é a prova inconteste de que é perfeitamente possível deixar o público com os nervos à flor da pele sem que, para isto, precise assustá-lo com acordes altos na trilha.

Inspirado em uma história real ocorrida em 1998 (envolvendo os americanos Tom e Eileen Lonergan), o filme gira em torno de um casal que, durante uma excursão de mergulho, é esquecido no meio do oceano pelos guias da expedição em função de um erro na contagem dos turistas. Reconhecendo que nadar em busca de auxílio seria uma tarefa infrutífera, Daniel e Susan são obrigados a aguardar o duvidoso retorno do barco, mas, aos poucos, percebem que estão cercados por tubarões e que talvez não tenham muito tempo de vida.

Realizado em vídeo digital pelo cineasta Chris Kentis, Mar Aberto emprega as (ainda existentes) limitações do formato em prol da narrativa, utilizando sua estética para conferir um tom de `vídeo caseiro` ao filme, como se estivéssemos assistindo a imagens reais captadas por um cinegrafista amador, com direito a movimentos de câmera e enquadramentos pouco elegantes. Neste sentido, o longa lembra – e muito – A Bruxa de Blair, buscando aumentar o impacto de sua história ao nos fazer `acreditar` que estamos testemunhando os incidentes à medida em que estes realmente ocorrem (é claro que, para isto, temos que participar ativamente da brincadeira, permitindo que a fantasia se converta em `fato`). Aliás, assim como em Blair, aqui os personagens também são batizados com os nomes de seus intérpretes (o verdadeiro nome da atriz Blanchard Ryan é Susan).

Porém, a inteligência de Kentis como diretor não se limita ao formato escolhido (que certamente foi adotado também por razões econômicas): para aumentar a identificação do espectador com o drama dos protagonistas, ele permite que acompanhemos momentos prosaicos da vida do casal, como quando dividem a pia do banheiro enquanto escovam os dentes antes de dormir e, é claro, ao exibir a nudez casual, nada hollywoodiana (ainda que bela), de Susan. Da mesma forma, o cineasta estabelece com sutileza um certo desconforto na relação dos personagens, evidenciando para o público que aquela frieza indica um distanciamento entre os dois, acrescentando mais dimensão ao filme. E o que dizer do belo momento em que Kentis introduz uma seqüência em terra firme, mostrando vários turistas se divertindo enquanto Daniel e Susan lutam para sobreviver no oceano? Sem empregar diálogos `profundos` ou metáforas visuais, o diretor ressalta o absurdo da situação e a solidão dos personagens através do simples contraste entre a alegria descompromissada dos turistas e o abandono desesperado do casal.

Aliás, as ótimas atuações de Daniel Travis e Blanchard Ryan são fundamentais para a eficiência de Mar Aberto: desconhecidos do grande público (sim, como o trio de A Bruxa de Blair), eles se apresentam para os espectadores sem a bagagem dos grandes astros, possibilitando que os encaremos sem quaisquer expectativas – e, a partir daí, ilustram com talento o progressivo colapso emocional de seus personagens, que, se inicialmente encaram a situação como um mero inconveniente, gradualmente percebem a gravidade do que está ocorrendo e perdem a calma, oscilando entre o cansaço, a resignação e a necessidade de culpar alguém (no caso, um ao outro) pelo desastre. E, mais uma vez provando sua sensibilidade, Chris Kentis (também autor do roteiro) faz com que o casal mantenha conversas que soam reais, sem apelar para discursos complexos e presunçosos: Daniel e Susan discutem como qualquer casal naquela situação provavelmente o faria.

Finalmente, o diretor comprova ter aprendido a lição ensinada por Spielberg em Tubarão e aposta na sutileza ao estabelecer a ameaça representada pelos bichos – e quando mais tarde mergulha sua câmera na água e permite que vejamos o número de animais, o impacto é infinitamente maior. Além disso, como expliquei no início deste artigo, Kentis faz pouquíssimas intervenções na trilha sonora, optando por sons naturais (a seqüência do temporal durante a noite é brilhante) e até mesmo pelo silêncio absoluto (que se revela enervante nestas condições).

Mas Mar Aberto não funciona apenas como um suspense exemplar; é, acima de tudo, um estudo sobre a fragilidade do Homem diante da Natureza e sobre a maneira com que enxergamos a morte. Susan e Daniel sabem que morrerão caso não sejam resgatados com rapidez, mas, ao contrário do que ocorre com a maior parte das pessoas, encontram-se numa situação que não os oferece outra opção a não ser pensar sobre a morte iminente.

E isto, talvez até mais do que a proximidade dos tubarões, é que se revela realmente apavorante.
``

23 de Outubro de 2004

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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