Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
24/02/2006 | 21/10/2005 | 2 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
126 minuto(s) |
Dirigido por Niki Caro. Com: Charlize Theron, Frances McDormand, Richard Jenkins, Sean Bean, Woody Harrelson, Sissy Spacek, Thomas Curtis, Elle Peterson, Jeremy Renner, James Cada, Rusty Schwimmer, Linda Emond, Michelle Monaghan, Amber Heard, John Aylward.
Terra Fria poderia até ter funcionado razoavelmente bem como um filme produzido para a televisão: os personagens esquemáticos se prestariam bem à necessidade de levar o telespectador a entender rapidamente quem são aquelas pessoas (já que nossa atenção é sempre dispersa quando estamos assistindo a algo no conforto do lar; seu roteiro cheio de buracos não incomodaria tanto, já que os intervalos comerciais despistariam sua falta de consistência; e a trama, maniqueísta e óbvia, estaria à vontade em meio a novelas, sitcoms e talk shows comandados por indivíduos sem o menor conteúdo. Como produção para Cinema, no entanto, o filme é equivocado do início ao fim, chegando a ponto de desmentir, em seus letreiros finais, as informações que acabara de fornecer em suas últimas cenas. Mais indolente, impossível.
Narrando a história real de uma mulher que, depois de sofrer vários abusos ao trabalhar em uma mina nos Estados Unidos, decidiu processar a empresa, Terra Fria tem início já em uma cena de tribunal, quando vemos a protagonista, Josey Aimes (Theron), testemunhando sobre as brincadeiras desrespeitosas e as agressões das quais foi vítima em seu período como mineira. A partir daí, o fraco roteiro de Michael Seitzman mergulha em uma série de flashbacks que revelam as circunstâncias que levaram Josey a aceitar aquele trabalho, seus conflitos com o pai e o eventual isolamento que sofre não apenas por parte dos “colegas” homens, mas também das outras mulheres, que viam, em sua insistência em denunciar os abusos, uma provocação que aumentaria ainda mais os problemas.
Errando já na estrutura da narrativa, que torna o filme episódico ao forçar os flashbacks ao longo das cenas de tribunal, como se estas servissem para comentar os incidentes vividos por Josey nas minas, Terra Fria foi dirigido pela neozelandesa Niki Caro, que se saíra infinitamente melhor em seu trabalho anterior, Encantadora de Baleias, que também girava em torno de uma personagem feminina cujas aspirações pessoais eram dificultadas por preconceitos sexuais. No entanto, enquanto naquele filme uma garotinha lutava para ser aceita por seu avô como líder natural de sua aldeia apesar das tradições locais, aqui a personagem de Charlize Theron tem o propósito bem mais real e urgente de conseguir sustentar a si mesma e aos filhos – e, ao descobrir o prazer da própria independência, de ser capaz de pagar suas contas, ela resolve lutar contra o chauvinismo de uma classe profissional que enxerga, na presença das mulheres, uma ameaça à própria virilidade.
Abandonando mais uma vez o glamour a fim de encarnar uma personagem inspirada em uma figura real (como em Monster – Desejo Assassino), Charlize Theron faz um bom trabalho ao retratar o desespero e a frustração de uma mulher que se vê cada vez mais acuada por tudo e por todos – o que, no entanto, não justifica sua despropositada indicação ao Oscar, já que, apesar de seus esforços, sua caracterização é comprometida pela fraca direção e pelo roteiro que insiste em transformá-la em uma caricatura. O mesmo, aliás, se aplica a Frances McDormand, cuja personagem é acometida por uma doença trágica (Esclerose Lateral) cuja progressão é ridiculamente condicionada a seguir as necessidades dramáticas da história, avançando ou se contendo de acordo com os desejos de um roteirista aparentemente obcecado com o melodrama. Enquanto isso, Woody Harrelson, com sua simpatia habitual, ganha o ingrato papel de advogado-interesse romântico da protagonista, o que leva o coadjuvante veterano Richard Jenkins, como pai de Josey, a se revelar como único destaque real do elenco, encarnando um indivíduo cuja amargura e falta de cultura quase o impedem de tomar a atitude correta quando a chance se apresenta: e vê-lo lutando contra as palavras diante de um público hostil representa, de fato, o único momento verdadeiramente comovente da projeção – e se alguém merecia uma indicação ao Oscar por Terra Fria, este seria Jenkins, que também apareceu muito bem em dois outros longas em 2005: As Loucuras de Dick e Jane e Dizem por Aí.
Já a cineasta Niki Caro se mostra completamente perdida, sem jamais conseguir exibir a segurança demonstrada em Encantadora de Baleias e abusando de recursos narrativos óbvios para estabelecer a relação entre os personagens (observem a câmera lenta grosseira quando a protagonista reconhece uma figura de seu passado). Aliás, Caro falha até mesmo em enxergar um problema patente na estrutura concebida pelo roteiro: quando vemos um determinado flashback que se passa na adolescência de Josey, imediatamente compreendemos o que acontecerá entre a garota e seu professor, mas o filme nos obriga a aguardar até que a tal cena seja retratada, vários flashbacks (totalmente irrelevantes) depois. Além disso, as seqüências no tribunal são um desastre absoluto: além do advogado vivido por Harrelson conseguir “arrancar a verdade” de uma testemunha hostil através de uma intimidação boba e inverossímil, o filme traz um dos julgamentos mais inacreditavelmente desorganizados já encenados pelo Cinema: advogados atacam testemunhas; integrantes da “platéia” interrompem os procedimentos para fazerem discursos (isto quando não estão saltando uns sobre os outros; o defensor da protagonista faz um “protesto” cuja justificativa é (acreditem ou não!) “nem sei por onde começar!”; e, como se não bastasse, os espectadores resolvem protagonizar um daqueles momentos “Eu sou Spartacus!”, onde todos se levantam gradualmente em defesa de alguém. Absolutamente patético.
Mas talvez o maior equívoco de Terra Fria seja moral: ao concentrar a defesa de Josey em seu comportamento sexual, o filme parece defender a reprovável idéia de que a moça só passa a merecer ser recompensada por seus infortúnios ao ser estabelecida como uma “boa garota” – o que nos leva a concluir que mulheres “promíscuas” (leia-se: sexualmente independentes) merecem ser agredidas e humilhadas.
Neste aspecto, os realizadores de Terra Fria se revelam bem mais repugnantes e perigosos do que os mineiros retratados em seu filme supostamente liberal.
23 de Fevereiro de 2006
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