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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
23/02/2007 01/01/1970 2 / 5 2 / 5
Distribuidora

Sangue e Chocolate
Blood and Chocolate

Dirigido por Katja von Garnier. Com: Agnes Bruckner, Hugh Dancy, Olivier Martinez, Katja Riemann, Bryan Dick, Chris Gere.

Ao longo de Sangue e Chocolate, dirigido pela alemã Katja von Garnier a partir do livro de Annette Curtis Klause, fui levado às gargalhadas em diversas ocasiões – o que seria ótimo para uma comédia, mas que se torna preocupante para um filme que se apresenta como terror. Trazendo um título que parece ter sido escolhido apenas por sua sonoridade, já que simplesmente não representa a história contada pelo roteiro, o longa é comandado com tanta incompetência que a cineasta deveria agradecer pelas risadas despertadas, já que, assim, seu trabalho provoca ao menos alguma reação na platéia.

Escrito por Christopher Landon e Ehren Kruger (que, seguindo o exemplo de Luc Besson, realiza um bom filme a cada cinco porcarias), Sangue e Chocolate conta a história de Vivian (Bruckner), uma jovem lobisomem (ou seria lobismulher?) que rejeita a própria natureza e se culpa pela morte de sua família. Vivendo numa Bucareste habitada por centenas daquelas criaturas, a moça está prestes a ser escolhida como a nova esposa do líder da matilha, Gabriel (Martinez), mas acaba se apaixonando por um humano que, é claro, está justamente escrevendo uma graphic novel sobre lobisomens – ou, como o filme insiste em chamá-los, “loup-garou” (acredito que, em francês, isto significa “roteiristas desesperados para adicionarem algum toque de pseudo-sofisticação a um trabalho medíocre e sem originalidade”). Depois de rejeitar as investidas iniciais de Aiden (Dancy), no entanto, Vivian acaba cedendo às cantadas do rapaz, embora tema que sua natureza animalesca represente um risco para a vida do sujeito (alguém mais lembrou de Sangue de Pantera, de 1942?). A partir daí, a história tenta apresentar o envolvimento de Vivian e Aiden como um romance proibido ao estilo Romeu & Julieta – e temo que, apenas por fazer esta comparação, eu tenha levado os átomos restantes de William Shakespeare a um processo de auto-implosão.

Como não poderia deixar de ser, Sangue e Chocolate logo menciona uma tal “profecia” e apresenta Vivian como a possível “eleita” mencionada pelos antigos – um elemento que o filme aborda apenas ocasionalmente, quando precisa encher lingüiça para aumentar o tempo de projeção. De modo geral, porém, o longa investe no forçado romance do casal principal, empregando clichês adoráveis como a fitinha vermelha que a mocinha deixa cair e que é encontrada pelo mocinho (os roteiristas devem ter achado que incluir um sapatinho de cristal seria demais; a inevitável cena em que a garota leva o namorado a um “lugar secreto” que ela adora visitar; o beijo apresentado em diversos ângulos, como um tira-teima açucarado; e, é claro, a montagem que mostra os jovens amantes rindo, passeando pela cidade e sendo ensopados por várias fontes ao som de uma música melosa.

Porém, pior que o elemento romântico do filme é seu esforço em se estabelecer como exemplar do gênero “terror”: basta dizer que, numa tentativa clara de economizar dinheiro, os produtores encenam as transformações das criaturas através de fusões que, disfarçadas por clarões inseridos digitalmente, substituem os atores por lobos de verdade – e, para tornar a coisa um pouco mais “interessante”, os atores mergulham no ar quando estão prestes a se transformarem em lobisomens (e um deles chega a dar um salto em parafuso, como se estivesse participando de uma Olimpíada. Faltou apenas que alguém levantasse uma plaquinha informando a nota da transformação: 5,85). Para piorar, é claro que os belos animais vistos ao longo projeção jamais se revelam particularmente monstruosos, parecendo-se mais com cachorros raivosos do que com criaturas sobrenaturais (fiquei com vontade de gritar “Senta! Finge de morto!” quando vi o vilão em sua forma canina). Mas o mais divertido é que, numa tentativa patética de ilustrar a verdadeira natureza dos personagens, a diretora Katja von Garnier obriga seus atores a ficarem saltando durante todo o filme enquanto caminham ou correm, como se isto fosse sua maneira de dizer: “Vejam! Eles mal conseguem conter a fera interior!”. E se você acha que isto é engraçado, espere até ver a protagonista retornar à forma humana depois de surgir como uma loba branca – e repare como ela dobra os pulsos para imitar as patas dos animais, exatamente como se estivesse interpretando um cachorrinho numa peça infantil. (A esta altura, eu não me espantaria nem mesmo se a moça soltasse um “cãimmm... cãimmmm” ou um “au! au!”, mas isto infelizmente não aconteceu.)

Apesar de belissimamente fotografado por Brendan Galvin (não estou sendo irônico; Bucareste surge mesmo lindíssima no filme), Sangue & Chocolate talvez devesse se chamar Câmera & Lenta, já que sua diretora utiliza este recurso à exaustão ao longo da projeção, pecando também na montagem, que abusa do corte rápido e dos flashes que buscam tornar a narrativa mais ágil, mas sem sucesso. Para piorar, von Garnier, como todo cineasta incompetente, demonstra incrível falta de confiança no espectador, sentindo uma imensa necessidade de se certificar de que este está compreendendo tudo o que surge na tela: assim, quando um lobisomem é ferido pelo colar de prata de Aiden, a diretora inclui um plano-detalhe do objeto e obriga o rapaz a dizer: “A prata!” – e, mais tarde, ele tenta entregar o colar a Vivian e repete: “Pegue. É feito de prata!”. Aliás, é incrível que a cineasta tenha contido o impulso de incluir uma legenda piscando na tela com os dizeres “Lobisomens detestam prata! Lobisomens detestam prata!”. Porém, ainda mais fantástico do que isso é a encenação da fuga de Vivian dos capangas de Gabriel: depois de ser colocada dentro de um carro, a mocinha... passa para o outro lado do veículo e sai pela porta oposta, despistando os inteligentes (leia-se: vítimas de morte cerebral) bandidos.

Interpretando a heroína com uma energia típica de quem está em coma, Agnes Bruckner parece constrangida durante todo o filme, como se tivesse assinado o contrato por engano, ao passo que Hugh Dancy, como Aiden, é obrigado a dizer uma fala que deveria receber o prêmio Tiririca de Exercício Mental (também conhecido como “Troféu Dããã!”): “Riachos levam a rios!”. Não me diga, garoto! Que conclusão brilhante virá em seguida? Açúcar é doce e sal é salgado? Como se não bastasse, depois de descobrir que Vivian é uma lobismulher (ah, vai dizer que não sabia que isso aconteceria?), Aiden protesta que a moça deveria ter impedido que ele se envolvesse com ela – algo que me espantou, já que ele praticamente se revelou um stalker para conseguir a atenção da garota.

Para piorar, a dupla de roteiristas parece ter concluído na última hora que o filme estava curto demais, já que, em seus vinte minutos finais, Sangue e Chocolate se transforma em um longa de ação (medíocre) com várias lutas, tiroteios e explosões baratas. E se havia algo que eu definitivamente não esperava de uma história sobre um romance entre uma lobismulher e um desenhista é que ele se convertesse subitamente num filme de Steven Seagal.

24 de Fevereiro de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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