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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
25/06/2004 27/06/2003 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
83 minuto(s)

Osama
Osama

Dirigido por Siddiq Barmak. Com: Marina Golbahari, Arif Herati, Zubaida Sahar, Gol Rahman Ghorbandi, Mohamad Haref Harati.

Sob a mão pesada do regime Taleban, as mulheres do Afeganistão eram proibidas de deixarem suas casas sem a companhia de um homem. Porém, num país devastado por guerras, não é raro que muitas famílias se resumam às mulheres - viúvas e mães enlutadas - e, neste caso, o que fazer? Permanecer em casa e morrer de fome? Em Osama, primeiro filme produzido no país após a queda do Taleban, o diretor Siddiq Barmak nos apresenta a uma garota de 13 anos que, para ajudar a mãe e a avó, é levada a se passar por um rapaz a fim de poder trabalhar.

Contando com um orçamento inferior a 50 mil dólares, Barmak transforma a impossibilidade de contar com cenários em uma das principais forças do projeto: rodando o filme exclusivamente em locações, o cineasta acaba provocando um impacto ainda maior ao mostrar um país destruído pela guerra – evocando, neste sentido, o inesquecível Alemanha, Ano Zero, no qual Roberto Rossellini utilizava as ruínas da Berlim recém-saída da Segunda Guerra Mundial como metáfora do caos social e econômico vivido por seus personagens. Assim, em Osama, descobrimos a falência total do sistema de saúde do país, que obriga os médicos, por exemplo, a utilizarem leques para abanar os pacientes, já que os tanques de oxigênio chegaram ao fim.

Descoberta por Barmak enquanto pedia esmolas pelas ruas de Kabul, a jovem Marina Golbahari se revela uma atriz nata, conferindo verdade a uma personagem complexa: absolutamente amedrontada pelos Talebans, a garota (que assume o nome `Osama` depois de cortar os cabelos) é praticamente obrigada pela avó a se passar por um membro do sexo oposto – e é comovente perceber que ela encontra a coragem necessária para viver aquela farsa somente por falta de opção: caso seja descoberta, a punição provável será a morte, é claro, mas talvez isso seja melhor do que morrer lentamente de inanição (ou não?). Aliás, o drama de Osama lembra, em parte, os problemas vividos pela personagem-título da belíssima produção iraniana Baran, que também era levada a se travestir a fim de garantir o sustento de sua família. A diferença é que, enquanto Baran contava com a leveza do amor de Latif pela heroína (e os vários alívios cômicos originados por esta situação), em Osama o clima é de constante melancolia, e até mesmo o jovem Espandi, que passa a proteger a garota, jamais manifesta qualquer tipo de atração por esta (talvez por ter consciência da inutilidade de tal sentimento).

Retratando com propriedade a ameaça constante representada pelos Talebans e seu regime fundamentalista, Osama inclui uma impressionante seqüência que se passa em uma espécie de `escola` dirigida por estes e que serve para doutrinar as crianças afegãs do sexo masculino: entre as lições ensinadas, os jovens descobrem como devem se `purificar` após um sonho erótico – e os risos divertidos dos garotos durante a aula demonstram a tragédia de uma infância cuja ingenuidade será substituída pela intolerância e o radicalismo religioso. Da mesma forma, o bravo diretor Siddiq Barmak deixa claro o uso da crença como forma de coibir a liberdade e anular os direitos da população feminina – sendo a burka simplesmente uma representação literal da destruição da individualidade e dos sonhos das mulheres afegãs. Além disso, ao mostrar um `julgamento` presidido por uma autoridade Taleban, Barmak enfoca dois cidadãos que conversam sobre o que está acontecendo, e quando um deles pergunta onde estão as testemunhas do caso em questão, o outro responde `Só Deus sabe!` – uma frase repleta de ironia que ilustra com precisão a hipocrisia daqueles procedimentos `legais`.

Assim, depois de testemunharmos as barbaridades cometidas no Afeganistão durante o regime Taleban, podemos até pensar que a intervenção militar americana merece aplausos, e isto seria verdade caso o governo George W. Bush não tivesse abandonado o país depois da guerra a fim de se dedicar a objetivos sombrios no Iraque – e é triste constatar que, talvez com exceção de Kabul (onde o filme se passa), a maior parte do território afegão está entregue a traficantes e a grupos tão nocivos quanto aquele derrubado pelos Estados Unidos. E, infelizmente, a situação das mulheres pouco mudou, já que estas continuam a sofrer os abusos impostos `em nome da Fé`. E, desta vez, Bush é tão culpado quanto o próprio Mulá Mohammed Omar.
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21 de Abril de 2004

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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