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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
31/10/2003 08/10/2003 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
114 minuto(s)

Tempos de Lobo
Le Temps du loup

Dirigido por Michael Haneke. Com: Isabelle Huppert, Olivier Gourmet, Anaïs Demoustier, Lucas Biscombe, Maurice Bénichou, Patrice Chéreau, Béatrice Dalle.

Georges, Anna e seus dois filhos, Eva e Ben, formam uma família comum que decide passar as férias no campo. Quando chegam em seu chalé, porém, são surpreendidos pela presença de uma outra família no local - e, sem maiores explicações, Georges é assassinado friamente e Anna e os filhos são expulsos dali. Sem saber o que está acontecendo, a confusa mulher busca auxílio, mas é sempre recebida com frieza e desconfiança por todos e, aos poucos, acaba percebendo que algo terrível aconteceu, já que há morte e destruição por todos os lados. Agora, os três terão que enfrentar uma realidade nova e assustadora.

Descrevendo Tempos de Lobo como uma `resposta aos filmes-catástrofe de Hollywood`, o diretor e roteirista Michael Haneke demonstra compreender algo importante sobre o gênero: terremotos, furacões e ataques alienígenas podem até criar bons espetáculos, mas o mais interessante em um filme-catástrofe não é o desastre em si, e sim o impacto que este provoca nos humanos e a reação das pessoas frente à dor e à tragédia. Aliás, esta foi uma lição recentemente ensinada por Danny Boyle no ótimo Extermínio, que ilustrava a violência inerente a qualquer situação-limite que destrua ou enfraqueça as leis que regem o comportamento em sociedade.

Apropriadamente intitulado Tempos de Lobo, este mais recente trabalho de Haneke retrata justamente o instinto de sobrevivência que pode transformar qualquer ser humano em um perigoso predador. Neste contexto, roubar dos mortos não é uma heresia ou uma atitude imoral, mas mera questão de bom senso. Assim, alguns espectadores podem ficar chocados com a seqüência em que um cavalo é abatido a tiros e, em seguida, apunhalado no pescoço para que seu sangue seja retirado - mas a violência da tomada é fundamental para que possamos experimentar o horror daquela realidade (e não me perguntem como Haneke rodou aquele plano).

Mantendo os personagens em uma escuridão quase permanente, o cineasta (sem utilizar trilha sonora) cria um sentimento sufocante no público, algo que se torna quase insuportável em alguns momentos, como na cena em que Anna grita o nome do filho, que havia desaparecido momentaneamente (Haneke mantém Huppert em primeiro plano, cercada por sombras e berrando com toda a força de seus pulmões pelo que me pareceu séculos - o que comprova a eficiência de sua técnica).

Por outro lado, a decisão do roteiro de não esclarecer a natureza da catástrofe que se abateu sobre o planeta (ou, pelo menos, sobre a França) certamente provoca a frustração de boa parte dos espectadores, já que muitos acabam esperando por uma explicação que nunca vem. E se `revelo` que a tal catástrofe não é esclarecida, só o faço por acreditar que, justamente por saber o que (não) esperar, você poderá aproveitar melhor a experiência - que, afinal de contas, não é sobre o que aconteceu, mas sim sobre suas conseqüências.

E mais: ao final da projeção, ouvi várias pessoas criticando o `desfecho` da história, alegando que pouca coisa é resolvida. Ora, a conclusão concebida por Haneke é perfeita, já que representa os dois únicos atos de bondade vistos em todo o filme - indicando, assim, a esperança do cineasta (e, espero, do público) com relação ao próprio Homem.

Agora, se você ficou irritado por achar que o parágrafo anterior `entrega` o final de Tempos de Lobo, peço que reconsidere sua opinião e perceba o mais importante: este filme não é sobre `tramas` ou `reviravoltas`, mas sobre idéias e reflexões. E isso você certamente constatará por si mesmo.

``

22 de Outubro de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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