Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
09/10/2009 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
153 minuto(s) |
Dirigido por Quentin Tarantino. Com: Brad Pitt, Mélanie Laurent, Christoph Waltz, Diane Kruger, Eli Roth, Daniel Brühl, Michael Fassbender, Denis Menochet, Til Schweiger, B.J. Novak, Omar Doom, Martin Wuttke, Julie Dreyfus, Mike Myers e as vozes de Samuel L. Jackson e Harvey Keitel.
Não importando a qual gênero pertençam ou que história estejam contando, os filmes de Quentin Tarantino giram primordialmente em torno de duas coisas: o Cinema e o amor que o diretor sente por este. Assim, se outros cineastas iniciariam seus longas empregando uma logomarca antiga da Universal ou uma trilha clássica do western spaghetti apenas como floreios de estilo, Tarantino tem um motivo adicional (embora os floreios sejam uma preocupação óbvia): a homenagem pura à Sétima Arte. Além disso, ao referenciar a própria História do Cinema em seus filmes, o diretor procura obviamente ali se inserir, o que, embora indício de presunção, é também prova de seu compromisso com o que faz. Tarantino pode ser auto-indulgente, arrogante e irregular – mas picareta, jamais.
Voltando a criar um roteiro que emprega a divisão em capítulos como muleta estrutural (vide Kill Bill Volumes 1 e 2), o cineasta volta a abordar um de seus temas favoritos neste Bastardos Inglórios: a vingança. Ambientado na França ocupada pelos nazistas, durante a Segunda Guerra, o filme abre com um embate verbal e psicológico entre o fazendeiro Perrier LaPadite (Menochet) e o cínico Coronel Hans Landa (Waltz), que se apresenta como o “Caçador de Judeus” enviado pela SS a fim de encontrar e exterminar as famílias judias que escaparam dos nazistas. O que se segue dá início à busca da bela Shosanna Dreyfus (Laurent) por vingança – algo que culminará num plano paralelo àquele organizado pelos violentos Bastardos Inglórios do título: um grupo de soldados norte-americanos (e um desertor alemão) cujo único objetivo é matar e escalpelar o maior número possível de nazistas.
Conhecido principalmente pelos diálogos característicos que tornam todos os seus filmes facilmente identificáveis, Tarantino se mostra perigosamente encantado por seu próprio estilo de conceber estas falas ao carregar exageradamente na exposição verbal feita por todos os personagens: se a palavra-chave no Cinema é “ação”, Bastardos Inglórios se afasta bastante desta raiz, dependendo exageradamente dos diálogos para estabelecer os personagens, gerar tensão e, principalmente, para a exposição e o desenvolvimento da própria trama. E mesmo que, analisadas à parte, estas falas sejam memoráveis, isto não quer dizer necessariamente que sejam eficazes como ferramentas de narrativa, já que mostrar é algo sempre mais recomendável, em um filme, do que meramente contar.
Não que isto seja sempre um problema: a seqüência de abertura do longa, por exemplo, traz um jogo de gato-e-rato tremendamente eficaz justamente em função da conversa entre Landa e LaPadite: mostrando-se sempre cortês – mesmo ao fazer graves ameaças -, o coronel nazista deixa claro, através de sua cuidadosa escolha de palavras, que sabe bem mais do que diz, o que estabelece não só a natureza perversa do sujeito, mas também sua inteligência, gerando uma tensão crescente à medida em que percebemos para onde aquilo está caminhando. Por outro lado, a seqüência que se passa em uma espécie de pub subterrâneo, embora bem estabelecida, arrasta-se demasiadamente, revelando-se desnecessariamente longa e expondo a fraqueza de Tarantino como montador de seu próprio material (e é patente que sua velha colaboradora Sally Menke tem enfrentado cada vez maiores dificuldades para controlá-lo), já que ele claramente permite que sua paixão pelos diálogos que escreveu estenda as cenas bem mais do que o recomendável. Como se não bastasse, o diretor comete um erro básico ao trazer a espiã/atriz Bridget von Hammersmark (Kruger) descrevendo em detalhes um acontecimento que acabamos de testemunhar, numa redundância reveladora – e da mesma maneira, qual a necessidade de mostrar um flashback de Adolf Hitler (Wuttke) dizendo que decidiu comparecer a determinado evento se Bridget acabara de revelar este fato?
Mas não é só: embora algumas referências feitas por Tarantino a outros filmes ocorram através de citações visuais (Rastros de Ódio, Carrie – a Estranha, O Encouraçado Potemkin), na maior parte do tempo o diretor/roteirista faz suas homenagens de maneira terrivelmente óbvia através do diálogo, como ao usar nomes conhecidos da Sétima Arte para batizar seus personagens (Aldo Ray, Hugo Stiglitz, Edwige Fenech, Edgar G. Ulmer, entre outros) ou ao fazer com que estes discutam, mesmo que de maneira inorgânica, clássicos da Sétima Arte e/ou seus realizadores (King Kong, O Triunfo da Vontade, Sargento York, G.W. Pabst, Emil Jannings, etc). Aliás, desta vez o cineasta chega a incluir a cinefilia como parte importante da trama (o que ao menos contribui para a narrativa de forma mais fluida), batizando a missão do grupo-título como “Operação Kino” e escalando um ex-crítico de cinema (Fassbender) para encabeçá-la.
Porém, se Tarantino carrega na quantidade de diálogos, ao menos também possui talento suficiente para despistar este excesso através de uma direção elegante e cheia de energia: é admirável, por exemplo, a forma com que ele usa um travelling vertical no momento preciso, durante a seqüência inicial, para revelar algo importante sob o assoalho de LaPadite; e, da mesma maneira, a imagem do rosto gigantesco de uma mulher projetado numa densa fumaça é algo que acompanhará o espectador para fora da sala de exibição. Além disso, o diretor não deixa de empregar suas marcas registradas, desde o longo plano no saguão do cinema de Shosanna até os travellings circulares em volta de personagens que discutem algo importante de maneira trivial, passando pelos planos-detalhe que enfocam pés femininos e, claro, o contra-plongé que confere ainda mais poder a figuras já grandiosas (nos filmes anteriores, planos feitos de dentro do porta-malas de um carro; aqui, a câmera subjetiva que traz a visão das vítimas nazistas dos Bastardos).
Ainda assim, todos os méritos técnicos de Tarantino não são capazes de contornar aquela que é sua principal fraqueza: a esterilidade emocional de suas narrativas. Aliás, é bastante possível que o apego do diretor pela exuberância estilística seja o principal responsável por manter o espectador sempre afastado de seus personagens – ou alguém pode dizer já ter ficado emocionado em um filme do cineasta? Assim, os letreiros que interrompem a narrativa para apresentar o passado de Stiglitz, a narração intrusiva de Samuel L. Jackson e a explicação sobre a natureza inflamável do velho celulóide (que traz cenas de Sabotagem, dirigido por Hitchcock em 1936) podem até representar instantes tipicamente “tarantinianos”, mas, justamente por isso, também lembram o público de aquilo é apenas um filme, impedindo que mergulhemos na história – e, assim, momentos que poderiam trazer algum impacto surgem apenas como planos plasticamente admiráveis e nada mais. (Vale apontar, apesar disso, que Bastardos Inglórios traz um raríssimo exemplo de verdade emocional na filmografia de Tarantino: aquele em que Shosanna, após conversar com uma figura marcante de seu passado, entrega-se a um choro repentino ao ver-se sozinha).
Outro fator que contribui para que Bastardos Inglórios se torne uma experiência exclusivamente estética é a natureza unidimensional da maior parte dos personagens: se Hitler já surge gritando histericamente em sua primeira aparição e Goebbels posteriormente é visto berrando como um animal ao transar (ok, para Tarantino, eles são caricaturas, motivo de risos e só – vá lá), o tenente Aldo Raine não se sai muito melhor – e por mais divertida que seja a atuação de Brad Pitt (e é muito divertida), o sujeito não exibe um pingo de verossimilhança em sua composição. Em contrapartida, Daniel Brühl consegue emprestar um mínimo de complexidade ao soldado-ator Fredrick Zoller, que surge mais trágico do que a própria Shosanna (Laurent, bela, mas – na maior parte do tempo - inexpressiva). E se Mike Myers vem tentando cada vez mais se estabelecer como um Peter Sellers contemporâneo (e sua aparição é curiosa, embora acabe distraindo mais do que ajudando a narrativa), é o austríaco Christoph Waltz quem praticamente rouba o filme ao encarnar Hans Landa como o típico vilão que adoramos odiar.
Gráfico ao retratar a violência (é um filme de Tarantino, afinal de contas) e jamais entediante, Bastardos Inglórios é uma experiência vazia, mas curiosa; metalingüística até a raiz, mas incapaz de envolver o espectador em sua narrativa. É, enfim, um Tarantino menor que, embora se auto-proclame “a obra-prima” do diretor, serve principalmente como indício de que o cineasta talvez deva tentar encontrar um equilíbrio melhor entre seu amor pelo Cinema e sua necessidade de contar suas próprias histórias. Caso contrário, ele acabará voltando às origens profissionais de balconista de locadora e usando seus filmes como simples indicações de obras melhores e mais memoráveis.
09 de Outubro de 2009
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