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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
10/02/2006 18/11/2005 3 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
136 minuto(s)

Johnny & June
Walk the Line

Dirigido por James Mangold. Com: Joaquin Phoenix, Reese Whiterspoon, Ginnifer Goodwin, Robert Patrick, Dallas Roberts, Dan John Miller, Shelby Lynne, Waylor Payne, Ridge Canipe, Lucas Till.

 

É impossível ignorar a ironia: lançado um ano depois de Ray, cinebiografia do fabuloso Ray Charles, este Johnny & June, que retrata a vida do não menos fantástico Johnny Cash, divide com aquele filme praticamente todos os seus erros e acertos, ambos revelando-se obras apenas medianas (embora a mais recente também seja relativamente melhor) que são elevadas graças às atuações impecáveis de seus protagonistas.

 

Escrito por Gill Dennis e pelo diretor James Mangold, Johnny & June conta até mesmo com um arco dramático e com incidentes semelhantes aos retratados em Ray: depois de uma infância pobre durante a qual perdeu um irmão de maneira trágica, J.R. Cash tornou-se um cantor admirado cuja luta contra as drogas custou-lhe o casamento e quase arruína também sua carreira. Porém, enquanto Ray se mostrava equivocadamente obcecado com a morte do jovem irmão do personagem-título, como se esta tragédia justificasse todas as decisões tomadas pelo astro, Johnny & June torna-se mais coeso ao encontrar um centro para sua narrativa no romance naturalmente cinematográfico entre Johnny Cash e a cantora-comediante June Carter. É a trajetória deste relacionamento que estabelece uma boa estrutura e confere peso ao filme, evitando a dispersão provocada pela necessidade de se relembrar toda uma vida em apenas duas horas de projeção.

 

Para começar, o roteiro nem sequer tenta cobrir toda a vida de Johnny Cash, concentrando-se, em vez disso, no período entre 1952 e 1968, durante o qual ele se tornou reconhecido e perseguiu a mulher de seus sonhos, pela qual era apaixonado desde a infância, quando, ainda garoto pobre, fantasiava sobre a já famosa June Carter ao escutá-la através do rádio. Ainda assim, o filme não consegue deixar de soar episódico: depois de passarmos pela infância do cantor e testemunharmos a morte de seu irmão, saltamos para sua adolescência e o acompanhamos brevemente em sua passagem pelo exército, antes de finalmente conhecermos sua primeira esposa e observarmos seus esforços para se tornar cantor profissional. Neste sentido, Dennis e Mangold fazem um trabalho burocrático, esquemático, que soa como uma coletânea dos “melhores momentos” da vida de Cash, em vez de criarem uma narrativa que encaixe tais incidentes de maneira orgânica, natural.

 

A relação conturbada entre Johnny Cash e o pai, por exemplo, é tristemente estereotipada: sempre criticando o filho, Ray Cash (Robert Patrick, eficiente em um papel unidimensional) mostra-se incapaz de valorizar as conquistas deste, chegando a culpá-lo pela morte do irmão e a lamentar-se por Deus ter “levado o filho errado”. Inicialmente, a responsabilidade pelo comportamento monstruoso do sujeito poderia ser atribuída ao seu alcoolismo, mas, mesmo depois de largar a bebida, ele se mostra igualmente impiedoso com Johnny. Qual é, afinal, a origem de tamanho rancor – principalmente se considerarmos que o protagonista se esforça ao máximo para honrar o pai, oferecendo-lhe conforto e respeito? Ainda mais ofensivo é perceber que, em seus momentos finais, o filme parece sugerir que os dois homens encontraram uma paz relativa, como se pudéssemos aceitar uma mudança de comportamento tão repentina quando, na realidade, trata-se apenas de um esforço patético dos roteiristas para que o espectador saia do cinema com a sensação de “final feliz”. Aliás, Vivian Cash, primeira esposa de Johnny, recebe um tratamento igualmente unidimensional, sendo retratada como uma mulher egoísta, nada compreensiva e absurdamente mimada e ingrata – algo que tem o objetivo óbvio de contrastá-la com a sempre alegre e companheira June Carter, mas que não deixa de ser injusto e pouco ético.

 

Felizmente, assim como ocorria em Ray, o longa se torna mais interessante sempre que se concentra na carreira de seu protagonista – principalmente porque temos a oportunidade de testemunhar o trabalho fascinante de Joaquin Phoenix, que assume, além da voz grave e rouca de Cash, os maneirismos e a postura do cantor, como seu estranho jogar de ombros e sua presença cheia de energia no palco. Mas, mais do que uma imitação, Phoenix confere complexidade ao personagem, como na cena em que, ao se apresentar para o produtor Sam Phillips, ele é inicialmente desestimulado por soar comum e, com um olhar de raiva e uma expressão de desafio, canta uma de suas próprias canções, descobrindo, no espaço de alguns minutos e diante das câmeras, a própria voz. É um momento brilhante que simboliza a riqueza da performance do jovem ator (e, mais uma vez, saliento a semelhança com Ray, no qual o personagem-título também enfrentava dificuldades para “encontrar a própria voz”).

 

Enquanto isso, Reese Whiterspoon encarna June Carter com uma energia impressionante, sendo particularmente feliz ao retratar a capacidade desta em usar o humor como forma de criar uma figura pública cativante e vivaz, embora, em sua vida particular, se questionasse com relação ao próprio talento e fosse vítima do preconceito por ter se divorciado em uma época na qual isto ainda era visto com maus olhos por uma sociedade conservadora e machista. Mas, ainda mais importante, Whiterspoon retrata a ética moral de June Carter e convence o espectador de que, afinal de contas, nada seria melhor para Johnny Cash do que se casar com aquela mulher.

 

Pois o fato é que Johnny & June é essencialmente uma história de amor. Sim, no processo somos apresentados à trajetória profissional de um cantor espetacular, mas isto é secundário aos esforços de Johnny para convencer a amada a tornar-se sua esposa. E basta assistir ao comovente vídeoclipe Hurt, dirigido por Mark Romanek e que traz o casal em uma casa repleta de memórias, para perceber que a maior conquista de Johnny Cash não foi musical, mas romântica.
``

 

10 de Fevereiro de 2006

 

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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