Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
24/10/2003 03/10/2003 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
81 minuto(s)

Elefante
Elephant

Dirigido por Gus Van Sant. Com: Alex Frost, Eric Deulen, John Robinson, Elias McConnell, Jordan Taylor, Carrie Finklea, Nicole George, Bennie Dixon, Nathan Tyson, Matt Malloy, Timothy Bottoms e Jason Seitz.

De certa forma, Elefante pode ser considerado como um filme-catástrofe que se passa em uma escola comum dos Estados Unidos e que, como todo exemplar do gênero, gasta boa parte da projeção apresentando seus personagens para o espectador. Através de longos planos-seqüência, o cineasta Gus Van Sant acompanha os alunos do colégio em suas atividades e, através da simples interação entre os jovens, desenvolve a relação entre estes e ilustra os interesses principais de cada um - além, é claro, de situar o público com relação à geografia do lugar. No entanto, quando a catástrofe chega, não envolve algo como terremotos, furacões, incêndios ou inundações, mas sim uma tragédia ainda mais incompreensível: um tiroteio provocado por dois alunos.

Preocupado em criar um cenário real para o caos que se seguirá, Van Sant não tenta elaborar enredos marcantes ou personagens extraordinários, optando, em vez disso, por retratar um dia absolutamente comum no cotidiano da escola: assim, encontramos os alunos enquanto estes conversam sobre amenidades no refeitório; praticam educação física sob a supervisão de um professor; realizam tarefas curriculares; e assim por diante. E para evidenciar para o público que boa parte destas atividades ocorre simultaneamente, o cineasta adota o engenhoso recurso de fazer com que seus personagens se encontrem nos corredores da escola, estabelecendo claros pontos de referência para o espectador. A partir daí, a ação do filme se liberta da prisão imposta pela cronologia `real` e passa a flutuar no tempo. Assim, vemos o aluno X revelando fotografias, conversando com uma amiga e, posteriormente, encontrando o estudante Y em um corredor. Mais tarde, vemos Y discutir com o diretor, assistir a uma aula e, em seguida, esbarrar com X no mesmo local - e imediatamente percebemos que a discussão de Y com o diretor deve ter acontecido enquanto X revelava suas fotografias.

Esta liberdade na cronologia dos fatos resulta em uma série de benefícios para o filme: em primeiro lugar, o público logo passa a prestar atenção redobrada em tudo o que ocorre na tela, já que um personagem visto de relance pode aparecer minutos depois como destaque de sua própria seqüência. Em segundo lugar, Gus Van Sant tem a oportunidade de deixar o espectador sempre tenso, sem saber se o tiroteio está prestes a começar, pois a fluidez do tempo impede (ou, no mínimo, dificulta) que saibamos exatamente em que ponto da fatídica manhã a ação se encontra. Finalmente, o recurso permite que o cineasta realize fascinantes experiências com o tempo: em certo momento, por exemplo, vemos uma seqüência que se passa na manhã do tiroteio enquanto ouvimos uma composição de Beethoven que foi executada dias antes em um piano, ou seja: apresentados simultaneamente para o público, a imagem e o som da seqüência estão separados por vários dias um do outro, no tempo do filme. Mas não se preocupe: apesar da estrutura do longa parecer confusa à primeira vista, não é nada difícil, em retrospecto, `remontar` a ordem das fatos.

Outro detalhe interessante é que cada personagem de Elefante tem o mesmo nome de seu intérprete - algo que Gus Van Sant certamente utilizou para conferir mais realismo ao filme. E, apesar do diretor também receber crédito pelo roteiro, é bem possível que a maior parte dos diálogos tenha sido improvisada pelos atores (todos amadores). Assim, as conversas abordam temas importantes para os jovens protagonistas, que discutem seus namoros, suas preocupações com o futuro, suas dificuldades de relacionamento, seus medos, suas frustrações, e assim por diante. Van Sant aproveita até mesmo para ilustrar a obsessão das novas gerações com relação à estética, apresentando-nos a três jovens bulímicas.

Claramente inspirado pelo trágico tiroteio na escola Columbine, Elefante ganha mais dimensão por retratar algo que poderia acontecer na vida real - ou melhor, que já aconteceu e que pode perfeitamente ocorrer novamente. E a bela utilização de longos planos-seqüência (que certamente provocaram várias dores de cabeça no elenco e na equipe técnica, em função das coreografias precisas) confere ainda mais veracidade ao projeto.

Felizmente, o filme não tenta encontrar uma explicação racional para a atitude dos assassinos de Columbine (e de sua própria história): aliás, é assustador ver dois rapazes discutindo calmamente a morte dos próprios amigos, como se falassem sobre algo trivial. Van Sant chega a apresentar alguns fatores comumente identificados como parte do contexto psicológico que levaria a esta tragédia, como a rejeição por parte dos colegas, o distanciamento entre pais e filhos e até mesmo a popularização de videogames que incitam à violência. Na realidade, Elefante apresenta apenas um culpado claro: a indústria de armas e a facilidade com que qualquer pessoa pode adquirir pistolas, metralhadoras e escopetas, entre outros.

Funcionando quase como um documentário, Elefante é um filme intenso que não hesita em chocar o espectador com a própria realidade em que este vive. E se não quisermos ver outras tragédias ganhando as telas, é fundamental que reconheçamos a relevância de produções como esta e passemos a buscar soluções na vida real.

``

29 de Outubro de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!