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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/05/2004 07/03/2003 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
106 minuto(s)

Minha Vida Sem Mim
My Life Without Me

Dirigido por Isabel Coixet. Com: Sarah Polley, Mark Ruffalo, Scott Speedman, Deborah Harry, Amanda Plummer, Leonor Watling, Julian Richings, Maria de Medeiros, Jessica Amlee, Kenya Jo Kennedy, Alfred Molina.

Depois de descobrir que um câncer lhe roubará a vida dentro de alguns meses, Ann, uma jovem de 23 anos de idade, toma duas decisões importantes: ocultar a doença de todos (incluindo seu marido e suas duas filhas pequenas) e redigir uma lista das coisas que pretende fazer antes de morrer – e seus desejos incluem `fazer amor com outro homem` e `levar alguém a se apaixonar por mim`. É aí que Minha Vida Sem Mim, dirigido e roteirizado pela espanhola Isabel Coixet (e que traz Pedro Almodóvar como produtor executivo), assume o grande risco de espantar seus espectadores: as atitudes de Ann revelam, sim, egoísmo e imaturidade. Impedir que as pessoas próximas a ela fiquem a par de sua enfermidade e, com isso, possam se despedir de forma menos traumática é algo terrível – mas despertar os sentimentos de um desconhecido e levá-lo a sofrer com a perda do amor recém-descoberto é ainda pior. Ainda assim, torço para que o público perceba algo fundamental: se Ann age quase como uma criança, é porque ela é quase uma criança. Tornar-se mãe aos 17 anos não transforma magicamente uma adolescente em mulher, ainda que ela tenha que se comportar como tal.

Vivendo em um minúsculo trailer estacionado no quintal da casa de sua mãe, Ann e o marido Don levam uma existência humilde que beira a pobreza. Trabalhando no período da noite como faxineira em uma universidade, a moça mal consegue ver a família – e, mesmo que dê carona para a mãe todas as noites, as duas parecem não ter nada para conversar. Porém, Ann não se considera uma pessoa triste, já que a eterna gentileza do marido e o convívio carinhoso com as filhas são mais do que suficientes para alegrá-la. Ainda assim, é impossível deixar de notar que ela leva a vida no piloto automático, sem prestar muita atenção no mundo que a cerca.

Mas não é assim que a maior parte das pessoas vive? Ao menos, é isso que o filme parece perguntar, e com razão: mesmo desfrutando comodidades cada vez maiores, estamos sempre correndo, como se o tempo extra proporcionado pelas facilidades do mundo moderno servissem apenas para que possamos nos concentrar em mais problemas. A triste verdade é que freqüentemente deixamos para depois aquelas que deveriam ser nossas prioridades: crescer como indivíduos, tanto intelectual quanto espiritualmente (em todos os sentidos da palavra). É claro que todos temos dificuldades em lidar com o fato de que um dia iremos morrer – e adiar objetivos é uma forma sutil de nos convencermos de que contamos com todo o tempo do mundo. Infelizmente, isto não é verdade; e, como a protagonista deste longa acaba por constatar, nossa insignificância em comparação com o quadro geral é inegável - e mesmo aquela que julgávamos ser nossa vida simplesmente continua em nossa ausência.

É uma pena, portanto, que tantas pessoas deixem se abater por tão pouco, ignorando que o simples fato de existirem representa uma benção. Aliás, Minha Vida Sem Mim é repleto de personagens tristes e frustrados, que parecem encarar o mundo somente como um fardo a ser carregado até a linha de chegada: quando vê uma foto das filhas de Ann, por exemplo, o melancólico Lee ignora a beleza das crianças e apenas comenta `Elas parecem felizes`, como se isto fosse algo raro, quase absurdo. Já em outra cena, uma garçonete comenta que, caso ganhasse na loteria, iria se submeter a várias cirurgias plásticas a fim de se parecer com a cantora e atriz Cher – como se ter o rosto de alguém rico e famoso fosse o equivalente a ter a vida supostamente encantada desta pessoa. Ora, todos temos nossas (pequenas ou grandes) frustrações; o que (muitas vezes) nos falta é a perspectiva adequada para que avaliemos a real importância destas insatisfações.

Boa parte destas reflexões é expressada pelos personagens do filme, que, diga-se de passagem, conta com um elenco formidavelmente talentoso: de Julian Richings (como um médico com dificuldades para conversar com os pacientes) a Leonor Watling (como uma enfermeira que narra uma triste experiência), todos os atores desta produção têm oportunidade de brilhar em um momento ou outro (Scott Speedman, por exemplo, protagoniza uma comovente conversa com a esposa – e poucas declarações de amor poderiam ser tão tocantes quanto a simplicidade com que ele diz: `Eu gostaria de ser melhor para você`). Enquanto isso, Mark Ruffalo exibe mais uma vez seu carisma ao transformar Lee em uma figura quase trágica em sua solidão: existindo no vazio (literalmente falando, já que nem móveis sua casa tem) de uma relação rompida, o rapaz recebe diversas fitas de sua irmã contendo músicas incrivelmente evocativas, como se até mesmo seus sentimentos tivessem que ser fornecidos pelas gravações.

Mas a grande força de Minha Vida Sem Mim reside na poderosa performance da jovem Sarah Polley, que retrata as imaturas escolhas de Ann com tamanha convicção que praticamente nos esquecemos de que esta poderia `gastar` seu tempo restante de forma mais salutar (com o perdão do trocadilho involuntário). Além disso, a atriz brilha especialmente nos momentos em que sua personagem tenta ignorar a iminência de sua morte enquanto brinca com as filhas: observe o rosto de Polley e perceba que, apesar do sorriso, seus olhos encontram-se tristes e distantes, numa clara demonstração da complexidade de sua atuação.

Outro belo momento é aquele em que Ann, ao fazer compras em um supermercado, reflete sobre como ações tão prosaicas podem se tornar românticas quando vistas sob a ótica de alguém que em breve não poderá realizá-las: para ilustrar esta interpretação, Coixet se inspira numa das cenas mais primorosas do Cinema: o `baile` na estação de metrô em O Pescador de Ilusões. A diferença é que, enquanto naquele filme a dança era uma celebração (imaginária) do imenso sentimento de amor que Robin Williams nutria por Amanda Plummer, aqui, a ilusão surge da constatação de perda por parte de Ann.

Não é à toa que, ao longo de Minha Vida Sem Mim, a protagonista vê, em duas ocasiões, um sujeito `extraindo` música de copos de cristal. O que Ann percebe – e que torna o filme tão comovente – é que a beleza pode ser encontrada nos objetos mais triviais, e que até mesmo a textura da casca de uma laranja ou o gosto de uma gota de leite podem nos fazer lembrar de como é bom viver para ver um novo dia.
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14 de Maio de 2004

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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