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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
20/08/2004 13/03/2005 1 / 5 2 / 5
Distribuidora
Duração do filme
141 minuto(s)

Olga
Olga

Dirigido por Jayme Monjardim. Com: Camila Morgado, Caco Ciocler, Fernanda Montenegro, Mariana Lima, Renata Jesion, Osmar Prado, Luis Mello, Eliane Giardini, Werner Schünemann, Floriano Peixoto, Murilo Rosa, José Dumont.

Ao ler o magnífico livro de Fernando Morais, é impossível deixar de se encantar com a história de Olga Benario, uma judia alemã que abandonou o conforto de um lar abastado para se entregar aos seus ideais políticos e que, depois de adotar a causa de um grupo de revolucionários latino-americanos, tornou-se vítima de um ditador populista que achou por bem entregá-la ao maior crápula de todos os tempos: Adolf Hitler. Infelizmente, ao transportar a trajetória desta mulher admirável para as telas, o diretor Jayme Monjardim apostou no melodrama e no lugar-comum – e o que é pior: a Olga vista em seu filme é apenas uma mulher aborrecida e mal-humorada, tornando-se impossível, para o espectador, compreender o que Luís Carlos Prestes poderia ter enxergado de tão envolvente em sua companheira, além da beleza exterior. Porém, como o próprio Prestes é retratado como um sujeito fraco e medíocre, a recíproca também é verdadeira.

Escrito pela produtora Rita Buzzar, Olga já começa com o pé esquerdo, revelando a personagem-título no campo de concentração e eliminando qualquer impacto que sua decadência física poderia gerar no transcorrer natural da narrativa. Incluindo uma dispensável narração em off, Buzzar passa como um furacão pelos primeiros anos da militância de Olga, utilizando uma cronologia confusa que pouco esclarece sobre as motivações da moça e seu envolvimento com Otto Braun. Além disso, a roteirista apela para diálogos excessivamente expositivos, cometendo o erro básico de obrigar os personagens a esclarecerem questões e relações que deveriam ser apresentadas pela própria ação: assim, para estabelecer a inimizade entre Prestes e Filinto Müller, ela faz com que Getúlio Vargas diga para este último: `Você nunca o perdoou por tê-lo expulsado da Coluna, não é mesmo?`. E mais: sem saber exatamente como resolver dramaturgicamente o primeiro beijo de Olga e Prestes, Buzzar cria uma situação que beira o ridículo ao incluir um personagem que, durante uma festa de Ano Novo, se aproxima do casal e diz: `Você não vai beijá-la? Ela é sua esposa!`. Mas a pior fala do roteiro é mesmo a velha e batida `Não mooooorra!`, que a heroína grita para alguém, em certo ponto da projeção.

Infelizmente, os problemas não param por aí, já que, aparentemente, o roteiro sequer foi revisado antes do início das filmagens: afinal, como explicar a cena em que Prestes diz para a amada: `Espero que desta vez você seja ao menos capaz de se despedir!`. Desta vez? Quando ela partira sem se despedir antes disso? Como se não bastasse, Rita Buzzar a todo momento subestima a inteligência do espectador: ora, se vemos algum personagem destruindo uma série de papéis de maneira aflita, somos perfeitamente capazes de compreender seus motivos sem que ele tenha que dizer: `Se descobrirem estes documentos aqui, descobrirão tudo!`. Porém, o exemplo mais flagrante desta insistência da roteirista em estabelecer o óbvio pode ser encontrado na chegada do casal à então capital do país: depois de vermos um letreiro indicando que a ação agora se passa no Rio de Janeiro, um personagem diz: `Ninguém sabe que vocês estão aqui, no Rio de Janeiro` – e, logo em seguida, Filinto Müller volta a informar: `Como chefe de segurança do Rio de Janeiro...`. Só faltava incluir planos do Cristo Redentor, do Pão-de-Açúcar e do Calçadão, para garantir...

Mas, por incrível que pareça, estes são os menores defeitos do longa. O grande problema de Olga reside em sua opção de concentrar-se no romance entre a protagonista e Luís Carlos Prestes, já que os dois passam o filme inteiro fazendo declarações de amor um para o outro. Aliás, a cachoeira de água-com-açúcar já começa quando Olga ouve o nome do futuro amante pela primeira vez: imediatamente, ela assume um ar sonhador e olha para o infinito (faltou apenas soltar um `Ahhhh...`). E, como o roteiro é extremamente esquemático, já na cena seguinte ela é apresentada a Prestes em pessoa. No entanto, o que os atrai um para o outro? Por que Olga e Prestes se apaixonam? Em vez de se preocupar em tornar o romance do casal mais real, o filme aposta em clichês dramáticos, como o pavoroso momento em que, cercados por policiais, os protagonistas se despedem, se abraçam, cochicham frases românticas, se olham apaixonadamente e sussurram `eu te amo` – para só então serem brutalmente afastados pelos guardas, permitindo que Monjardim (é claro!) inclua um plano em que vemos as mãos dos amantes se separando em câmera lenta.

As opções feitas pelo cineasta estreante em longas, diga-se de passagem, são óbvias em sua maioria: Filinto Müller e Getúlio Vargas aparecem freqüentemente envoltos por sombras que ressaltam o caráter dúbio da dupla – algo que atinge o ponto do risível quando eles se reúnem com o Ministro da Guerra e planejam a captura do inimigo, culminando em um plano no qual vemos os três personagens em semi-círculo, como se fossem Pingüim, Coringa e Charada orquestrando o fim do Batman em um seriado da década de 60: confesso que, naquele momento, esperei vê-los gargalhando sadicamente enquanto Monjardim ia para um previsível fade out. E o que dizer da `esposa do Miranda`, que é vista com desconfiança por Olga assim que esta a encontra pela primeira vez, sem maiores explicações?

O triste é que Jayme Monjardim demonstra conhecer o ofício em certas ocasiões, como no discurso proferido pela heroína ainda na Rússia: em meio a uma grande platéia, identificamos imediatamente Otto Braun, apenas porque o cineasta foi inteligente o bastante para colocá-lo no ponto mais forte da tela (um pouco à direita e ao alto do centro do quadro). Este, porém, é um exemplo raro: no resto do tempo, o diretor utiliza uma linguagem excessivamente televisiva, abusando de closes fechadíssimos durante todas as cenas que incluem diálogos (ou seja, o filme todo) – e, nestes casos, a montagem limita-se ao plano/contra-plano mais básico, transformando os personagens em meras cabeças falantes e desperdiçando os cenários e a fotografia (que, por sua vez, em vários instantes cai no lugar-comum do sépia, típico das produções do gênero). Finalmente, Monjardim fracassa até mesmo nas duas cenas de sexo, quando procura a `perfeição` estética de tal forma que elimina qualquer traço de sensualidade do ato em si: Olga e Prestes parecem estar apenas posando para uma foto, e não buscando o prazer no corpo um do outro.

Camila Morgado, aliás, desperdiça a chance de uma carreira ao transformar Olga em uma figura unidimensional: investindo no lado `durão` da personagem, a atriz diz todas as suas falas com a mesma inflexão monocórdica, do início ao fim da história – e os poucos instantes em que deve exibir alguma vulnerabilidade são enfraquecidos por suas escolhas equivocadas, como o já mencionado `olhar para o infinito`, extremamente artificial. Na verdade, Morgado protagoniza uma única cena realmente memorável em todo o filme (você a reconhecerá quando a vir; digo apenas que ela acontece em uma enfermaria e envolve uma nazista e um bebê). Enquanto isso, Caco Ciocler encarna Prestes como um sujeito fraco e resmungão, jamais convencendo o espectador da capacidade de liderança do personagem (na realidade, Prestes não impressionava muito à primeira vista, o que não quer dizer que ele não `crescesse` nos momentos necessários). E, diga-se de passagem, o roteiro se acovarda ao ignorar, mesmo nos letreiros finais, a futura – e desprezível - associação de Prestes e Vargas.

Apesar de tudo, Olga impressiona nos quesitos técnicos – especialmente com sua competente direção de arte, os ótimos figurinos e a bela fotografia (quando esta foge do clichê). Já a trilha sonora de Marcus Viana, além de claramente se inspirar na música de A Lista de Schindler, ainda peca ao insistir em telegrafar para o espectador os `sentimentos` que este deveria viver ao longo da narrativa.

Longo e cansativo, Olga comete um último erro grave ao misturar várias línguas durante a projeção: em certas cenas, a protagonista diz algo em português e ouve uma resposta em alemão, o que leva a platéia a se perguntar se o que estamos escutando é um `alemão traduzido` (numa espécie de `tecla SAP`) ou se ela realmente falou em português – e, neste caso, será que seu interlocutor compreendeu o que foi dito? Uma bagunça que apenas reflete a falta de foco da produção, que investiu muito em sua embalagem épica e pouco naquilo que deveria ser o mais importante: sua história e seus personagens.
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17 de Agosto de 2004

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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