Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
20/01/2006 | 28/10/2005 | 4 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
102 minuto(s) |
Dirigido por Gore Verbinski. Com: Nicolas Cage, Michael Caine, Hope Davis, Nicholas Hoult, Gemmenne de la Pena, Michael Rispoli, Gil Bellows.
É fácil subestimar o talento do cineasta Gore Verbinski. Ao contrário de realizadores como Peter Jackson, Oliver Stone e Ridley Scott, que deixam suas marcas evidentes em cada filme que comandam, Verbinski é um diretor discreto que não se preocupa muito com movimentos de câmera rebuscados ou composições de quadro características; em vez disso, ele parece mudar de estilo a cada novo projeto que assume, chegando a ser difícil imaginar que a mesma pessoa tenha dirigido longas tão distintos entre si quanto Um Ratinho Encrenqueiro, A Mexicana, O Chamado e Piratas do Caribe – todos pertencentes a gêneros diferentes e eficazes dentro de suas respectivas propostas (o mais fraco é o segundo, embora esteja longe de ser um desastre). Em O Sol de Cada Manhã, o cineasta faz um excepcional estudo de personagens e, mais uma vez, conta sua história de forma discreta e eficiente – bastando observar, por exemplo, como ele ilustra o distanciamento emocional de seu protagonista apenas através do espaço que mantém entre Nicolas Cage e os demais atores em vários planos nos quais estes aparecem conversando.
Meteorologista de um canal de televisão local, David Spritz (Cage, em mais uma grande performance em 2005) encontra-se em um ótimo momento profissional: apesar de já receber um salário invejável, ele está sendo cotado para um famoso programa exibido em rede nacional e pelo qual passaria a receber cinco vezes mais do que sua remuneração atual. Porém, isto implicaria em uma mudança para Nova York (ele mora em Chicago), algo que pode trazer mais problemas para sua já conturbada vida pessoal. Divorciado, ele ainda nutre esperanças de salvar seu casamento – mas, enquanto isto não acontece, ele já tem preocupações suficientes com seus dois filhos: um garoto de 15 anos que teve problemas recentes com drogas e uma menina de 12 anos que, bastante acima do peso, parece estar sempre deprimida. Além disso, ele não consegue compreender por que sempre é atingido por objetos atirados por estranhos em sua direção.
Triste, inseguro e introspectivo (nós o conhecemos graças à narração em off, que revela seus pensamentos), David é apenas um sujeito comum com neuroses que certamente serão compreendidas e despertarão a simpatia de qualquer adulto: se esforçando ao máximo para acertar em suas atitudes e ser um indivíduo no mínimo decente, ele ama profundamente o pai e quer, acima de tudo, fazer com que este sinta orgulho do filho – e a notícia de que o pai, um escritor vencedor do Pulitzer, tem apenas alguns meses de vida leva-o a compreender que não terá muito tempo para conseguir este reconhecimento.
No entanto, David não é um fracassado; apenas acredita ser. Sem valorizar suas próprias conquistas profissionais, ele logo se encarrega de explicar para o espectador que seu trabalho é facílimo, não envolve qualquer tipo de pesquisa científica séria e que seu maior mérito é saber se movimentar diante do green screen. Em determinada cena, quando tenta chegar à conclusão sobre a previsão do tempo mais correta a fazer, um de seus colegas diz algo que o próprio David repetirá adiante, como prova de sua inutilidade social: `É vento, cara! Sopra para todo lado!` – algo que, inclusive, serve como metáfora perfeita de sua vida, já que ele também está sempre buscando acertar em todos os campos e de várias maneiras.
O que ele jamais parece perceber é que é um bom filho e um pai esforçado: ao mesmo tempo em que acompanha seu pai durante as visitas ao médico, ele procura estabelecer uma conexão com a filha caçula e não hesita em defender o filho em uma questão importante, mesmo que algumas pessoas (sua ex-esposa, inclusive) duvidem da palavra do garoto com relação ao que ocorreu (não quero revelar muito, como podem ver). Se David falha em algum aspecto, é como marido: embora se questione acerca do incidente que serviu como gota d’água para o divórcio (ele esqueceu de comprar um molho solicitado pela esposa), o sujeito aparentemente não percebe que aquela falha específica representou apenas um exemplo do descaso com o qual provavelmente já lidava com as necessidades emocionais da companheira – e que, se não tivesse esquecido o tal molho, certamente outra questão atuaria como estopim para o fim do casamento.
Porém, a alma de O Sol de Cada Manhã reside mesmo no relacionamento entre David e o pai, Robert, vivido de maneira soberba por Michael Caine. Ao contrário de David, o escritor conseguiu, durante toda a vida, conciliar o sucesso profissional com as necessidades da família – e, mesmo doente e idoso, não deixa de se preocupar com o filho e os netos (quando alguém diz que sua neta é `um anjo`, Robert discorda com sua serenidade característica: `Ela está muito acima do peso ideal e é infeliz. Estou preocupado com ela`. Aliás, em um filme repleto de vários instantes surpreendentemente divertidos, um dos melhores é aquele em que ele explica para David por que a neta está sendo chamada de `dedo de camelo` pelos colegas de escola: `Ela usa calças muito apertadas. ‘Dedo de camelo’ diz respeito à dobra de sua vagina que pode ser discernida através da roupa.`).
No entanto, por mais que se mostre compreensivo e preocupado com David, é possível perceber que, de certa forma, Robert faz sempre questão de demonstrar sua insatisfação com as escolhas feitas pelo filho: há algo de cruel no tom sempre frio que usa para conversar com este e, como se não bastasse, o escritor parece estar sempre pregando, dando lições que salientam sua superioridade como pai e marido (o curioso é que ele não parece ser particularmente carinhoso com a esposa, de quem está quase sempre distante e que pouco é vista no filme, inclusive). Além disso, Robert parece um homem anacrônico, deslocado no mundo moderno, o que pode ser constatado através da forma quase infantil com que constantemente pergunta para David sobre gírias e produtos contemporâneos. Neste sentido, sua morte iminente pode ser perfeitamente considerada como resultado de sua inadequação e de seu cansaço por viver em uma época que não compreende e que recrimina.
Escrito por Steve Conrad, O Sol de Cada Manhã é um filme sobre pessoas comuns que enfrentam problemas comuns. Aliás, o roteiro está sempre frustrando nossas expectativas, criadas por uma existência de clichês cinematográficos: quando David dá ré ao sair da garagem, esperamos que alguém bata em seu carro; quando ele bebe na véspera de uma entrevista importante, imediatamente concluímos que ele perderá a reunião; felizmente, Conrad não se entrega a estas convenções, que inevitavelmente tornariam os dilemas do protagonista artificiais e, conseqüentemente, desinteressantes. Em vez disso, somos apresentados a um homem que, como todos nós, quer apenas ser feliz e que tenta, nem sempre com sucesso, ser uma pessoa correta e digna (e é sua trajetória rumo a um estado de conforto com a própria existência que acompanhamos aqui).
Tristonho como seu personagem principal, O Sol de Cada Manhã representa uma experiência complexa e emocionalmente insatisfatória para o espectador – mas, longe de ser um defeito, esta é a prova definitiva de que Gore Verbinski lidou corretamente com a história. Há filmes que são assim; funcionam justamente porque te mandam para fora do cinema em um estado de profunda reflexão. Em função disso, geralmente fracassam nas bilheterias, pagando um alto preço por serem maduros, inteligentes e corajosos.
21 de Janeiro de 2006
Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!