Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
02/02/2007 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Embora tenha sido dirigido pelo cineasta italiano Gabriele Muccino (O Último Beijo), À Procura da Felicidade é um filme que celebra sem receios o velho e surrado conceito do “american dream”, que prega que, com perseverança e trabalho duro, qualquer um pode se dar muito bem nos Estados Unidos, independentemente de sua raça, camada social, credo ou opção sexual. Ao mesmo tempo, o longa defende os valores familiares de maneira inequívoca, como se perguntasse o que é mais importante: tornar-se um milionário ou ouvir, de seu filho pequeno, a afirmação de que você é um bom pai. A resposta: ora, por que não as duas coisas?
Escrito por Steven Conrad (do sensível O Sol de Cada Manhã), o roteiro se inspira na história real de Chris Gardner, que, no início da década de 80, enfrentou imensas dificuldades financeiras enquanto se esforçava para completar um estágio como corretor de ações da bolsa de valores. Em uma época de crise na economia norte-americana (algo aparentemente comum durante governos republicanos – na época, o de Reagan), Gardner (Smith) comete o erro de investir todas as suas economias em um equipamento médico inovador que, caro e de difícil manutenção, compromete ainda mais as suas finanças pessoais, eventualmente custando-lhe o casamento e obrigado-o a dormir em abrigos para moradores de rua ao lado do filho pequeno. Determinado a se recuperar, ele começa a fazer um estágio de seis meses, não remunerado, em uma grande empresa de corretagem com a esperança de vir a ser contratado no final do período – privilégio concedido a apenas um entre dezenas de candidatos.
Buscando retratar com o máximo de realismo os percalços financeiros enfrentados pelo protagonista, o filme não transforma a vida de Gardner em algo recheado de grandes e cinematográficos acontecimentos; em vez disso, acompanhamos, ao longo das quase duas horas de projeção, as muitas dificuldades e as pequenas vitórias do cotidiano de uma pessoa comum: um homem que precisa pagar impostos, que nem sempre tem dinheiro para comprar um doce para o filho e para quem 14 dólares (ou mesmo cinco) podem representar a diferença entre o jantar e uma noite de estômago vazio. E ainda que o roteiro siga a convenção de mergulhar o personagem em situações cada vez mais desesperadoras, estas não soam absurdas ou dramaticamente artificiais, mas como uma cadeia natural de acontecimentos. Aliás, até mesmo a boa fotografia de Phedon Papamichael busca este tom ao não exagerar na melancolia - ainda que praticamente não permita a entrada da luz do Sol na narrativa. Da mesma forma, o design de produção foge dos extremos, retratando o lar da família Gardner como um lugar humilde e apertado, mas agradável e nada miserável.
É claro que, para manter a coerência com este universo, a performance de Will Smith revela-se centrada, sóbria, fugindo do melodrama e do histrionismo. Grisalho e com uma aparência cansada, Chris Gardner é um homem inteligente, honesto e articulado que, depois de uma juventude promissora, jamais conseguiu fazer jus ao próprio potencial – e Smith é hábil ao ilustrar a decepção que o personagem sente não apenas com relação ao mundo, mas (principalmente) consigo mesmo. E mesmo que o racismo tenha obviamente desempenhado algum papel nas dificuldades de Gardner, o filme busca mais uma vez a sutileza: percebemos a forma com que o herói é tratado por seu supervisor, que parece encará-lo como um escravo sofisticado, mas esta questão jamais embaça os demais aspectos da trama, já que o próprio Gardner demonstra perceber que confrontar seu superior não seria uma boa estratégia (e, infelizmente, somos constantemente obrigados a aturar injustiças em nome da precaução). Sem jamais tratar o papel como uma simples oportunidade de mostrar seu alcance dramático, Will Smith comove justamente por demonstrar o esforço de seu personagem para se conter em momentos de grande emoção: Chris Gardner não é um destes indivíduos que fazem questão de demonstrar os sentimentos para todos. Por outro lado, o ator utiliza seu imenso talento cômico para incluir pequenos (e nada destoantes) momentos de humor na narrativa, como ao exibir um cuidado exagerado ao atravessar a rua justamente por ter sido atropelado dias antes.
No entanto, a alma de À Procura da Felicidade reside no relacionamento entre o protagonista e seu filho, interpretado por Jaden Smith (o sobrenome não é coincidência; trata-se do filho de Will Smith com a atriz Jada Pinkett): encantador em sua naturalidade, o garoto foge da caricatura da “criança precoce”, levando o espectador a se preocupar com o impacto que todos aqueles incidentes terão em sua vida. Quando Gardner discute com um vizinho em função de uma antiga dívida, nosso foco permanece no menino, já que sabemos que, para uma criança de 6 anos, aquilo representa um incidente aterrorizante. Da mesma forma, a paciência e a alegria infinitas da infância acabam funcionando como um contraponto para o drama do filme: mesmo exausto de tanto caminhar, o pequeno ainda consegue encontrar ânimo para contar piadas ou mergulhar na brincadeira imaginada pelo pai para justificar o fato de que terão que dormir em um banheiro público (um recurso que me fez lembrar de A Vida É Bela). Em contrapartida, o roteiro de Conrad falha na maneira unidimensional com que retrata Linda, a ex-esposa do protagonista: vivida por Thandie Newton como uma mulher sempre irritada, impaciente e que jamais apóia o marido, a personagem é uma presença pesada, quase caricatural – o que é provavelmente injusto, já que é fácil perceber que seu estado emocional é uma mera conseqüência dos vários anos de dificuldades financeiras provocados pela falta de pragmatismo de Chris, que arriscou o futuro da família em empreitadas pouco práticas e até mesmo arriscadas.
Além disso, o roteiro também exagera nas coincidências, como ao permitir que o protagonista encontre por acaso (e nada menos do que três vezes!), em uma metrópole, os indivíduos que roubaram suas mercadorias. E para um filme que se preocupa tanto em ilustrar a vida difícil de um humilde trabalhador, torna-se no mínimo irônico perceber que ninguém presta muita atenção ao pobre taxista que, enganado pelo herói, provavelmente terá que explicar para a família por que não trouxe tanto dinheiro para casa naquela noite.
Como não poderia deixar de ser, À Procura da Felicidade também toma várias liberdades criativas com relação aos fatos reais – algo que pude constatar facilmente em uma rápida visita à Wikipedia. Mas, ainda que isto seja relativamente frustrante, a força do filme permanece intacta por percebermos que, apesar de todas estas diferenças, o triunfo de Christopher Gardner não deixa de ser um belo exemplo de determinação e sacrifícios pessoais.
Observação: O homem que cruza o quadro no último plano do filme, passando por Will Smith e seu filho, é o verdadeiro Chris Gardner.
03 de Fevereiro de 2007
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