Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
16/01/2004 | 25/10/2002 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
119 minuto(s) |
Dirigido por Peter Mullan. Com: Nora-Jane Noone, Dorothy Duffy, Anne-Marie Duff, Eileen Walsh, Geraldine McEwan, Mary Murray, Britta Smith.
Nunca compreendi como a Humanidade pôde (e pode) cometer tantas barbaridades em nome de `Deus`. Para mim, o próprio conceito de Deus envolve, obrigatoriamente, a idéia de aceitação, perdão, compaixão e amor – e, portanto, quando penso, por exemplo, nas Cruzadas, na Inquisição e nos atos terroristas cometidos `por fé`, fico absolutamente pasmo (mesmo que conheça, ou pense conhecer, as verdadeiras motivações – econômicas, políticas ou simplesmente egocêntricas – por trás de cada um destes absurdos).
Um outro terrível exemplo destas grandes tragédias foi revelado na década de 90, quando um cemitério clandestino contendo mais de 150 corpos foi descoberto em um terreno que pertencera a um convento irlandês durante mais de um século: ali funcionara uma das `Lavanderias Madalena`, como eram conhecidos os conventos (controlados por freiras de várias Ordens, como as da Nossa Senhora da Caridade) que serviam de verdadeiros campos de concentração para mulheres de todas as idades. Fundadas no século 19, estas instituições tinham, como objetivo inicial, a `recuperação` de prostitutas irlandesas, mas, com o passar dos anos, passaram a servir de prisão para qualquer mulher que tivesse sua índole questionada: de mães solteiras a adolescentes cujo maior crime era a beleza (o que as qualificava como verdadeiras `tentações` para o sexo oposto), milhares de mulheres foram enclausuradas nestes `conventos`, sendo obrigadas a trabalhar (sem remuneração ou descanso) para mantê-los funcionando – daí o nome `lavanderia`, já que a instituição se especializou em cuidar das roupas de hospitais, penitenciárias, hotéis e dos próprios membros do clero. Por incrível que possa parecer, muitas destas garotas viveram e morreram nestes lugares – cuja última `filial` foi fechada em (!) 1996.
Escrito e dirigido por Peter Mullan, Em Nome de Deus conta a história de três jovens mulheres que foram vítimas das freiras responsáveis pelas Lavanderias Madalena (o nome, obviamente, vem de Maria Madalena, a prostituta perdoada por Jesus): Rose ficou grávida ainda solteira e foi obrigada pelo pai a oferecer o filho para adoção; Bernadette flertava com os rapazes que costumavam abordá-la através das grades do orfanato em que ela morava; e Margaret foi estuprada pelo primo durante uma festa de casamento. Como punição por seus `crimes`, as moças são colocadas sob a jurisdição da rigorosa Irmã Bridget – o que, na prática, significava uma condenação a vários anos de trabalhos forçados.
O espantoso é que a história se passa não no século 18 (o que já seria assustador), mas sim na década de 60 – mesmo período em que o Ocidente começava a apresentar os primeiros sinais da verdadeira revolução sexual que estava por vir. Proibidas até mesmo de conversarem umas com as outras, as prisioneiras (sem aspas, mesmo) eram submetidas a constantes punições físicas e a terríveis humilhações – como ao serem obrigadas a desfilarem nuas para que as freiras pudessem ridicularizar seus corpos. Assim, quando uma das garotas tenta fugir para voltar a morar com o pai extremamente violento (interpretado pelo próprio Peter Mullan), não nos espantamos com o grau de pavor inspirado pelas supostas `irmãs de caridade`.
Da mesma forma, é perfeitamente compreensível que, vez por outra, uma das `pecadoras` decida se tornar noviça – não por vocação ou dedicação à religião, mas por puro instinto de sobrevivência. Aliás, o filme evoca com tamanha perfeição a ameaça representada por aquelas freiras que, em certo momento, ao ver uma das Irmãs caminhando por um corredor com seu longo terço pendurados na altura da cintura, confesso que não consegui deixar de pensar na figura de um carcereiro com seu molho de chaves (a analogia é interessante, já que a religião estava sendo utilizada justamente como justificativa para o encarceramento das jovens).
Apesar de tudo, Mullan consegue evitar que a Irmã Bridget, responsável pelo convento visto no filme, se torne uma figura unidimensional, um monstro do gênero `terror`: vivida com grande talento pela veterana Geraldine McEwan, a Irmã provoca antipatia e asco no espectador em função de seus atos cruéis, é verdade, mas o fato é que ela parece acreditar estar agindo caridosamente. Conversando sempre com uma voz suave que pode ser interpretada como sendo fria ou gentil, Irmã Bridget não enxerga suas ações de forma negativa - afinal, é preferível (em sua visão distorcida) que aquelas garotas sejam humilhadas e espancadas do que condenadas ao `fogo do Inferno`. Portanto, não é de se espantar que, ao assistir a Os Sinos de Santa Maria, ela se comova, identificando-se com a determinada Irmã Benedict vivida por Ingrid Bergman (para o espanto de suas vítimas, é claro).
Por outro lado, Em Nome de Deus não pode ser considerado como um ataque à Igreja Católica: ao mesmo tempo em que Bernadette afirma que `Nenhum pecado mortal justifica este lugar`, Rose jamais perde a fé no catolicismo, compreendendo que não é a mensagem que está necessariamente equivocada, mas os mensageiros. E quando a trágica Crispina (a personagem mais comovente do filme) é molestada sexualmente por um padre, sua reação – simultaneamente simples e poderosa – é acusá-lo de não ser `um homem de Deus` (mais uma vez, a crença é mantida a despeito dos obstáculos).
Perdendo um pouco de sua força apenas por não estabelecer com clareza sua cronologia (vários anos se passam sem que percebamos), Em Nome de Deus é um filme forte e relevante. Ao encerrar sua narrativa com os nomes das milhares de garotas torturadas por uma igreja hipócrita e cruel, Peter Mullan faz com que o público saia do cinema ainda mais chocado com o que viu – afinal, além de serem punidas por questões exclusivamente morais, muitas daquelas jovens tiveram suas vidas encerradas (como comprovam os túmulos encontrados na Irlanda) depois de `julgamentos` comandados pelos verdadeiros pecadores. E o pior: julgamentos estes que foram baseados em preconceitos, não em fatos.
13 de Janeiro de 2003
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